Arquidiocese de Braga -
26 setembro 2022
Cardeal Grech sobre a elaboração da primeira síntese sinodal global – e o que está reservado para a segunda fase
DACS com America
O cardeal Grech deu esta entrevista antes de deixar Roma e ir para Frascati, onde, juntamente com 35 pessoas, irá estudar e analisar o "feedback" da primeira fase, também conhecida como fase de consulta, do processo sinodal.
Embora a primeira fase do Sínodo sobre a Sinodalidade de dois anos da Igreja Católica, convocado pelo Papa Francisco, tenha terminado apenas em meados de Agosto, “já podemos ver os frutos do processo sinodal”, disse o cardeal Mario Grech, Secretário Geral do sínodo, ao correspondente da America, Gerard O’Connell, numa entrevista exclusiva para o podcast “Inside The Vatican”.
O cardeal Grech deu esta entrevista antes de deixar Roma e ir para Frascati, durante duas semanas a partir de hoje, 21 de Setembro, com uma equipa de 35 pessoas “convocadas de todos os continentes” para estudar e analisar o feedback da primeira fase, também conhecida como fase de consulta, do processo sinodal.
Na entrevista, Grech falou sobre o que já foi alcançado neste processo e as suas esperanças tanto para a segunda fase do sínodo – as “assembleias continentais” que irão decorrer de Janeiro a Março de 2023 – como para a terceira fase, a “assembleia de bispos” que será realizada no Vaticano em Outubro de 2023.
Também falou sobre o papel que o seu Secretariado desempenha no processo sinodal e as mudanças substanciais introduzidas pelo Papa Francisco em relação ao objectivo e ao trabalho desse Secretariado, incluindo a mudança de nome de Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos para, simplesmente, Secretaria Geral do Sínodo.
Um Sínodo sem fim
Tendo em conta que nos encontramos na véspera do segundo aniversário da sua sucessão ao cardeal Lorenzo Baldisseri como Secretário Geral, concretizada a 15 de Setembro de 2020, comecei por pedir-lhe que descrevesse a situação na Secretaria quando a assumiu. Ele respondeu primeiro prestando homenagem ao seu “antecessor e à sua equipa”, dizendo que, graças ao seu trabalho, o Papa Francisco conseguiu promulgar a Constituição Apostólica Episcopalis Communio, a 15 de Setembro de 2018, o 53º aniversário da instituição do Sínodo dos Bispos pelo Papa Paulo VI.
Sublinhou que a constituição é de fundamental importância para explicar “a natureza do sínodo e o mandato do nosso secretariado” e disse: “Não é uma carta morta, e é nosso dever continuar, com a ajuda do Santo Padre, a interpretar e colocar em prática este documento”. Além disso, disse, “é graças à Episcopalis Communio se hoje vemos que o Sínodo não é um evento celebrado a cada três anos, mas é um processo: um processo que tem um começo, mas, acredite, não acho que vá ter um fim, mesmo o presente sínodo que estamos a celebrar”.
Quando assumiu o serviço de Secretário Geral, a Secretaria contava com 14 funcionários, mas desde então esse número foi reduzido para 12 porque dois aposentaram-se. Para lidar com uma carga de trabalho crescente, o cardeal criou uma “equipa de coordenação” de “pessoas que não estão no gabinete, mas estão sempre de plantão e reúnem-se para discutir a divisão e a implementação da Episcopalis Communio”. Também criou quatro comissões: “a Comissão Teológica, porque precisamos de um sólido apoio teológico; a Comissão Espiritual, porque a sinodalidade é antes de tudo uma experiência espiritual; a Comissão Metodológica, porque precisamos de um método; e a Comissão das Comunicações”. Nestas quatro comissões, “há cerca de 80 pessoas, vindas de diferentes nações e continentes, a trabalhar nos seus próprios países”. Há um intercâmbio permanente entre eles e a Secretaria e, através deles, “o que é discutido ou planeado no escritório central volta para as Igrejas particulares [isto é, dioceses] ou Conferências Episcopais”.
