Arquidiocese de Braga -

20 setembro 2022

Afro-brasileiros dizem que a raça precisa de ser abordada pelo Papa na Economia de Francisco

Fotografia Silvia Izquierdo/AP

DACS com Crux

“O Papa Francisco tem uma voz profética. Ao demonstrar compromisso com a luta do povo afro-brasileiro, certamente terá impacto nas instituições, governo e sociedade.”

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A delegação brasileira para o Encontro Internacional da Economia de Francisco em Assis, de 22 a 24 de Setembro, irá contar com um grupo de activistas negros cujo objectivo é sublinhar a importância de debater questões raciais associadas a potenciais transformações económicas.

Vinculados à Educafro, Organização Não Governamental (ONG) que trabalha pela inclusão de afro-brasileiros no ensino superior, os delegados irão entregar uma carta ao Papa Francisco sobre as dificuldades que os negros enfrentam no Brasil, pedindo-lhe que tome medidas para lidar com a situação.

“O Papa Francisco tem uma voz profética. Ao demonstrar compromisso com a luta do povo afro-brasileiro, certamente terá impacto nas instituições, governo e sociedade”, explicou o padre franciscano David Santos, fundador da Educafro.

O documento lembra que todas as economias latino-americanas se basearam na mão-de-obra africana durante séculos na época colonial e que a Igreja fez parte desse processo, já que a maioria das congregações religiosas no Brasil e em outros lugares possuíam plantações de escravos.

Desde a abolição da escravatura em 1888, continua a carta, os negros tornaram-se mão-de-obra barata e a disparidade económica em relação aos brancos é significativa.

“Infelizmente, a igreja brasileira não mudou muito desde os tempos coloniais na forma como trata os afro-brasileiros. É uma instituição eminentemente racista e precisa de ser ajudada para assumir uma postura mais responsável em relação aos negros”, disse Santos.

A carta ao pontífice aponta que as escolas católicas, que são as mais numerosas entre as escolas particulares do Brasil, têm uma baixa proporção de alunos negros: não mais de 5% – enquanto os negros representam 56,2% da população. O padre disse que isto é algo que reforça a ideia de que “a Igreja é uma das principais forças por trás do racismo sistémico” na nação sul-americana.

A Educafro irá pedir ao Papa Francisco que chame a atenção de todos os bispos e cardeais do Brasil para a importância de tomarem medidas de reparação, incluindo garantir que pelo menos 30% dos alunos em todas as escolas e universidades católicas sejam negros.

A ONG também irá solicitar ao Papa que ajude a igreja brasileira a “reflectir e a converter-se, revendo práticas seculares que levaram ao racismo sistémico”, como a tradição de enviar a maioria dos padres negros para paróquias pobres e nomear poucos bispos negros.

A organização também irá pedir ao Papa que envie uma carta a todos os candidatos presidenciais brasileiros – as eleições ocorrem a 2 de Outubro – solicitando que incluam nas suas plataformas políticas políticas afirmativas contra o racismo e a pobreza, e para prevenir a perseguição, a violência e o assassínio de políticos negros no país.

A carta destaca os casos de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro morta a tiro em 2018, e Renato Freitas, vereador de Curitiba cujo mandato foi terminado em Agosto.

No início deste ano, Freitas participou numa manifestação contra o racismo que acabou dentro de uma igreja em Curitiba. Originalmente construída por escravos e africanos livres que faziam parte de uma fraternidade negra católica, a igreja é um tradicional local de encontro de activistas afro-brasileiros na cidade.

O protesto dentro da igreja logo após uma missa provocou críticas em todo o país. A Arquidiocese de Curitiba divulgou inicialmente um comunicado a repudiar a manifestação. Mas depois de o caso ter levado a um processo de “impeachment” contra Freitas, a Igreja ficou do lado dele, pedindo aos seus colegas que não revogassem o seu mandato. No fim, foi afastado do cargo.

Com o mandato perdido e impedido de concorrer, Freitas é um dos integrantes da delegação brasileira para o evento Economia de Francesco.

“Não há proactividade da Igreja no enfrentar do racismo sistémico, e o caso de Freitas é um bom exemplo disso”, disse Samuel Emílio, activista negro e ex-coordenador da Educafro.

“Esperávamos que a Igreja mobilizasse muito a sociedade para reagir à perseguição política contra Freitas, mas isso nunca aconteceu”, acrescentou.

Emílio lembrou que o debate sobre questões raciais é secundário na programação do evento Economia de Francisco.

“Essas questões devem ser promovidas pela Igreja com prioridade. Precisamos de mais coragem da Igreja para combater a desigualdade racial”, disse.

Dione de Assis, formada em Direito com bolsa da Educafro e especialista em Economia, disse que a construção de uma economia mais inclusiva depende do debate das questões raciais.

“As pessoas de outros países que irão participar no evento parecem estar mais focadas nas questões ambientais e de género. Acho que nos cabe a nós, do Brasil, dar ênfase ao tema racial para propor uma nova economia realmente transformadora”, disse Assis ao Crux.

Explicou que este é um bom momento para discutir uma economia mais humana, já que “a maioria das empresas está a reflectir e a implementar políticas socialmente responsáveis ​​como parte da agenda ESG (Environmental, Social and Governance)”.

“No sector privado, as questões raciais têm avançado como parte do movimento ESG. Queremos reflectir colectivamente sobre estes assuntos no evento e depois trazer esse conhecimento para a igreja brasileira, pensando em formas de incentivar nesse sentido”, afirmou.

Santos disse que este é o tempo de uma mudança na Igreja.

“A Igreja precisa de mudar a sua mentalidade e respeitar os católicos afro-brasileiros antes que todos eles decidam migrar para igrejas evangélicas, onde se sentem mais à vontade e vêem a possibilidade de se tornarem líderes”, disse o padre.

Artigo de Eduardo Campos Lima, publicado no Crux a 20 de Setembro de 2022.