Arquidiocese de Braga -

31 janeiro 2022

O risco de perguntar

Fotografia DR

DACS com Vida Nueva Digital

O Sínodo contém alguns riscos e pode levar a Igreja a um ponto de viragem como nunca se viu nos últimos séculos. Estamos prontos para isto?

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Reflexões iniciais

Uma parte da Igreja teme o Sínodo e ficaria feliz se fracassasse. Um pequeno mas ruidoso grupo de bispos, sacerdotes e leigos pensa que o caminho sinodal afectará profundamente a Igreja Católica a ponto de corrompê-la irreparavelmente. A sua postura pode enfurecer aqueles que vêem o caminho sinodal com esperança, mas há que admitir que não lhes falta alguma razão.

O Sínodo contém alguns riscos e pode levar a Igreja a um ponto de viragem como nunca se viu nos últimos séculos. Estamos prontos para isto? Temos a certeza de que o Sínodo nos trará mais benefícios do que danos? Até onde estamos dispostos a ir?

D. Cabrera, Arcebispo de Guayaquil e presidente da Conferência Episcopal Equatoriana, acaba de publicar um interessante documento onde resume com mestria a pedagogia do Sínodo: ouvir, discernir e decidir. Com base nisto, gostaria de destacar os principais riscos que o Sínodo implica para a Igreja e que podem afectá-la no seu modo actual de ser e proceder.

 

Ouvir o que não é questionado

Quando um grupo de pessoas está insatisfeita com a direcção que os seus líderes definiram, a resposta geralmente é desgosto ou protesto. No caso da Igreja, é mais a primeira do que a segunda. Como acontece em alguns países em que os seus cidadãos emigram para procurar condições de vida que não encontram na sua pátria, na Igreja “vota-se com os pés”. É preferível abandonar o navio a continuar a suportar recriminações absurdas, homilias insossas ou a arrogância e vaidade de algumas das suas autoridades.

Por isso, ao ouvir leigos e leigas, a hierarquia eclesiástica corre o grande risco de ouvir coisas sobre as quais não perguntou e que talvez não queira discutir. Não adianta dizer que não estão na agenda, para, por favor, concentrarem-se na questão, que não é conveniente lidar com isso agora, que os desígnios de Deus são insondáveis, ou, quem sabe, que outros mecanismos de defesa.

Se alguém perguntar sinceramente o que o povo de Deus pensa sobre fiéis e pastores caminharem juntos – e ninguém duvida da sinceridade do Sínodo – respostas não solicitadas certamente ocorrerão, e este é um risco que vale a pena correr. Deus conceda que não os rejeitemos como impertinentes, ou os rejeitemos com o argumento fácil do procedimento não observado.

 

Deixar entrar a subjectividade dos participantes

Muitas vezes usamos o termo discernimento como sinónimo de reflexão profunda ou debate racional. Mas isto não tem nada que ver com a tradição de discernimento de espíritos que os Padres do deserto começaram no século IV.

O discernimento é a busca da vontade de Deus, pondo em movimento a pessoa inteira. Essa busca supõe que Deus também fala através das emoções e paixões, não apenas nas ideias claras e distintas dos católicos esclarecidos. Ou seja, a subjectividade humana é reavaliada com discernimento, sem, é claro, atingir o anti-intelectualismo dos iluminados que nunca faltam.

O que há de estranho nisto? O problema é que a teologia e a educação eclesial e religiosa dão peso excessivo à verdade como forma de apreensão da realidade, enquanto a cultura contemporânea valoriza a experiência como a melhor forma de compreender tudo o que existe.

Obviamente, não há razão para ir a extremos. Mas se a Igreja quer realmente fazer do discernimento um momento importante no seu caminho como povo de Deus, ela deve – devemos – arriscar-se a deixar que as emoções, os sentimentos, as experiências e outros movimentos de um povo que precisa de sentir e viver, tanto ou mais do que saber ou conhecer, para seguir o caminho de Jesus.

Sempre me surpreendeu que, em momentos de oração comunitária, depois de ler uma passagem da Bíblia, geralmente nos peçam para pensar ou reflectir sobre o que Deus nos diz. Parece que partilhar sentimentos é apenas uma liberação pessoal, uma catarse, e não contribui em nada para o relacionamento com Deus. Talvez esteja a faltar algo na prática eclesial porque “na verdade, a palavra de Deus é viva, eficaz e mais afiada que uma espada de dois gumes; penetra até à divisão da alma e do corpo, das articulações e das medulas, e discerne os sentimentos e intenções do coração.” (Hebreus 4:12).

 

Deixar uma parte dos fiéis descontentes

No momento de decidir, a Igreja deve dizer sim a algumas propostas e não a outras. Isto, que parece óbvio, não é assim tão óbvio, pois a cultura institucional da Igreja tem em grande estima o universalismo: a salvação é universal, a Igreja não conhece fronteiras, a mãe abraça a todos e todas.

Teologicamente é verdade que a oferta de salvação de Jesus Cristo é para cada pessoa de cada povo e nação. Mas isto não significa que a mensagem e as exigências do Evangelho se devam diluir a tal ponto que todos concordem com elas. Jesus convida-nos a trilhar um caminho de felicidade e redenção, mas nunca abriu um supermercado para satisfazer todos os gostos e acomodar todas as opiniões existentes e futuras.

Para ser autêntico, o Sínodo deve, mais cedo ou mais tarde, resolver algumas questões teóricas e práticas que dizem respeito ao povo de Deus. Isto pode levar anos, mas sem este objectivo prático – ou deveríamos dizer reformador? Ou conciliar? – o Sínodo será apenas mais uma assembleia, e muitas pessoas estão cansadas do assembleísmo improdutivo.

No entanto, as reformas não são do agrado de todos. Haverá alguns que ficarão infelizes se a Igreja decidir romper com a inércia e administrar a mudança com sabedoria, mas é um risco necessário nestes tempos. Como diz o Mons. Luis Cabrera: “Quem faz alguma coisa pode estar errado, mas quem não faz nada já está errado”.

Quando Jesus decidiu ir da Galileia para Jerusalém, muitos dos seus seguidores abandonaram-No; quando enfrentou o poder religioso, os seus discípulos fugiram; quando a Igreja latino-americana opta pelos pobres, o catolicismo bem pensante escandaliza-se e activa a resistência. Não se sabe ao certo quais são as chaves do sucesso do Sínodo, mas a chave do seu fracasso está em querer agradar a todos.

 

Pensamentos finais

A Igreja está em risco? Sim, e em boa hora. A Igreja Católica na sua forma actual precisa de uma profunda reconfiguração que a volte a ligar aos seus fundamentos e a aligeire dos arabescos que lhe atribuímos ao longo dos anos. Mas, ao contrário do que alguns temem, o Sínodo pode purificá-la, não corrompê-la. Claro, é uma aposta de alto risco, que pode parecer muito custosa a alguns, embora saibamos em quem confiamos. O que parece impossível para os homens é possível para Deus.

 

Artigo de Fernando Ponce León, SJ, publicado em Vida Nueva Digital a 31 de Janeiro de 2022.