Um sínodo não só para bispos
O cardeal Grech sublinhou que “o Papa é o líder do nosso secretariado, respondemos-lhe directamente, e é por isso que sou chamado de Secretário Geral”. Observei que ele foi originalmente referido como Secretário Geral do Sínodo dos Bispos, mas, na nova constituição do Papa para a Cúria Romana, que entrou em vigor a 5 de Junho, o termo “bispos” parece ter desaparecido do seu título e da Secretaria. Pedindo-lhe para explicar o significado disto, o cardeal disse: “A palavra «bispos» desapareceu do título, mas eles ainda são um parceiro importante no processo”. Disse que o motivo da mudança é que “este sínodo específico que estamos a celebrar, que foi inaugurado em Outubro de 2021 e terá uma fase importante, a Assembleia para os Bispos, em Outubro de 2023, não é exactamente um sínodo para bispos, mas é um sínodo para toda a Igreja”.
Como tal, afirmou, “a primeira fase, que acabamos de concluir em meados de Agosto, costumava ser chamada de «fase preparatória», mas não é uma fase preparatória [para uma reunião de bispos], faz parte este processo sinodal”. Da mesma forma, o processo de discernimento “não se limita à assembleia para os bispos, que costumava ser chamada de Sínodo dos Bispos. Não, este discernimento partiu das Igrejas particulares onde todo o povo de Deus, todos os baptizados, foram convidados a contribuir. Além disso, porque a Igreja não tem limites, também quem não é baptizado, mas tem boa vontade, pode ser ouvido”.
Referindo-se à dimensão inter-religiosa do Sínodo, revelou que uma Conferência Episcopal, na sua síntese que foi submetida ao Vaticano, relatou que no seu país têm “uma grande comunidade de muçulmanos, mas um grupo deles autodenomina-se «Cristo»” e assim a Conferência convidou-os a participar. O cardeal Grech observou: “Eles admiram tanto Jesus que, embora sejam muçulmanos, têm esse interesse em Jesus, então o que nos impede de os ouvir também?”.
Um discernimento, não uma síntese
“Esta primeira fase é [composta por] uma consulta e um discernimento”, disse o cardeal maltês. Explicou: “O bispo local responsável pela comunidade tem esta tarefa: ouvir a todos, depois fazer um discernimento eclesial e depois transmitir as conclusões à Conferência Episcopal. Lá, os bispos em conjunto são convidados a fazer um novo discernimento”, e então têm “os resultados desta fase de consulta”.
Afirmou que prefere chamar os resultados desta primeira fase de “um discernimento” em vez de uma síntese, “porque uma síntese não é um conceito teológico tampouco se realiza com critérios sociológicos”.
O cardeal Grech saudou o feedback da primeira fase como “histórico”, porque “111 das 114 Conferências Episcopais já enviaram os resultados da consulta à Secretaria”. Observou que “nos sínodos anteriores não havia essa alta percentagem de contribuição”. Conflitos ou turbulências nos seus países impediram que as outras três Conferências enviassem respostas, afirmou.
“Considerando que esta é a primeira vez que realizamos esta ampla consulta, os resultados são muito positivos”, disse. “Não estamos atrás de números. Mas o que é realmente interessante é a forma como, se não todos, pelo menos a maioria redigiu este relatório. Isso mostra que levaram o processo muito a sério. Realmente tentaram envolver não apenas eles mesmos, mas também as comunidades. Acho que um dia, quando olharem para trás, gostariam de ter tido mais tempo para poder incluir outros”, disse o cardeal.
“Houve casos em que havia bispos e comunidades que tinham dúvidas ou pediam mais explicações, então demoraram mais tempo a começar. Mais uma vez, isso foi um factor negativo, porque viram-se sem tempo”, disse. Grech acrescentou que as limitações de tempo, juntamente com a pandemia e outras preocupações, levaram alguns bispos a solicitar uma prorrogação da fase de consulta, que estava originalmente prevista para terminar em Abril de 2022. Com a aprovação do Papa Francisco, foi estendida até Agosto.
