Arquidiocese de Braga -

5 setembro 2022

Igreja Argentina toma consciência do clericalismo, saboreia a sinodalidade e pede para se acabar  com o poder piramidal

Fotografia DR

DACS com Religión Digital

"Escuta, diálogo e inclusão são reivindicações para viver dentro e fora da Igreja, como necessidades cruciais deste tempo."

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“O processo sinodal ajudou-nos a acordar”. É uma das frases que a síntese sinodal do processo realizado pela Igreja Argentina contém, uma experiência “de escuta, do caminhar juntos e da celebração partilhada neste processo” que, para “a grande maioria” dos 95% das comunidades cristãs do país que participaram nesta fase, “foi fonte de alegria, encontro e renovação, dando origem a novos espaços de experiência eclesial e missionária”.

“Se tivéssemos que apontar os temas mais importantes da síntese – aponta o documento que resumiu as contribuições –, apontaríamos o seguinte (a ordem poderia mudar): escuta, diálogo e inclusão são reivindicações para viver dentro e fora da Igreja, como necessidades cruciais deste tempo. Outra questão fundamental é o clericalismo, que nos faz pensar na gestão do poder na Igreja como uma questão que merece estudo, conversão e mudança na cultura eclesial”.

 

Maior protagonismo das mulheres

“Uma terceira questão forte, que está relacionada com o poder e a corresponsabilidade, é o protagonismo das mulheres na Igreja: é uma questão de justiça e é também uma forte reivindicação nas comunidades”, acrescenta o texto entregue pelos bispos argentinos e enviado a Roma.

Igualmente importante nos debates foi o tema das celebrações, que esperam ser “mais festivas, significativas e inculturadas”, a formação de leigos e sacerdotes, a escassez de jovens nas comunidades, talvez porque não sabem “como acolhê-los” ou “os jovens não se aproximam porque não percebem o acolhimento que esperam” e, finalmente, a espiritualidade sinodal, “transversal a todas as anteriores”, entendida como o espírito que encoraja à renovação e a fazer mudanças para se “viver uma Igreja mais parecida com a proposta de Jesus”.

Mas se há também um elemento transversal que atravessa o documento de síntese, é, diríamos, o espanto pela descoberta da sinodalidade, algo que muitos não conheciam nem compreendiam, mas que parece ter aberto as portas a outra forma de ser e estar na Igreja Argentina, algo que também aconteceu noutras Igrejas, e que talvez já seja a primeira conquista da convocatória sinodal do Papa Francisco. 

“Vemos a alegria de muitos por se sentirem ouvidos e acolhidos como membros plenos do Povo de Deus. Destacamos particularmente a importância de ouvir as vítimas de abuso sexual na Igreja e o pessoal docente e não docente das escolas católicas”. Mas isto, além disso, abriu os olhos para o que desejam como “uma Igreja mais companheira, que sabe colocar-se em pé de igualdade com a sociedade, mas também pede companheirismo dentro das comunidades”. “Queremos que «os padres sejam verdadeiramente irmãos» e esperamos que, cada vez mais, «a Igreja esteja onde está o povo»”.

Nesse sentido, apontam a importância de “construir um modelo institucional sinodal como paradigma eclesial de desestruturação do poder piramidal que privilegia as gestões unipessoais. Porque a única autoridade legítima na Igreja deve ser a do amor e do serviço, como fez o Senhor”.

A partir daí, vêem “que um dos principais obstáculos à sinodalidade é a cultura clerical. Desafio pendente que se reflecte em: luta e abuso de poder, estilo infantilizante de liderança, controlo e vigilância, burocratização institucional, autossuficiência autoritária, autorreferencialidade, mentalidade de superioridade, autoridade não ao serviço dos fiéis, modelo eclesial centrado sobre os sacerdotes”.

 

Acompanhar os leigos na tomada de decisões

“Não será possível desfazer este modelo eclesial se os seminários e ministros já ordenados não optarem real e definitivamente por converter a mentalidade para se formarem no exercício da liderança sinodal. É preciso «promover e acompanhar os leigos para que assumam um papel de liderança como povo de Deus na participação e na tomada de decisões»”, sublinha o documento de síntese.

“O clericalismo – abunda no texto –, tanto do clero como do laicado, chegou a ser descrito [nas reuniões das assembleias diocesanas] como «… uma autoridade que afasta e assusta». Como exemplo, foi dito: «quando há uma mudança de pároco numa paróquia, em vez de iniciar um processo de escuta e aprendizagem sobre a história da comunidade, ele termina ou elimina processos típicos da dinâmica comunitária»”.

Por isso, e sem querer encontrar culpados, apontam que todos são “chamados a converter o comportamento clerical, promovendo um estilo de participação e comunhão na liderança que torne os leigos não apenas obedientes às disposições, mas verdadeiros actores e protagonistas da evangelização”. Valorizam particularmente a liderança “das mulheres na Igreja, os espaços que ocupam, o seu lugar nas tomadas de decisão”.

 

“Tensões não resolvidas”

Mas, para este caminho sinodal, encontram “tensões não resolvidas” que o atrapalham e, nesse sentido, entristece-os “que em algumas comunidades se fale de violência institucional, violência de género, abuso de poder, abuso sexual, como males da sociedade que também atingem a Igreja”.

“Encontramos pessoas com baixa autoestima, espaços que são supercontrolados e fiscalizados pelas mesmas autoridades que estão no poder há anos e que não permitem que sejam substituídas, acreditando que sabem de tudo. Isso impede-nos de sermos activos e criarmos espaços para repensarmos os paradigmas da missão”, observam.

 

Abertura aos LGTBI, divorciados, idosos, presos...

Da mesma forma, sentem que as “transformações culturais e sociais” desafiam urgentemente a missão da Igreja no meio da sociedade argentina, para a qual “a Igreja deve abrir-se ainda mais à diversidade, tanto na escuta como na acção pastoral”.

“Ouvimos pessoas da comunidade LGBTQI+ a perguntarem: «Deus deixou de me amar porque tenho esta condição? Não posso fazer parte da Igreja porque sou diferente? Jesus Cristo não me inclui no grupo pelo qual dá a Sua vida?». Reconhecemos que também precisamos de crescer na inclusão de outros grupos como os divorciados numa nova união, jovens marginalizados, pessoas privadas de liberdade, aqueles que não participam ou não demonstram interesse, os idosos, as pessoas a favor do aborto, os toxicodependentes e as suas famílias e em geral os que vivem e/ou pensam de forma diferente”.

Perante toda esta situação, e depois de terem experimentado esta experiência sinodal, o documento conclui com um desejo: “Sonhamos com uma Igreja mais sinodal, mais missionária, que possa resolver a falta de escuta e participação, caminhando juntos. Ao envolver as pessoas, a experiência sinodal é uma alegria em si mesma. Requer uma conversão espiritual, intelectual e pastoral, porque a santidade é o horizonte da sinodalidade”.

Artigo de J. Lorenzo, publicado em Religión Digital a 23 de Agosto de 2022.