Arquidiocese de Braga -

17 junho 2021

Pandemia de Covid causa a maior crise demográfica de Espanha desde a Guerra Civil

Fotografia Albert Garcia / El País

DACS com El País

O ano de 2020 terminou com o maior número de óbitos e o menor número de nascimentos desde 1941, de acordo com os registos do INE.

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Nunca morreram tantas pessoas em Espanha num único ano, desde que existem registos oficiais do Instituto Nacional de Estatística (INE). E nunca nasceram tão poucos bebés. A coincidência destes dois fenómenos em 2020 deixa um balanço demográfico devastador, de acordo com os dados provisórios sobre o movimento natural da população publicados esta quinta-feira pelo INE. No ano que concentra o maior número de vítimas da pandemia, morreram 492.930 pessoas, 74.227 a mais do que em 2019. São 17,73% a mais. E 339.206 crianças nasceram, 5,94% a menos do que no ano passado, o pior número desde 1941 – dois anos após o fim da Guerra Civil. Assim, o saldo natural (diferença entre nascimentos e óbitos) é o pior de toda a série histórica: há 153.167 mais óbitos do que nascimentos, triplicando o número de 2019, que já era o pior até então.

Em Janeiro e Fevereiro, antes do início da crise sanitária, as mortes de 2020 não são muito diferentes das do ano anterior. Além do mais, menos pessoas morreram nos primeiros dois meses. Em Março, quando o vírus já se tinha espalhado e o governo decretou o confinamento, a tendência mudou radicalmente: 37.058 em 2019 e 58.124 em 2020. O mês com maior diferença em relação ao ano anterior é Abril, quando mais 60.951 pessoas morreram, 78,21% a mais do que em 2019. Aí viveu-se p pior da pandemia, com até 900 mortes por Covid relatadas num único dia.

O número de óbitos por coronavírus registados pelo Ministério da Saúde (50.837 a 31 de Dezembro de 2020) está muito longe da diferença entre os óbitos em 2019 (418.703) e 2020 (492.930). Também está muito distante se ampliarmos a visão com uma média do total de óbitos anuais entre 2015 e 2019: 420.825. O registo do Governo de mortes por Covid não inclui milhares de pessoas que morreram de Covid na primeira vaga, mas cujo diagnóstico não foi confirmado por um teste de laboratório. Isso não significa que o excesso de mortalidade apontado pelos dados do INE seja atribuído exclusivamente ao coronavírus: parte dessas mortes pode ser por outros motivos, como doenças que não foram tratadas adequadamente devido à saturação de hospitais e centros de saúde. “A pandemia é a principal causa do aumento da mortalidade, mas de momento não temos um quadro confiável de quais são as mortes por Covid e quais são por outros motivos”, explica Joaquín Recaño, presidente da Associação de Geógrafos Espanhóis, professor da Universidade Autónoma de Barcelona e investigador do Centro de Estudos Demográficos.

Por comunidades, os piores dados são os de Madrid. É a autonomia que sofreu o maior aumento nas mortes em relação ao ano passado, 41,17% a mais, com 19.418 mortes a mais do que no ano anterior. Os dois territórios fronteiriços com a Comunidade de Madrid são o segundo e o terceiro mais afectados: em Castela-La Mancha as mortes aumentaram 32,33% e em Castela e Leão 25,97%. Do outro lado da balança estão as Ilhas Canárias (4,19%), Galiza (4,97%) e Múrcia (5,78%).

O vírus, especialmente letal entre os idosos, atingiu a Espanha num momento em que os seus habitantes estão mais velhos: a idade média da população é de 43,58 anos, quatro a mais do que há apenas duas décadas. Os maiores de 60 anos eram 26,6% da população espanhola em 2020, quando em 2000 eram 21,6%.

Uma contribuição decisiva para estes dados é o facto de cada vez menos crianças nascerem: 21.411 menos em 2020 do que em 2019. É a maior queda desde 2013 e o pior dado desde que há registos. Essa queda de nascimentos não pode ser atribuída exclusivamente à crise de saúde, já que o confinamento começou em Março. As crianças então concebidas nasceram principalmente no último mês, de forma que o efeito do confinamento e a incerteza devido à pandemia sobre a taxa de natalidade serão melhor avaliados nos dados do primeiro semestre de 2021. “É possível antecipar uma queda considerável na natalidade. Em Novembro e Dezembro, meses afectados pela pandemia, a natalidade cai 10% e 21% respectivamente face a 2019, quando a média nacional é uma queda de 6%″, considera Recaño. A idade média da maternidade atinge um novo recorde: situa-se nos 32,3 anos, após aumentar um décimo em relação ao ano anterior.

Em todo o caso, a tendência continua a ser a dos anos anteriores: o número total de nascimentos em Espanha tem diminuído continuamente desde 2015, precisamente o primeiro ano em que o número de óbitos ultrapassou o número de nascimentos. Embora a pandemia tenha pouco efeito sobre as estatísticas de natalidade, nasceram menos crianças em todas as comunidades em 2020 do que em 2019. Estamos muito longe do recorde de nascimentos do século 21, em 2008, quando, em números mínimos de desemprego um ano antes, ultrapassou o meio milhão de nascimentos (519.779). São quase 200.000 a mais do que em 2020.

Com estes números, a diferença entre nascimentos e óbitos em 2020 é a pior desde que começaram os registos do INE, no início da década de 1940: são 153.167 mais óbitos (não é a subtracção exacta, pois o INE inclui nestes dados os nascimentos de mãe não residente e óbitos de não residentes, que não entram nos dados individualizados de nascimentos e óbitos). Este dado é negativo desde 2015 e em 2019 atingiu o que, até agora, era o pior registo (mais 57.355 óbitos do que nascimentos), totalmente superado pelo novo recorde. “O saldo negativo dos três anos anteriores equivale a 2020”, diz Recaño. Por territórios, o pior saldo não é o da comunidade com mais mortes, Madrid, mas de um território que combina um grande impacto da pandemia e o envelhecimento da população: Castela e Leão, com 22.543 mais mortes do que nascimentos. Segue-se a Catalunha, com mais 21.659 mortos, e a Galiza, 17.610, com características muito semelhantes à comunidade castelhana-leonesa.

Recaño acredita que em 2021, apesar de a pandemia continuar a causar mortes, a mortalidade cairá: “Muitos idosos que morreram de Covid em 2020 não vão morrer nos próximos anos. Ou seja, o vírus antecipou a morte de pessoas idosas, por isso é normal que não haja uma mortalidade tão alta”.

 

Casamentos reduzidos ao mínimo

A pandemia também é perceptível nos casamentos, que caíram ao mínimo desde os primeiros dados libertados pelo INE, de 1941: houve 90.416 enlaces em 2020, quase metade de 2019. Antes da pandemia, o número de casamentos já se encontrava em queda. Cai desde 2017 e não se ultrapassam os 200.000 casamentos (um número modesto para o resto da série histórica) desde 2007. Em 2020 houve 76.114 a menos do que em 2019. As restrições impostas pela pandemia, que limitou o número de participantes permitidos nos casamentos, foram um factor decisivo para este número tão baixo. O presidente da Associação de Geógrafos Espanhóis acredita que em 2021 haverá uma recuperação muito considerável dos casamentos, devido a todos os que foram adiados em 2020.

Artigo de Emilio Sánchez Hidalgo, publicado no El País a 17 de Junho de 2021.