Arquidiocese de Braga -

22 julho 2021

“Igreja sã em corpo são”

Fotografia Vida Nueva Digital

DACS com Vida Nueva Digital

Durante a pandemia, o desporto tem sido uma ocasião para valorizar o equilíbrio do corpo, assim como tem sido um caminho de busca interior.

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No auge da expansão da oferta de ginásios e outros centros desportivos, e depois de um ano em que se multiplicaram os confinamentos e as propostas de bem-estar, o adágio do poeta romano Juvenal “Mens sana in corpore sano” ganhou um sentido renovado para muitos.

A frase completa, que está na décima Sátira, é justamente um convite para elevar a oração, entende-se que aos deuses romanos, para que nos concedam uma mente sã dentro de um corpo são – e, continua o poema – pedindo uma alma forte, sem medo da morte.

Dualismos à parte, para muitos, o tempo de pandemia tem sido uma ocasião para valorizar o equilíbrio do corpo e até mesmo um caminho de busca interior. A mesma frase, entendida como “um corpo são torna possível uma mente mais saudável”, inspirou em parte a criação dos Jogos Olímpicos modernos do Barão Pierre de Coubertin.

O desporto pode ser mais do que um exercício físico de autorrealização. É o que demonstra a atleta queniana Tegla Loroupe. Esta maratonista premiada – bateu o recorde mundial duas vezes – é uma espécie de “seleccionadora” de uma equipa de atletismo formada por refugiados, iniciativa que chamou a atenção do Papa Francisco. A sua proposta, promovida pela Fundación Paz, fundada por Loroupe em 2003, fê-la chefiar uma delegação especial de atletas nos Jogos Olímpicos do Rio em 2016.

Está previsto que, nos próximos Jogos de Tóquio, 29 atletas de 11 países façam parte da equipa olímpica de refugiados, seleccionados entre 55 atletas que receberam uma bolsa especial do Comité Olímpico Internacional. Serão os segundos a desfilar atrás da Grécia no estádio e irão fazê-lo sob a bandeira olímpica, apesar de não o poderem fazer com os emblemas nacionais de países como Afeganistão, Irã, Síria, República Democrática do Congo, Sudão , Sudão do Sul, Eritreia ou Venezuela.


Santa leiga

Se não tivesse sido atleta, é muito claro que “teria sido freira”, algo que sentiu várias vezes ao ver as dificuldades quotidianas que ser atleta e mulher no Quénia implica. Hoje, na sua cidade natal de Pokot, a quase duas horas da capital Nairóbi, Loroupe treina e mantém uma escola para cerca de 40 refugiados do Quénia, Sudão do Sul, Etiópia, Somália e até Hong Kong.

Loroupe sabe bem o que é esforçar-se para ter acesso à formação, sobretudo numa família de pastores pobres e a crescer com mais 24 irmãos. Só teve um par de ténis aos 16 anos e aos 19 já tinha vencido a primeira maratona, tornando-se a primeira africana a fazê-lo. “Fiquei muito emocionada por alguém de uma comunidade tribal tão pequena poder correr e vencer outras mulheres de todo o mundo”, lembra a atleta que prefaciou um livro do Papa sobre o desporto.

Hoje, vive para fazer as pessoas entenderem que o desporto é uma forma de encontrar a paz interior e também a paz exterior. “É impossível educar as pessoas sobre algo que nunca experienciaram. E, agora, quando falo sobre desporto, as pessoas entendem. Elas vêem que uma menina de uma tribo pode trazer riqueza à sua família através do desporto e da educação”, destaca agora, aos 48 anos.

“Quando competia, não conseguia imaginar que o atletismo realmente ia abrir todo o caminho e dar sentido ao resto da minha vida pós-competição. Hoje, a minha vida é uma missão dedicada a colocar todos esses meninos fora de perigo”, destaca a corredora num documentário sobre a sua vida que se tornou viral. Muitos dos que a procuram consideram-na uma “santa leiga”, embora de sapatilhas (ou melhor, descalça).

 

Maratona pela Cáritas

Mas o desporto não está só nos estádios olímpicos. A pandemia levou a prática desportiva até às salas de estar ou quartos das casas e até mesmo para as salas de aula de Teologia. O sacerdote Ángel Cordovilla Pérez é professor do Departamento de Teologia Dogmática e Fundamental da Universidade Pontifícia Comilla de Madrid. Quando o confinamento chegou, há um ano estava a preparar-se para a Maratona de Madrid e corria cinco dias por semana, alternando dias de corrida contínua suave, séries, circuitos, subidas e longa distância, explicou ao portal Vida Nueva Digital.

Manter esse ritmo sem sair de casa foi “complicado”, assegura. 
“No início optei por alguns aparelhos de ginástica na sala e no terraço da casa com subir e descer escadas. Quando descobri que não poderia usar os espaços comuns do prédio, reduzi-os exclusivamente à máquina de exercícios aeróbios e de força dentro de casa. Só no Domingo, 26 de Abril de 2020, dia em que deveríamos ter corrido a maratona de Madrid, coloquei o meu dorsal e corri 12 km no terraço de casa. No dia seguinte, estava mais dorido do que se tivesse corrido a maratona. Foi uma corrida virtual promovida pelos organizadores da Maratona de Madrid, cujos fundos foram atribuídos à Cáritas”.