O cardeal Grech também disse que ficou impressionado com os resultados de lugares onde a comunicação é difícil. “Um dos membros do conselho sinodal é de África e, quando tivemos a última reunião, ele disse-nos que tinha precisado de comprar um gerador porque era uma reunião online”, observou o cardeal. “Isto diz muito. Mesmo assim, conseguiram alcançar um bom número de pessoas”.
O cardeal está particularmente impressionado com o “entusiasmo” dos participantes africanos e “a maneira como eles falam sobre esta experiência. Falam com paixão, com entusiasmo. Gostariam de continuar. Quer dizer, embora formalmente essa primeira fase tenha sido concluída em meados de Agosto, isso não significa que o processo iniciado em Outubro de 2021 tenha parado. E isso é algo que as pessoas estão a pedir também; há esta reivindicação do povo de Deus. Eles estão a dizer: «Ouçam, tem sido uma experiência eclesial muito interessante, nós gostaríamos de prosseguir, ir adiante»”.
Em Frascati, a elaborar a primeira síntese global
A próxima tarefa do secretariado de Grech é analisar os relatórios que chegam de todo o mundo. O cardeal revelou que, para o fazer, ele e “um grupo de 35 pessoas” estão a caminho de Frascati, uma cidade a cerca de uma hora de carro a sudeste de Roma, pelas próximas duas semanas.
“Vamos reunir-nos numa casa em Frascati para ler todos esses relatórios e fazer um discernimento sinodal para que possamos redigir o primeiro documento que depois irá para a fase continental”, disse o cardeal. Sublinhou que é a primeira vez que realizam este tipo de discernimento comunitário. “Antigamente, a síntese era feita por uma ou duas pessoas no máximo, mas nós tivemos esta nova iniciativa”.
O grupo dos 35 é “uma mistura” de religiosos e leigos, homens e mulheres, com apenas dois bispos, “vindos de diferentes continentes, porque acredito que uma coisa é ler o texto com a lente de um europeu e outra coisa é ler o mesmo texto do ponto de vista de um africano, asiático ou latino-americano. Então, estaremos juntos durante duas semanas e espero que, com a ajuda do Espírito Santo, consigamos fazer um relatório”. Afirmou que a equipa irá redigir o relatório e “nos últimos dois dias da reunião, os [aproximadamente 15] membros do conselho sinodal irão juntar-se”. O conselho sinodal é um grupo de bispos eleitos durante o último sínodo ordinário, que neste caso foi o Sínodo dos Jovens de 2018.
“Circularidade” de escuta e discernimento
O conselho irá então aprovar o documento, que será enviado ao Papa Francisco para a sua aprovação antes da publicação do texto. Depois disso, disse o cardeal, o documento será enviado a todos os bispos diocesanos. “Convidamos cada bispo a convocar a sua Igreja e, em particular, os seus órgãos consultivos, a saber, o conselho presbiteral, o conselho pastoral diocesano, a equipa sinodal da sua diocese a ler este documento”, disse o cardeal. Deu duas razões para isso: “Primeiro de tudo, para ver se a sua Igreja está presente, para ver se o documento reflecte a sua Igreja”, e segundo, “para que cada Igreja local possa estar ciente [do] que outras Igrejas estão a dizer”.
Explicando o raciocínio por trás desse processo, o cardeal disse: “Até aqui estamos a tentar colocar em prática este conceito de circularidade” ou feedback, para sublinhar que “este não é um documento vindo de Roma; é o documento vindo das Igrejas particulares”.
Descreveu isso como “uma segunda escuta, mas não uma nova”. Depois disso, cada bispo irá comunicar à sua Conferência Episcopal se a sua Igreja local aprova o documento ou tem coisas a acrescentar. Estes serão então enviados da Conferência dos bispos para as assembleias sinodais continentais.
O cardeal Grech disse que espera que “até o final de Outubro o documento seja publicado” e que possa “comunicá-lo a todos os bispos”. Dessa forma, os bispos terão alguns meses para estudá-lo e discuti-lo antes de participarem nas assembleias continentais, nos primeiros três meses de 2023.
[A Parte II explica as assembleias continentais em maior profundidade.]
Artigo de Gerard O’ Connell, publicado em America a 21 de Setembro de 2022.
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