Arquidiocese de Braga -

30 setembro 2022

Uma proposta modesta das Filipinas pode desencadear uma nova era Católica

Fotografia Andrew Biraj/Catholic Standard via CNS.

DACS com Crux

O Papa Francisco recentemente ajustou as regras que regem o Opus Dei, mas a substância da prelatura pessoal permanece intacta.

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A vida, como diz o famoso ditado de John Lennon, é o que acontece enquanto fazemos outros planos. De maneira semelhante, podemos dizer que notícia é o que acontece enquanto estamos a prestar atenção a outra coisa.

Neste Verão, o debate Católico foi dominado por rumores infundados de que o Papa Francisco estava prestes a renunciar. Enquanto isso, uma conversa estava a desenrolar-se nas Filipinas com significado potencialmente sísmico, e que passou quase inteiramente despercebida.

Em Julho, os bispos Filipinos consideraram uma proposta para uma petição a Roma para a criação de uma prelatura pessoal para prestar assistência pastoral aos cerca de 12 milhões de Filipinos que vivem fora do país, que constituem uma das maiores comunidades de diáspora no mundo. O foco, em particular, estaria nos cerca de três milhões de trabalhadores Filipinos no estrangeiro, ou seja, migrantes temporários que deixam o país para trabalhar a fim de enviarem dinheiro de volta para casa.

Uma “prelatura pessoal” é uma estrutura na lei da Igreja proposta pela primeira vez no Vaticano II, destinada a mobilizar clérigos e leigos para realizar funções específicas sem respeito aos limites geográficos. Actualmente, a única prelatura pessoal é o Opus Dei, embora o Vaticano tenha oferecido em 2012 a criação de outra à tradicionalista Fraternidade São Pio X para trazer o grupo de volta à comunhão com Roma, o que foi recusado.

O Papa Francisco recentemente ajustou as regras que regem o Opus Dei, mas a substância da prelatura pessoal permanece intacta.

A ideia de criar uma para os Filipinos existe há pelo menos um quarto de século, desde que um padre Filipino que agora mora em San Diego a apresentou pela primeira vez numa dissertação de doutoramento. Os bispos do país criaram uma comissão ad hoc para estudarem a possibilidade em 2020.

Durante a sessão de Julho, os bispos decidiram levar mais um ano a consultar bispos e conferências episcopais em países onde a prelatura se pode estabelecer, ou seja, lugares com populações filipinas significativas, e também recorrer a capelães Filipinos que servem em vários ambientes em todo o mundo.

Eis o porquê de isto importar.

Desde tempos imemoriais, o princípio dominante de organização na Igreja Católica tem sido o geográfico – o pároco governa a sua paróquia e o bispo a sua diocese, ambas definidas por território. As conferências episcopais e federações dessas conferências são organizadas nacional e continentalmente. Mesmo as ordens religiosas, que deliberadamente existem fora da estrutura diocesana, são geralmente organizadas em províncias territoriais.

No entanto, cada vez mais vivemos num mundo em que a geografia, se não totalmente irrelevante, é pelo menos relativa. Na segunda metade do século XX, a mobilidade acelerada e a facilidade de deslocação acabaram com a influência da geografia na vida social e, no século XXI, o aparecimento da cultura digital enfraqueceu-a ainda mais.

Ao longo dos séculos, o Catolicismo gerou novos modelos pastorais para responder a essas condições de mudança. O nascimento das grandes comunidades monásticas surgiu da desintegração do império romano, assim como as ordens mendicantes nos séculos XII e XIII visavam evangelizar os novos centros urbanos, e muitas comunidades missionárias foram uma resposta à Era dos Descobrimentos.

Hoje, a maioria dos especialistas diria que há uma necessidade semelhante de gerar novos modelos para responder a uma situação social menos definida territorialmente. A prelatura pessoal é um instrumento desse tipo, mas a sua aplicação potencial está congelada há décadas por razões que têm mais que ver com política do que com lógica pastoral.

Para começar, é um lugar-comum na vida católica que qualquer novo impulso seja visto com suspeita. Antigamente, as ordens religiosas eram acusadas de comprometer a unidade eclesial ao criarem uma “igreja paralela” e minarem a autoridade dos bispos locais, que são exactamente as mesmas acusações feitas hoje contra novas entidades de vários matizes.

Claro, a acusação não é totalmente infundada – há muitos exemplos de novos impulsos que provaram ser divisores e que torcem o nariz a quem tenta adverti-los. No entanto, a questão é se isso é inerente à estrutura, com a experiência a sugerir que a resposta é “não necessariamente”.

Além disso, como o Opus Dei é convencionalmente visto como conservador, os católicos mais liberais tendem a ser axiomaticamente hostis a todo o conceito de prelatura pessoal. (Em retrospectiva, provavelmente é melhor que os tradicionalistas tenham rejeitado o acordo do Vaticano, porque pode ter-se tornado impossível retroceder nessa percepção).

Por sua vez, é isso que é tão intrigante na proposta filipina.

Em primeiro lugar, a maior parte dos trabalhadores Filipinos no estrangeiro estão no Médio Oriente, com mais de um quarto só na Arábia Saudita, onde não há uma verdadeira “igreja local” no sentido convencional para minar. Onde a Igreja é mais desenvolvida, como em locais da Europa, América do Norte e Austrália, o objectivo declarado da prelatura seria integrar os seus membros na vida paroquial e diocesana local, uma consumação que a maioria dos bispos desejaria devotadamente no contexto da diminuição das vocações e participação na eucaristia.

Em segundo lugar, ninguém vê a diáspora filipina como política. Quer dizer, não há nada ao estilo do Código Da Vinci por aí sobre monges albinos loucos das Filipinas a lançarem-se num frenesim assassino e a tentarem sequestrar a igreja, não é?

Por outras palavras, se a proposta filipina for adoptada, poderá romper o impasse político e permitir que a Igreja Católica se torne mais ágil num ambiente cultural pós-geográfico, desencadeando uma era em que as prelaturas pessoais e outras estruturas relacionadas se tornam tão familiares quanto as convencionais ordens religiosas.

Isto provavelmente não é tão sedutor quanto uma renúncia papal, mas tem o potencial de ser assim tão importante a longo prazo.

Artigo de John L. Allen Jr., publicado no Crux a 30 de Setembro de 2022.