Este empenho desportivo, assinala, “começou por uma questão de saúde, para controlar o colesterol e também para recuperar uma paixão e vocação que tinha quando ainda era jovem, antes de entrar para o seminário” e que depois abandonou. 
“O meu espírito é ajudado pela virtude da disciplina, força, coragem, perseverança, tenacidade; ao mesmo tempo que me ajuda a ter a sensação de descanso, oxigenação e liberdade”, diz.


A “avó triatleta”

A Irmã Madonna Buder, que mudou o seu estilo de vida para combater o excesso de peso aos 48 anos, tornou-se mais conhecida como a “avó triatleta” pelos seus colegas de competição. O seu compromisso com o desporto partiu da mão de um padre que recomendou que, além dos benefícios físicos, a prática desportiva é o caminho mais curto para harmonizar a mente, o corpo e o espírito. Assim, a Irmã começou a correr durante dez minutos e com o plano de aumentar o treino a cada dia em 10%.

Dois anos depois, Madonna Buder terminou a sua primeira corrida popular e aos 52 anos atingiu a meta do seu primeiro triatlo. Mas não parou por aí e o próximo passo foi chegar ao Ironman – literalmente “homem de ferro” –, uma competição muito exigente até para atletas de elite. Para completar esta competição é preciso percorrer 3,86 km de natação, 180 km de ciclismo e 42,2 km de corrida.

A freira completou a sua primeira competição desta natureza aos 55 anos. Em 2013, a Irmã Buder estabeleceu o recorde mundial no Hawai como a pessoa mais velha a terminar um Ironman com nada menos do que 82 anos de idade. O seu tempo é realmente um recorde: 16:59:03. Isto obrigou à criação de uma categoria especial para pessoas com mais de 80 anos e há até quem brinque com uma suposta categoria de “freiras de ferro”.

Modelo nos anúncios da Nike, as vitórias acumulam-se. Mas também as lesões, já que partiu ossos nos braços, mãos, costelas e até nos quadris; embora isto nunca a tenha detido. 

“Quando eu me magoo, espero que o Senhor me levante novamente e me ponha de pé, lembrando-O com confiança: «Deus, já sabes, a minha intenção é continuar a correr até Ti»”, afirma.


Deus no desporto

Rafael J. Caro, a quem os mais próximos chamam de “Carito”, é o pároco da localidade de Arriate, em Málaga. Durante mais de uma década, tornou o seu compromisso com os fiéis compatível com as competições como triatleta. Com a ajuda de dois amigos impressionados com o seu testemunho de fé e desporto, pôs em marcha iniciativas de oração entre os atletas. Há um ano, com as paróquias fechadas e a Cáritas sobrecarregada, propôs somar os quilómetros que cada um poderia fazer em casa e convertê-los em donativos para a entidade social.

“Esses meus amigos moram em Genebra e lá podiam correr pelas ruas. A nossa ideia era, depois de um mês, somar os quilómetros que eu tinha feito em casa com os que eles fizeram em Genebra, mas a ideia foi sendo transmitida e muitas pessoas entusiasmaram-se para colaborar com a causa”, explica o sacerdote. Conseguiram, assim, 3.200 euros para a Cáritas paroquial.

“Neste documento, o Papa Francisco fala aos atletas do valor do esforço. Quando o escreveu, alegrei-me muito porque precisava de algo assim na minha vida”, afirmou, durante um encontro na diocese de Málaga. 

“Não há nada verdadeiramente humano que não encontre eco nos corações dos seguidores de Cristo. O desporto é universal e atingiu um novo patamar de importância no nosso tempo e também, por isso, encontra eco no coração do Povo de Deus. A Igreja entende a pessoa humana como uma unidade de corpo, alma e espírito, e procura evitar qualquer tipo de reducionismo no desporto que rebaixe a dignidade humana. A Igreja interessa-se pelo desporto porque se interessa pelo homem, o homem inteiro, e reconhece que a actividade desportiva afecta a formação da pessoa, nas suas relações, na sua espiritualidade”, reflecte este atlético pároco.

Essa experiência é a que partilha com o seu grupo de atletas. “Queremos criar uma plataforma na qual possamos partilhar a nossa experiência em como, através do desporto, encontramos Deus na nossa vida e a nossa espiritualidade cresce. Queremos dizer isso às pessoas porque, numa competição de duas mil pessoas, podemos ser 800 cristãos, mas não sabemos”, garante.

“Quando vou a algum Ironman, muitos atletas perguntam-me como é que, se tenho que correr, celebro a missa de Domingo, e respondo-lhes que a celebro às quatro da manhã no meu quarto. Muitos batem à porta e acompanham-me. Muitas pessoas aproximam-se da Igreja ou de grupos religiosos graças ao facto de Deus me usar como instrumento para aproximar as pessoas da Igreja”, afirma o sacerdote.

Artigo de Mateo González Alonso, publicado em Vida Nueva Digital a 17 de Julho de 2021.