Arquidiocese de Braga -
18 julho 2022
Por que é importante a visita do Papa ao Canadá
DACS com Omnes
A próxima viagem do papa ao Canadá é mais do que apenas uma visita, é um momento para que os povos indígenas se reconciliem com um Jesus Cristo inculturado, um Cristo que os indigenistas gostariam de rejeitar.
Leio diariamente o Le Devoir, um jornal nacionalista e secular de Montreal. Para este meio, que há um século era nacionalista e clerical, a visita do Papa ao Quebec em poucos dias não parece ser novidade. Tenho a certeza que irá mudar de ideias...
Todas as viagens papais são importantes, mas parece-me que a viagem do fim do mês ao Canadá é especialmente importante. A revolução anti-religiosa ocidental da segunda metade da década de 1960 atingiu duramente a pró-activa minoria católica do Canadá. Seis décadas depois, o cristianismo já não existe aqui, no sentido que lhe foi dado pela filósofa francesa Chantal Delsol.
Delsol, que falou recentemente em Montreal, publicou o ensaio La fin de la Chrétienté em 2021. Lá afirma que o milénio e o meio cristão que termina no Ocidente foi baseado na dominação. O cristianismo, que nunca morre, deve inventar uma nova forma de existir: o testemunho.
Assim chega o testemunho Francisco, parece-me. Viaja para esta periferia existencial para testemunhar o perdão e a compreensão. Vem a pedido dos noventa bispos canadianos. Estes bispos foram pressionados por grupos indígenas e indigenistas que exigiram que o Papa se desculpasse pessoalmente no Canadá pelo colonialismo cristão. Esta não será a primeira vez que Francisco se baixa em nome da Igreja, como um poverello do século XXI.
O número relativamente baixo de canadianos indígenas e mestiços (menos de dois milhões) demonstra que para a Igreja – Francisco – Cristo – os seres humanos contam por si mesmos. Não importa quão poucos eles sejam. O Papa vem vê-los, mesmo que tenha que fazê-lo em cadeira de rodas. Chega de 24 a 29 de Julho às províncias de Alberta e Quebec e ao território de Nunavut. Vem para ouvir, para conversar.
São João Paulo II fez algo assim na sua longa viagem em Setembro de 1984 (encontro, por exemplo, em Ontário com indígenas); e depois a 20 de Setembro de 1987. Naquele dia, o Papa polonês visitou Fort Simpson no Território do Noroeste. Dirigiu uma mensagem aos povos indígenas, reuniu-se com os líderes de quatro organizações indígenas nacionais e celebrou a missa dominical. Foi o cumprimento de uma promessa feita três anos antes, quando o nevoeiro impediu que o seu avião pousasse em Fort Simpson.
Agora, Francisco também viaja para os confins da América. Iqaluit, a capital de Nunavut, tem apenas oito mil habitantes. Se esse território dos inuit, que chega ao Pólo Norte, fosse um país, seria o 15º maior do mundo.
Riscos de visitar o Canadá
Francisco é audaz. Aos 85 anos, mal consegue andar: mas quer caminhar em conjunto com os nativos (esse é o mote da visita). Também aposta que os indígenas se vão reconciliar com um Jesus Cristo inculturado, um Cristo a quem os indigenistas são alérgicos. A proporção de católicos canadianos nativos é provavelmente superior a 40% (que é aproximadamente a percentagem de católicos canadianos baptizados). Facto chave: a taxa de natalidade indígena (cerca de 2,5 por mulher) é maior do que a taxa anémica canadiana de 1,4.
Francisco aposta que a sua estratégia (por inspiração divina, sem dúvida) de ir às periferias geográficas (nomear eleitores do futuro Papa em lugares distantes das grandes manchetes e desconhecidos das bolsas de valores) irá recentralizar o sistema de posicionamento globaç eclesial.
A sua estratégia é afastar-se da autorreferencialidade. Do narcisismo, da doença típica da Igreja fechada que olha para si mesma, curvada como a mulher do Evangelho, que leva ao mundanismo espiritual e ao clericalismo, e que impede experimentar “a doce e consoladora alegria de evangelizar” (cf. Evangelii gaudium, citando São Paulo VI). Francisco quer sair das sacristias, percorrer as avenidas da metrópole e os caminhos alpinos, asiáticos, amazónicos e africanos.
Francisco talvez esteja a apostar que os seus críticos – tem-nos no Canadá anglófono, influenciados por um certo conservadorismo clerical norte-americano – perceberão que ele é simultaneamente progressista e conservador. Ou que seja, como diz Juan Vicente Boo em O Papa da Alegria, “um conservador... inteligente”.
Por tudo isto e muito mais, esta viagem é importante. Vamos ver como corre. Não se afaste do seu ecrã.
Artigo de Fernando Emilio Mignone, publicado em Omnes a 15 de Julho de 2022.
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