Arquidiocese de Braga -

15 setembro 2022

Bispos visitantes de Myanmar quebram silêncio sobre problemas em casa

Fotografia DR

DACS com La Croix International

Três bispos do país do sudeste asiático recentemente pararam em Paris e Lourdes a caminho do Vaticano, falando com mais franqueza do que o habitual sobre o caos no seu país governado pelos militares.

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Os rostos são sérios e as palavras cuidadosamente escolhidas.

No jardim das Missões Estrangeiras de Paris, a poucos passos da Capela de Nossa Senhora da Medalha Milagrosa, onde se reuniram esta manhã, três bispos de Myanmar falaram com cautela e emoção sobre os recentes acontecimentos na sua nação do sudeste asiático.

Habituados à discrição, os três sabem que uma palavra contra o exército colocá-los-ia e aos seu povo católico em perigo.

Desde o golpe militar de 1 de Fevereiro de 2021, uma guerra interna colocou a junta militar contra um grande movimento de desobediência civil e uma oposição que pressiona pelo regresso à democracia.

“A resistência ao golpe foi proporcional às esperanças do povo, que votou esmagadoramente em Novembro de 2020 no partido em que acreditavam que lhes traria liberdade”, sublinhou o arcebispo Marco Tin Win, 62, de Mandalay.

É lá, na segunda maior cidade do país, que se originou o Movimento de Desobediência Civil (MDL).

 

Quatro presos políticos executados pela junta

As eleições parlamentares de Novembro de 2020 foram vencidas pela Liga Nacional para a Democracia (NLD).

O partido de Aung San Suu Kyi estava, portanto, em posição de desafiar os muitos privilégios da junta militar garantidos na Constituição de 2008.

Para preservar o seu poder, o exército cometeu um golpe estrondoso, não hesitando em abrir fogo contra civis que protestavam.

O horror diário da guerra convenceu estes bispos a falar mais abertamente, apesar dos riscos.

A junta executou quatro presos políticos em Julho passado, enviando uma mensagem clara aos seus oponentes.

“Embora agora todos sejam vítimas dos militares, a geração mais jovem é particularmente visada”, disse Noel Saw Naw Aye, de 53 anos, bispo auxiliar e braço direito do cardeal Charles Bo em Yangon, capital económica do país.

“O exército tem medo dos seus talentos, especialmente do domínio das novas tecnologias, e do seu zelo”, acrescentou o bispo Tin Win.

Enquanto no passado a junta lutou em particular contra as minorias étnicas Cristãs nos territórios fronteiriços, “incêndios e assassínios estão a ocorrer em todos os lugares, incluindo as grandes cidades como Yangon”, disse o bispo Saw Naw Aye.

“A maioria das vítimas da crueldade militar são Budistas. Mas os Cristãos, que foram perseguidos com indiferença geral em áreas remotas no passado, agora estão incluídos”, acrescentou.

 

Catedral de Mandalay invadida

Os Cristãos continuam a ser suspeitos de apoiar milícias armadas, sejam elas étnicas ou Bamar (o grupo étnico maioritário em Myanmar).

Assim, a 8 de Abril, poucos dias antes da Semana Santa, o exército invadiu a Catedral de Mandalay para fazer uma busca.

“Eles estavam à procura de evidências de que estávamos a transmitir informações sobre os bombardeamentos e assassínios em aldeias Cristãs”, explicou o bispo Tin Win.

O bispo estava presente naquele dia e teve que enfrentar os soldados. O arcebispo negociou e acompanhou os soldados na sua busca, não hesitando em expor-se para evitar que a demonstração de força saísse do controlo.

A comunidade Cristã, particularmente a religiosa, está muito empenhada em ajudar a população civil.

“As freiras, com a ajuda de voluntários, estão a organizar clínicas clandestinas porque os hospitais estão vazios”, explicou o arcebispo de Mandalay.

“O pessoal médico aderiu em massa ao movimento de protesto civil e está a ser perseguido e preso pelo exército. Os aldeões que fogem quando o exército chega só nos têm a nós. As instalações da igreja estão a tornar-se centros de refugiados”, afirmou.

“As crianças são as primeiras vítimas desta guerra civil”, destacou o bispo Lucas Dau Ze Jeimphaung em Lashio, a maior cidade da parte Norte do estado de Shan, no Leste.

Os Shans são uma das 148 minorias étnicas do país. Por recusarem a autoridade dos militares, a escola local representa doutrinação para os seus filhos.

 

Crianças sem escola há três anos

“Não vão à escola há três anos. Por isso, organizamos aulas informais para que todos tenham a oportunidade de estudar!”, disse o bispo Jeimphaung.

Unir os esforços da caridade e da Igreja local também é o propósito do encontro de hoje com os líderes das Crianças do Mekong. Porque, apesar da ausência de esperança numa escala humana, estes três bispos a caminho de Lourdes e depois do Vaticano estão convencidos de que “nesta escuridão, Deus pode trazer luz!”.

Artigo de Antoine Besson, publicado no La Croix International a 9 de Setembro de 2022.