Arquidiocese de Braga -

2 setembro 2022

Comer “limpo” e autocuidado não substituem a confissão

Fotografia ClaudioVentrella / iStock

DACS com America

O desafio para o catolicismo contemporâneo é recuperar o terreno que foi cedido à indústria do bem-estar.

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Antes da minha conversão ao catolicismo, era uma praticante das práticas da New Age, bem como uma utilizadora assídua do Instagram. Muitas vezes, fui arrastada por tendências que promoviam “bem-estar”, um termo genérico para várias dietas, tipos de exercícios, meditação, filosofias pseudo-religiosas e até produtos para cuidados com a pele.

Estas tendências podem ter certas semelhanças superficiais com a crença religiosa. Os gurus da alimentação saudável, por exemplo, podem usar a frase “comer limpo” para descrever a ingestão de alimentos naturais e não processados. A escolha pode ser saudável, mas a frase pode implicar que aqueles que não fazem ou não podem fazer essas mesmas escolhas de dieta são, por padrão, não-limpos ou impuros. É uma distinção que pode trazer vergonha juntamente com a implicação de que não conseguiram observar um código moral.

Esse fenómeno de tendências modernas disfarçadas de religião foi explorado em profundidade pela teóloga Tara Isabella Burton no seu excelente livro Strange Rites: New Religions for a Godless World. Antes de ler o livro de Burton, no entanto, eu já tinha notado que cristais, ioga, veganismo, cartas de tarot e outros aspectos da espiritualidade New Age estavam a entrar na vida convencional e a serem promovidos por influenciadores de redes sociais – e todos pareciam atraentes, mulheres brancas magras e jovens, usando palavras e frases como “manifestação”, “autocuidado” e “viver a sua verdade”.

A sua alegria cuidadosamente seleccionada mascara o incentivo da indústria do bem-estar à vergonha pública e à superioridade. Em 2019, Yovana Mendoza, que alegou comer apenas comida vegana crua, foi apanhada em vídeo a saborear peixe cozido num restaurante e posteriormente foi perseguida durante dias nas redes sociais por essa transgressão. Depois de ter sido “cancelada” pelos seus fãs, publicou um vídeo de 33 minutos em que admitia ter reintroduzido ovos e peixes na sua dieta depois de sofrer sérios problemas de saúde, como a ausência de menstruação durante dois anos.

A experiência de veganos a serem perseguidos online depois de voltarem a uma dieta convencional foi repetida várias vezes com outros ex-influenciadores veganos, incluindo aqueles que foram mais directos sobre a mudança. Mas isto não deveria ser surpreendente: influenciadores como Mendoza nunca poderiam ter acumulado os seus grandes seguidores se as jovens aspirantes não tivessem um desejo visceral de “pureza”, neste caso um tipo de pureza que pode ser alcançada através da dieta e que surge com o efeito colateral da magreza.

É um golpe notável. À medida que as igrejas lutam com o declínio de membros, a indústria do bem-estar está a redefinir o conceito de pureza como o aquilo que o leitor consome, e não como o estado moral da sua alma. Também está a mercantilizar a pureza, tornando-a um estilo de vida caro.

Esta não é a primeira vez que o conceito de pureza foi distorcido além do seu significado cristão original. A “cultura da pureza”, impulsionada pelas dominações protestantes fundamentalistas nos Estados Unidos, que associam excessivamente a pureza ao comportamento sexual, já distorceram o verdadeiro significado da pureza muito para além do expectável. Nesses grupos, as regras do que constitui comportamento puro são tão rígidas que muitos ex-membros relatam que ainda não conseguem falar sobre sexo ou mesmo desfrutar do sexo dentro dos seus casamentos.

Igualar “pureza” a castidade deixou os casais confusos e ansiosos sobre quanta afeição e intimidade poderiam desfrutar antes do casamento. Alguns correram para o extremo oposto, vendo como aceitável, ou mesmo bom, o que a Igreja Católica classifica como imoralidade sexual. O poliamor já não é um escândalo; é uma escolha de estilo de vida. O adultério foi desestigmatizado ao ponto de haver aplicações disponíveis para facilitá-lo.

A pureza parece ter um atractivo inerente às pessoas, mesmo quando o que desejamos manter “puro” – o corpo, a mente, a alma – continua a mudar. Assim, vigaristas do bem-estar de todas as formas, tamanhos e credos surgiram para preencher o vazio criado pelo desaparecimento da riqueza espiritual da vida quotidiana. Criaram novas maneiras de fazerem exercício, novas aplicações de meditação, novos incensos para purificar a casa e uma infinidade de outros meios, muitas vezes apropriados de outras culturas sem tacto, para tapar os buracos deixados pelo declínio das religiões tradicionais.

Mas esse novo uso da palavra pureza para descrever apenas o mundo material parece vazio. Pode haver algum conforto ritual em recolher cristais ou renunciar à carne, mas eles não substituem a atenção às nossas almas. Não conheço uma mulher solteira que prefira casar com um marido vegano adúltero do que com um marido fiel que de vez em quando come um hambúrguer.

Na sua pior forma, o bem-estar permite-nos escapar da nossa própria impureza moral em vez de fazer uma tentativa genuína de sermos uma pessoa melhor. Comprar e consumir smoothies de frutas orgânicas é caro, mas é fácil. Fazer uma tentativa séria de confrontar as próprias falhas morais e ser responsabilizado por elas é desafiador e desconfortável – mesmo que o custo financeiro seja quase nulo.

O desafio para o catolicismo contemporâneo é recuperar o terreno que foi cedido à indústria do bem-estar. Talvez abraçar as virtudes da confissão como uma forma de autocuidado possa resolver o problema? Afinal, o pecado prejudica o nosso relacionamento com Deus e com aqueles que se encontram à nossa volta. A terapia pode ser boa para a sua saúde mental e as dietas boas para o seu corpo, mas o sacramento da confissão ainda é o caminho para a pureza da sua alma.

Artigo de Sara Scarlett Willson, publicado em America a 23 de Agosto de 2022.