Arquidiocese de Braga -
30 junho 2022
O porquê de continuarem a ser divulgadas histórias sem sentido sobre a renúncia do Papa
DACS com Religion News Service
Nos dias de hoje, insinuar que o Papa não pode continuar o seu trabalho na sua condição actual mostra que mesmo o Papa não está imune ao preconceito que milhares de pessoas com deficiências sofrem diariamente.
Por que é que estas histórias são tão populares entre os jornalistas?
Primeiro, as histórias são fáceis de escrever: basta relatar o burburinho de clérigos romanos anónimos que não têm informações reais, mas adoram boatos. Acrescentem citações de jornalistas italianos cujos editores não são tão rigorosos em exigir provas como os editores americanos. Já!
Existem, é claro, bons jornalistas italianos, mas alguns carecem de ética jornalística básica. John Thavis, ex-chefe de redacção do Catholic News Service, contou como um jornalista italiano em 2013 decidiu divertir-se escrevendo uma história totalmente fictícia sobre como os cardeais estavam a olhar para o cardeal Sean O'Malley como candidato a Papa.
Esta história foi divulgada por outros meios de comunicação, fazendo com que o Boston Globe enviasse uma equipa de jornalistas para cobrir o conclave. A cobertura dos média tornou O'Malley tão visível que uma investigação descobriu que ele era a primeira escolha das pessoas comuns de Roma. No seu hábito capuchinho, lembrava o padre Pio de Pietrelcina, o popular santo italiano.
Uma segunda razão pela qual estas histórias proliferam é por os leitores comuns as devorarem. Temos fome de rumores e boatos sobre pessoas famosas. Os editores sabem disso e dão-nos o que queremos.
Finalmente, todo o jornalista tem medo de perder uma história que acaba por ser verdadeira. A maioria dos jornalistas não percebeu os sinais da renúncia iminente do Papa Bento XVI e não querem ser apanhados de surpresa novamente. Como explicar ao seu editor que perdeu essa história?
Se o Papa renunciar, vou acabar por parecer um tolo ao ter escrito esta coluna.
Ainda assim, estou disposto a arriscar e dizer: o Papa não vai renunciar.
É verdade que a renúncia de Bento XVI tornou mais fácil a todos os Papas subsequentes renunciarem. Sempre foi possível sob a lei canónica – de facto, os historiadores relatam que cerca de 10 Papas renunciaram ao longo dos dois mil anos de história da Igreja. Já tinha passado tanto tempo desde a última renúncia que muitos achavam que era impossível.
O Papa Paulo VI, por exemplo, disse que não se pode renunciar à paternidade. Ele também temia abrir um precedente que sujeitaria os futuros Papas a pressões para renunciar. Será que estamos a ver isso hoje?
O que tornou a resignação não apenas possível, mas necessária, é a medicina moderna, que pode manter o corpo vivo durante muito mais tempo do que é física e mentalmente possível para uma pessoa funcionar como Papa.
Mesmo antes de renunciar, Bento XVI indicou: “Se um Papa percebe claramente que não é mais física, psicológica e espiritualmente capaz de lidar com os deveres de seu cargo, então ele tem o direito e, em algumas circunstâncias, também uma obrigação de renunciar”.
Francisco partilha da mesma opinião. Sente que a sua eleição foi um sinal claro de que Deus queria que ele fosse Papa e não pode deixar de lado esse dever, a menos que se torne incapaz de cumprir as suas obrigações papais.
Como Francisco disse aos bispos brasileiros que visitaram o Vaticano recentemente: “Quero viver a minha missão enquanto Deus me permitir, é isso”.
O Papa tem muitos assuntos inacabados, e não o vejo a afastar-se deles. Algumas das suas reformas estão agora a começar. E depois de iniciar um processo sinodal mundial, não deixará que outra pessoa o termine.
Claramente, o Papa é actualmente capaz de cumprir os deveres mais importantes do pontificado. Sim, ele tem um joelho fraco e está a usar uma cadeira de rodas, mas não há indicação de que sofra de alguma incapacidade mental. Pode pensar e falar com clareza, encontra-se com as pessoas e pode tomar decisões prudentes.
Francisco está a sofrer de um problema no joelho há algum tempo, mas recusou-se a usar uma bengala, apesar de ter muitas dores. Isso foi um erro da parte dele. Todos à sua volta deveriam ter-lhe dito para usar uma bengala. Em vez disso, continuou a andar com o joelho assim até ser forçado a usar uma cadeira de rodas.
Se ainda estivesse sujeito à obediência jesuíta, teria sido instruído pelo seu superior jesuíta para seguir as instruções do médico e usar uma bengala. Se aliviar o peso sobre o joelho neste momento permitirá que ele se cure por conta própria, ou se ainda irá precisar de cirurgia ainda não se sabe.
O que é claro é que mesmo que tivesse que permanecer numa cadeira de rodas pelo resto da sua vida, ainda poderia cumprir os seus deveres papais essenciais enquanto a sua mente permanecesse clara. Lembrem-se, os Estados Unidos tiveram um presidente de cadeira de rodas que nos tirou da Grande Depressão e que nos liderou durante a Segunda Guerra Mundial.
Nos dias de hoje, insinuar que o Papa não pode continuar o seu trabalho na sua condição actual mostra que mesmo o Papa não está imune ao preconceito que milhares de pessoas com deficiência sofrem diariamente.
Existem milhares ou milhões de pessoas em cadeiras de rodas a trabalharem muito bem nos seus empregos. Outros milhares ou milhões têm problemas nos joelhos. Dizer que o Papa deve renunciar é dizer a todas essas pessoas que as suas posições também estão em risco. Não deveríamos comemorar o facto de haver muitos trabalhos que essas pessoas podem fazer com sucesso, incluindo ser Papa?
[Nota do DACS a 30 de Junho de 2022: o Papa Francisco já não se encontra a utilizar uma cadeira de rodas.]
Artigo de Thomas Reese, publicado no Religion News Service a 22 de Junho de 2022.
Partilhar