Arquidiocese de Braga -

19 outubro 2023

11370 km e uma pedra no sapato

Fotografia Salama!

Pe. Jorge Vilaça

Pe. Jorge Vilaça, sacerdote

\n

1. O título traduz a distância física, por via terrestre, entre Braga e Santa Cecília de Ocua, Paróquia situada na Província de Cabo Delgado, Diocese de Pemba, Moçambique. Corria o ano de 2014, no dia 27 de outubro, quando a Diocese de Pemba estabeleceu um protocolo de cooperação missionária, por 10 anos, com a Diocese de Braga. O objetivo era claro: criar pontes entre as dioceses, enriquecendo-se mutuamente. Recordemos, como curiosidade, que o território da Diocese de Pemba é 29 vezes maior do que o da Diocese de Braga. Quer dizer que aquela Diocese – somente uma Diocese - corresponde à totalidade do território português.
Entretanto a Diocese de Braga assumiu o trabalho pastoral permanente da Paróquia de Santa Cecília de Ocua, territorialmente correspondente a 100km de extensão e a um não quantificável número de cristãos, organizados em 96 comunidades. Por lá têm permanecido estavelmente leigos e sacerdotes diocesanos. Mesmo no meio de um devastador conflito que assolou aquele território moçambicano – que ainda não terminou, que espalha um clima de medo e que já provocou 2 milhões de deslocados - os cristãos de Braga fazem-se presentes pela partilha de meios e pela presença evangélica de pessoas que oferecem um bom pedaço da vida à primeira evangelização. Mesmo atravessados por uma pandemia, o sinal profético da nossa presença não se apagou.

2. Quase 10 anos passados e tendo como pressuposto a renovação do acordo entre as dioceses – facto que está já em avançada construção - este é o meu breve balanço pessoal: valeu e vale a pena. É certo que seria fácil reduzir o acordo às novas construções levantadas, aos números dos euros enviados, aos números de bebés alimentados, aos números de meninas que puderam estudar, aos cursos de catequistas e de animadores de comunidades... Mas não seria por isso que, para mim, teria valido a pena. A Paróquia de Santa Cecília de Ocua têm sido uma pedra no sapato e, em alguns casos, uma pedra de tropeço para a Igreja que está em Braga. Porque nos obriga a olhar mais longe; porque nos espicaça na tentação do acomodamento; porque nos impele a mexer na ferida da responsabilidade evangelizadora; porque nos força a devolver aos pobres o que é deles por justiça.

3. Todos aqueles que fizeram a experiência concreta de Ocua sabem que ficou para sempre uma pedra no sapato na experiência de fé e na experiência das coisas práticas. Não se usa a água da mesma forma “depois de Ocua” nem se lê o Cristo da fé da mesma forma. Ainda não conseguimos criar na Diocese de Braga – como noutras dioceses pelo mundo – um espaço para que os missionários “metabolizem” Ocua. Regressar a “casa” depois de Ocua é como fazer 11370 km com uma pedra no sapato.

4. Neste mês que a Igreja chama das “missões”, sintamos Ocua como uma pedra no sapato. E, já agora, permitam-me o pedido: a Paróquia de Santa Cecília de Ocua precisa de um vasto conjunto de alfaias litúrgicas (cálices, píxides, galhetas...). Quando passamos pelas nossas Paróquias da Diocese de Braga sempre encontramos alfaias em duplicado, triplicado, quadruplicado. Que bom seria sentirmos que o que nos sobra falta a alguém. Do coração ardente aos pés que se mexem podem ir uns centímetros ou milhares de quilómetros.

Artigo publicado no Suplemento Igreja Viva de 19 de outubro de 2023.


Download de Ficheiros

IV_2023_10_19-net.pdf