Arquidiocese de Braga -
20 setembro 2022
Afro-brasileiros dizem que a raça precisa de ser abordada pelo Papa na Economia de Francisco
DACS com Crux
“O Papa Francisco tem uma voz profética. Ao demonstrar compromisso com a luta do povo afro-brasileiro, certamente terá impacto nas instituições, governo e sociedade.”
Vinculados à Educafro, Organização Não Governamental (ONG) que trabalha pela inclusão de afro-brasileiros no ensino superior, os delegados irão entregar uma carta ao Papa Francisco sobre as dificuldades que os negros enfrentam no Brasil, pedindo-lhe que tome medidas para lidar com a situação.
“O Papa Francisco tem uma voz profética. Ao demonstrar compromisso com a luta do povo afro-brasileiro, certamente terá impacto nas instituições, governo e sociedade”, explicou o padre franciscano David Santos, fundador da Educafro.
O documento lembra que todas as economias latino-americanas se basearam na mão-de-obra africana durante séculos na época colonial e que a Igreja fez parte desse processo, já que a maioria das congregações religiosas no Brasil e em outros lugares possuíam plantações de escravos.
Desde a abolição da escravatura em 1888, continua a carta, os negros tornaram-se mão-de-obra barata e a disparidade económica em relação aos brancos é significativa.
“Infelizmente, a igreja brasileira não mudou muito desde os tempos coloniais na forma como trata os afro-brasileiros. É uma instituição eminentemente racista e precisa de ser ajudada para assumir uma postura mais responsável em relação aos negros”, disse Santos.
A carta ao pontífice aponta que as escolas católicas, que são as mais numerosas entre as escolas particulares do Brasil, têm uma baixa proporção de alunos negros: não mais de 5% – enquanto os negros representam 56,2% da população. O padre disse que isto é algo que reforça a ideia de que “a Igreja é uma das principais forças por trás do racismo sistémico” na nação sul-americana.
A Educafro irá pedir ao Papa Francisco que chame a atenção de todos os bispos e cardeais do Brasil para a importância de tomarem medidas de reparação, incluindo garantir que pelo menos 30% dos alunos em todas as escolas e universidades católicas sejam negros.
A ONG também irá solicitar ao Papa que ajude a igreja brasileira a “reflectir e a converter-se, revendo práticas seculares que levaram ao racismo sistémico”, como a tradição de enviar a maioria dos padres negros para paróquias pobres e nomear poucos bispos negros.
A organização também irá pedir ao Papa que envie uma carta a todos os candidatos presidenciais brasileiros – as eleições ocorrem a 2 de Outubro – solicitando que incluam nas suas plataformas políticas políticas afirmativas contra o racismo e a pobreza, e para prevenir a perseguição, a violência e o assassínio de políticos negros no país.
A carta destaca os casos de Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro morta a tiro em 2018, e Renato Freitas, vereador de Curitiba cujo mandato foi terminado em Agosto.
No início deste ano, Freitas participou numa manifestação contra o racismo que acabou dentro de uma igreja em Curitiba. Originalmente construída por escravos e africanos livres que faziam parte de uma fraternidade negra católica, a igreja é um tradicional local de encontro de activistas afro-brasileiros na cidade.
O protesto dentro da igreja logo após uma missa provocou críticas em todo o país. A Arquidiocese de Curitiba divulgou inicialmente um comunicado a repudiar a manifestação. Mas depois de o caso ter levado a um processo de “impeachment” contra Freitas, a Igreja ficou do lado dele, pedindo aos seus colegas que não revogassem o seu mandato. No fim, foi afastado do cargo.
Com o mandato perdido e impedido de concorrer, Freitas é um dos integrantes da delegação brasileira para o evento Economia de Francesco.
“Não há proactividade da Igreja no enfrentar do racismo sistémico, e o caso de Freitas é um bom exemplo disso”, disse Samuel Emílio, activista negro e ex-coordenador da Educafro.
“Esperávamos que a Igreja mobilizasse muito a sociedade para reagir à perseguição política contra Freitas, mas isso nunca aconteceu”, acrescentou.
Emílio lembrou que o debate sobre questões raciais é secundário na programação do evento Economia de Francisco.
“Essas questões devem ser promovidas pela Igreja com prioridade. Precisamos de mais coragem da Igreja para combater a desigualdade racial”, disse.
Dione de Assis, formada em Direito com bolsa da Educafro e especialista em Economia, disse que a construção de uma economia mais inclusiva depende do debate das questões raciais.
“As pessoas de outros países que irão participar no evento parecem estar mais focadas nas questões ambientais e de género. Acho que nos cabe a nós, do Brasil, dar ênfase ao tema racial para propor uma nova economia realmente transformadora”, disse Assis ao Crux.
Explicou que este é um bom momento para discutir uma economia mais humana, já que “a maioria das empresas está a reflectir e a implementar políticas socialmente responsáveis como parte da agenda ESG (Environmental, Social and Governance)”.
“No sector privado, as questões raciais têm avançado como parte do movimento ESG. Queremos reflectir colectivamente sobre estes assuntos no evento e depois trazer esse conhecimento para a igreja brasileira, pensando em formas de incentivar nesse sentido”, afirmou.
Santos disse que este é o tempo de uma mudança na Igreja.
“A Igreja precisa de mudar a sua mentalidade e respeitar os católicos afro-brasileiros antes que todos eles decidam migrar para igrejas evangélicas, onde se sentem mais à vontade e vêem a possibilidade de se tornarem líderes”, disse o padre.
Artigo de Eduardo Campos Lima, publicado no Crux a 20 de Setembro de 2022.
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