Arquidiocese de Braga -

29 julho 2022

Papa pede perdão pelo “mal” dos abusos sexuais

Fotografia AP Photo/John Locher

DACS com Crux/Vatican News

Francisco invocou o exemplo de São François de Laval, primeiro bispo do Québec, que criticou os que rebaixavam os povos indígenas.

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O Papa Francisco pediu esta quinta-feira perdão pelo abuso sexual de crianças nas escolas residenciais que a Igreja geriu no Canadá e jurou que “nunca mais”, acrescentando ao pedido de desculpas histórico que fez no dia depois de chegar ao país.

Numa celebração de Vésperas na Catedral de Notre Dame de Québec, junto com bispos, padres e freiras, o Papa reflectiu sobre os desafios que enfrentam em ser testemunhas credíveis do Evangelho, afirmando que a Igreja no Canadá “começou um novo caminho, depois de ser magoada e devastada pelo mal perpetrado por alguns dos seus filhos e filhas”, referindo-se em partilhar ao abuso sexual de menores e de pessoas vulneráveis, “escândalos que requerem acção firme e um compromisso irreversível” e pelos quais pediu “o perdão de todas as vítimas”.

O Santo Padre acrescentou que “a dor e vergonha que sentimos deve ser uma ocasião para conversão” e para dizer “nunca mais”, e apontou que “a comunidade cristã nunca mais pode permitir-se ser infectada pela ideia de que uma cultura é superior a outras, ou que é legítimo usar formas de coerção dos outros”.

Francisco invocou o exemplo de São François de Laval, primeiro bispo do Québec, que criticou os que rebaixavam os povos indígenas ao induzi-los a beber bebidas fortes para depois os enganar”. 

Estas declarações do pontífice marcaram a primeira vez que mencionou explicitamente o abuso sexual de crianças nas escolas residenciais, por onde passaram cerca de 150 mil crianças entre 1870 e 1996 depois de serem removidas à força das suas famílias.

Na segunda-feira, o líder da Igreja Católica já tinha pedido perdão num encontro com membros das Primeiras Nações, Métis e Inuítes, afirmando-se “profundamente desolado” pelas formas “como muitos membros da Igreja e de comunidades religiosas cooperaram, até pela indiferença, em projectos de destruição cultural e assimilação forçada promovidos pelos governos daquele tempo, o que culminou no sistema de escolas residenciais”. 

Depois de chegar ao Québec, na quarta-feira, o Papa condenou ainda as novas como as velhas formas de colonização, afirmando que “também hoje há formas de colonização ideológica que embatem na realidade da vida, reprimem a ligação natural das pessoas aos seus valores, e tentam desenraizar as suas tradições, história e laços religiosos”.

Apesar disto, membros das comunidades indígenas tinham apontado, de acordo com o site Crux, que o assunto dos abusos sexuais ainda não tinha sido especificamente referido, para além da Doutrina da Descoberta – sobre a colonização do continente americano – e das bulas papais associadas não serem rescindidas. Esse tema ainda não foi abordado por Francisco.

Em 2021 foram descobertas mais de um milhar de sepulturas anónimas junto de antigas escolas residenciais indígenas, com 751 sepulturas anónimas a serem descobertas perto de uma única escola em Saskatchewan. Várias destas instituições pertenciam à rede de escolas administrada pela Igreja Católica e eram destinadas à “re-educação” de crianças indígenas, com o apoio do governo canadiano.

Nos séculos XIX e XX, até aos anos 1990, mais de 150 mil crianças indígenas passaram por este sistema de 139 instituições pelo Canadá. Em alguns casos, as crianças eram forçadas a ir para colégios internos para serem assimiladas pela sociedade caucasiana do país.

No final de Setembro de 2021, a Conferência Episcopal do Canadá publicou um “pedido inequívoco de desculpas” aos povos indígenas do território.

Os bispos canadianos reconheceram “os graves abusos cometidos por alguns membros” da comunidade católica, abusos estes “físicos, psicológicos, emocionais, espirituais, culturais e sexuais”, para além de reconhecer “com tristeza, o trauma histórico e contínuo, bem como o legado de sofrimento e os desafios que perduram até hoje para os povos indígenas”.

A Igreja Católica no Canadá admitiu que o sistema implementado nestes internatos, nos séculos XIX e XX, “levou à supressão das línguas, cultura e espiritualidade autóctones, sem respeitar a rica história, tradições e sabedoria dos povos indígenas”, e assumiu o compromisso de promover uma arrecadação de fundos em todas as regiões do Canadá para apoiar “iniciativas assumidas localmente com os parceiros indígenas”.

Em 2015, após sete anos de investigação, a Comissão de Verdade e Reconciliação do Canadá divulgou um relatório sobre escolas residenciais, revelando que entre 1890 e 1996 mais de 3 mil crianças morreram por causa de doenças, fome, frio e outros motivos.