Arquidiocese de Braga -
9 junho 2022
O melhor do mundo
CMAB
Ana Sofia Costa e Sérgio Cabral, Centro Missionário da Arquidiocese de Braga
Ainda que não nos deixe dormir a noite inteira, que teime em fazer birras sem motivo aparente ou que nos presenteie com matérias fecais de aroma dispensável, o nosso menino é o melhor do mundo. Ainda que insista em abrir portas e gavetas, em trepar pelos móveis na busca incessante de um qualquer objeto, ou nos obrigue a estar de plantão quando temos tanta coisa “importante” para fazer, o nosso menino é o melhor do mundo.
O sossego acaba quando nasce o primeiro filho. O mundo por nós construído até esse dia, por vezes tão circunscrito à nossa vida profissional ou a um conjunto de rotinas familiares e sociais sedimentadas ao longo dos anos, desaba (e ainda bem!) para dar lugar a um mundo novo, recriado por um amor maior que nos vem habitar. O olhar frágil e terno do nosso menino é mais poderoso do que qualquer arma bélica. Quem não daria a sua vida pelo seu filho?
Creio que a grande maioria das pessoas compreende bem estas palavras em relação aos seus próprios filhos. Mas olhemos agora para os filhos dos outros, para as outras crianças, para aquelas que vivem longe do nosso coração e que são vítimas dos avanços no domínio da tecnologia digital, das guerras prolongadas, da migração forçada. Ou para aquelas que têm de abandonar a escola para ajudar a sustentar a família através de trabalhos que muitas vezes colocam em risco a sua própria vida ou para se casarem, ou quando são raptadas e obrigadas a tornarem-se soldados, mensageiros ou escravos sexuais. Não terão exatamente a mesma dignidade que os nossos filhos? Não serão, também, o melhor do mundo?
No evangelho segundo São Mateus, Jesus “chamou para Si uma criança” e “colocou-a no meio” dos discípulos (18,2), justamente no lugar ocupado por Si (18,20) como sinal de identificação total com a criança, num contexto sociocultural que não reconhecia o valor próprio da sua consciência distintiva. Na verdade, a infância era vista como uma etapa prévia para o pleno ser-homem, como um ainda-não (Balthasar, 2014). Assim, no entender de Braumann (1980), Jesus não olha para esta criança como um ser puro e inocente ou como modelo de pureza e de inocência para os adultos, mas como um ser dependente, humilde, indefeso, que necessita de proteção, em contraste com os “maiores” dos reinos terrenos como os governadores e os chefes: “Aquele que acolher uma criança como esta em meu nome, acolhe-me a mim” (v. 5).
Tal como no tempo de Jesus, no mundo de hoje é fundamental deixar que as crianças dos outros ocupem o centro das nossas preocupações com a firme certeza de que Deus continua a visitar-nos em cada criança indefesa, vítima de violência, e tantas vezes insistimos em não O reconhecer. Como refere Fernando Pessoa no seu poema “Liberdade”, “o melhor do mundo são as crianças”, mesmo aquelas que vivem nos antípodas do nosso coração. Teremos de nos tornar como crianças, indefesos perante o nosso Deus que faz da fragilidade a Sua fortaleza. Derrubar reinos de indiferença, de egoísmo e de poder é obrigatório para fazer acontecer reinos de amor, de justiça e de paz.
Por fim, recordamos as palavras clarividentes do secretário-geral da ONU, António Guterres, no âmbito das comemorações do Dia Mundial da Criança em 2017. Disse ele que “o futuro do nosso mundo está nas mãos das crianças. Mas não podemos esquecer que o futuro das crianças está nas nossas mãos”.
Artigo publicado no Suplemento Igreja Viva de 09 de junho de 2022.
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IV_2022_06_09_net.pdf
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