Arquidiocese de Braga -

15 julho 2022

O dia em que o nosso filho nos disse: “Quero ser padre”

Fotografia DR

DACS com Omnes

Em 2020 (últimos dados oferecidos pela CEE), em Espanha, 125 padres foram ordenados. 125 histórias de homens que se entregam a Deus para sempre... e 125 famílias em que pais, mães, irmãos, amigos, também fazem parte da jornada. Como é que as famílias vive

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María Luisa, Manuel, María José, Antonio, Julia… são estas mães e pais que viram como Deus se fez corpo e sangue através das palavras ditas pelos seus filhos na Consagração da Santa Missa. Famílias normais e diversas, do meio rural e urbano, com histórias muito diferentes, com mais ou menos filhos, com vida mais ou menos eclesial... Mas unidas pelo chamamento ao qual seus filhos responderam e no qual participam.

 

Unidos no altar

Manuel e María José têm dois filhos. Um deles, Antonio Jesús, é sacerdote na diocese de Cádiz e Ceuta. No caso deles, há uma peculiaridade: Manuel é diácono permanente, partilha parte do ministério com o filho, algo que vive com muita alegria.

A sua história de vocação está ligada a uma data: aquele 24 de Junho em que “depois da Eucaristia em que toda a família participou, fomos apresentados pelo nosso pároco àquele que era o nosso bispo, D. Ceballos, para solicitar a admissão no seminário para Antonio Jesús e a admissão para iniciar o caminho diaconal para mim”.

Manuel e Antonio Jesús encontram-se como pai e filho físicos, mas também espirituais, sobretudo naquelas celebrações em que o diácono permanente ajuda o sacerdote.

“O dia da sua Primeira Missa”, recorda Manuel, “foi um momento cheio de significados e sentimentos. Como diácono, pedi a sua bênção antes de ler o Evangelho, conforme estabelecido pelas normas litúrgicas: «Pai, abençoa-me», ao meu filho. Um momento que jamais esquecerei e que cada vez que celebramos a Eucaristia se repete e adquire o mesmo valor”.

 

Quando Deus pede 100% dos filhos

A família Navarro Carmona, de Córdoba, tem dois filhos, ambos sacerdotes diocesanos. A entrada no seminário de Antonio, o mais velho, não os apanhou de surpresa: “vimos o seu processo e vimo-lo ansioso para avançar no seu caminho; e o caminho não foi fácil, diríamos que foi muito difícil. No entanto, ele viu o lado positivo, reafirmou-se e a sua vocação cresceu diante dos contratempos”.

A decisão de Juan Carlos, porém, custou um pouco mais: “achávamos que ele poderia dedicar-se a outra coisa. Oferecemos-lhe várias opções. Lembro-me”, recorda a sua mãe, Júlia, “que mencionamos a vocação de médico, curando, salvando vidas... quando terminamos de conversar, ele disse-nos: «vocês querem que eu siga essa carreira? Eu sigo. E depois continuarei com o que gosto: quero dedicar-me a curar almas e a salvá-las». Empolgados, respondemos: a tua vocação é forte, vai em frente”. O marido, Antonio, sublinha que a ligação do segundo filho parecia, de facto, “demasiado para a família”.

Apesar de tudo, não se opuseram violentamente ao chamamento dos filhos: “Acreditamos na liberdade e no direito dos filhos escolherem a vida. Não concordamos com nenhuma imposição, os pais não têm o direito de negar a decisão de Deus”.

Talvez por este compromisso com a liberdade e a responsabilidade pessoal dos jovens, quando questionados sobre o que dizer àqueles que se opõem à entrada dos seus filhos no seminário, Antonio e Julia são claros: “O nosso conselho é ouvirem os vossos filhos”.

Com um futuro promissor como arquitecto, a entrada de Antonio Jesús no seminário foi acompanhada de várias incompreensões. Como recorda o seu pai, “na família houve certos comentários, perguntaram-nos porque o deixamos entrar no seminário tendo em conta o que valia… depois de ser padre, a maior parte da família está feliz. No seu centro de estudos, um colega, professor dele, disse-me que lamentava que o tivéssemos deixado ir para o seminário com o valor académico que ele tinha”.

Reacções normais naqueles que não partilham ou não entendem a importância do chamamento, e a quem estes pais responderam com uma clara analogia: "Quantos pais, mesmo discordando da opção dos seus filhos, os defendem dizendo: «se é feliz, isso é o importante». Bem, da mesma forma podem responder: não é só que ele é feliz, mas, com a sua dedicação e testemunho, pode fazer muita gente feliz”.

Há também desentendimentos mais ternos, recorda o casal que vive em Cádiz, como a reacção da senhora que cuidou dele desde criança enquanto os seus pais trabalhavam. Quando lhe contou a sua decisão de entrar no Seminário porque sentiu o chamamento, perguntou-lhe: “Antonio, meu querido, mas diz-me, quem é que te chama?”.

 

Um exército de orações

Numa carta dirigida às mães dos sacerdotes quando era Prefeito da Congregação para o Clero, o Cardeal Mauro Picenza destacou que “cada mãe de um sacerdote é misteriosamente «filha do seu filho». Ela também poderá exercer uma nova «maternidade» em relação a ele, na proximidade discreta, mas altamente eficaz e inestimável da oração e na oferta da própria existência pelo ministério do seu filho. São um verdadeiro «exército» que, da terra, eleva orações e oferendas ao Céu e que, ainda mais numeroso, intercede do Céu para que toda a graça seja derramada sobre a vida dos sagrados pastores”. Palavras que bem poderiam ser aplicadas ao grupo de mães de sacerdotes que, todos os meses em Madrid, se reúnem para rezar pelas vocações sacerdotais.

Uma iniciativa de Maria Luisa Bermejo, nascida da ordenação de seu filho Yago, da Prelazia do Opus Dei. Naquela altura, María Luisa entrou em contacto com outras mães de sacerdotes e iniciaram um grupo de oração pelas vocações sacerdotais: “Falei com uma amiga minha que tem um filho que é sacerdote diocesano. Junto+as pensamos que poderíamos fazer «algo mais» pelos sacerdotes e surgiu a ideia de nos encontrarmos um dia para rezar o Terço pelas vocações sacerdotais. Partilhamos esta ideia com alguns seminaristas diocesanos que nos colocaram em contacto com as suas mães e a coisa começou”. Os encontros foram crescendo com novos acréscimos.

“Conversamos com um padre que sugeriu que nos encontrássemos numa igreja para podermos rezar melhor. Depois, o reitor da igreja do Espírito Santo em Madrid, D. Javier Cremades, deu-nos tudo o que estava ao seu alcance. Não apenas nos permitiu ir uma vez por mês para rezar o Rosário, mas também começou a rezar uma missa por nós e a guiar-nos num momento de oração”.

Este pequeno grupo de mães de sacerdotes foi crescendo pouco a pouco: “Tornamo-nos quase 70 pessoas”, recorda María Luisa, que destaca que “agora somos um pouco menos, mas continuamos com este encontro. Todos os meses um filho de uma das famílias vem celebrar a Missa e conduz-nos na oração. Não só rezamos pelos sacerdotes, mas também criamos uma impressionante rede de amizade entre nós”.

Estas mães de padres decidiram nomear as suas orações: “tivemos a ideia de fazer uma espécie de «amiga invisível de oração», escrevemos os nomes dos padres e da sua mãe em alguns papéis, cada um tira um ou dois – não pode é ser o seu filho – e promete rezar todos os dias por aqueles padres. Tenho dois, espectaculares”, conclui.

Estes pais e mães rezam pelos seus filhos, “com a gratidão de que a sua oração litúrgica é uma oração a «duas vozes»”, como assinala Manuel, mas também elevam as suas orações por aqueles que têm dificuldade no seu ambiente para responder ao chamamento de Deus, pela sua fidelidade, pela sua perseverança.

 

Medos e alegrias

Numa sociedade em que a figura do padre está, mais do que nunca, no centro do alvo, estes pais e mães partilham os receios de quem tem um filho com um cargo público. Como destaca Julia, “estão sempre sob os holofotes: as suas decisões, actos e factos são analisados ​​com uma lupa” e há sempre o medo de uma interpretação equivocada, ou mesmo de um julgamento público injusto... mas “as alegrias são imensas e em abundância,já que estes filhos desfrutam muito. Sabemos que eles estão lá em todos os momentos apoiando-nos com a sua oração e a sua presença”.

Maria José e Manuel exprimem-se de forma muito semelhante quando assinalam que “na sociedade de hoje, só por dizeres que és crente, tens a crítica garantida, o desprezo…. Ainda mais quando o teu filho não só mostra que é crente, mas com a sua vida e modo de vestir proclama-se sacerdote. Não é estranho ver olhares e comentários enquanto passa, mas também deve ser dito que observamos outras pessoas a aproximar-se deles e a pedir confissão, conselho, bênção…”

Mas, essa mesma manifestação traz consigo muitas anedotas de “encontros casuais” com a Igreja, como a vez em que “numa de suas viagens de Madrid – onde estudava Teologia Moral – a Cádiz, o comboio parou no meio do campo e alguns passageiros foram até ele pedindo «padre, rogai para que saiamos desta situação”.

Artigo de Maria José Atienza, publicado em Omnes a 11 de Julho de 2022.