Arquidiocese de Braga -

20 maio 2022

A crise libanesa é uma oportunidade de “purificação” das Igrejas

Fotografia DR

DACS com La Croix

À luz do Dia Internacional de Oração pelos Cristãos Orientais deste Domingo, o “La Croix” foi ao Líbano, onde as pessoas sofrem uma crise socioeconómica esmagadora.

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Jesus poderia ter escolhido ficar na Palestina. Mas, em vez disso, foi pregar e curar até Tiro e Sidónia, a cerca de 200 quilómetros a norte de Jerusalém. Que prova mais clara poderia haver do Seu interesse no Líbano?

E por este inquestionável sinal de favor, André Turquieh, de 87 anos, “agradece-lhe todos os dias” nas suas orações. Mas este maronita que vive no bairro cristão de Achrafieh, em Beirute, agora espera “mais de Cristo”.

“Estou à espera que apareça no Líbano, que está a passar por momentos muito difíceis", diz o farmacologista aposentado. “Onde está Ele hoje?”.

Muitos libaneses parecem estar presos num braço de ferro entre uma fé sincera e profundamente enraizada e um desânimo à espreita. Tornou-se até uma verdadeira “crise espiritual” para alguns. Este é realmente o caso de várias Superioras de congregações femininas católicas. Partilharam as suas preocupações, às vezes com muita emoção, com três bispos franceses que fizeram uma visita ao Líbano de 8 a 12 de Maio.

 

Oito em cada dez libaneses vivem abaixo da linha da pobreza

Há três anos que o país do Médio Oriente enfrenta um colapso socioeconómico abismal. A libra libanesa perdeu 90% do seu valor, tornando quase impossível às pessoas comprarem os bens e serviços mais básicos.

Oito em cada dez libaneses vivem abaixo da linha da pobreza. E a classe média (da qual os cristãos, cerca de 25% da população do país, são uma componente importante) é o estrato social que, sem dúvida, experimentou o declínio mais brutal.

Diante da magnitude das necessidades, alguns membros da Igreja local estão a mostrar sinais de exaustão, até mesmo de dúvida. Outros dizem, pelo contrário, que a sua fé foi despertada por esta emergência humanitária.

A paróquia maronita de Saint-Maron, em que André Turquieh participa, tem ajudado cerca de 500 famílias desde a explosão de Agosto de 2020 no porto de Beirute, a algumas centenas de metros de distância.

O trabalho social tornou-se mesmo a “razão de ser da paróquia”, nas palavras do seu pároco, o padre Richard Abi Saleh, que reconhece que anteriormente “fazia caridade por uma boa consciência”.

Oficinas de fabrico de sabão e panificação foram abertas recentemente numa sala ao lado da igreja para ajudar as pessoas a tornarem-se mais autossuficientes.

 

“Muito pouca sinergia entre as diferentes Igrejas cristãs”

Muitos cristãos envolvidos no campo dizem que prestam ajuda indistintamente a cristãos de todas as denominações, muçulmanos xiitas ou sunitas e refugiados sírios ou palestinos.

Mas a um nível mais institucional, a solidariedade é exercida principalmente dentro de cada uma das muitas comunidades denominacionais do Líbano.

“Há muito pouca sinergia, mesmo entre as diferentes Igrejas cristãs”, observa o padre Thom Sicking.

“Numa situação de crise, cada um defende a sua própria comunidade”, diz o jesuíta holandês que está no Líbano há mais de meio século.

Longe de ter criado um espírito de coesão nacional, a crise que agora afecta cada pessoa no Líbano parece estar a exacerbar esse sentimento de pertença, que é fundamental para o sistema político do país.

Mas este novo período sombrio na história libanesa pode ter um efeito “purificador”, de acordo com alguns dos cristãos que não deixaram o país – pelo menos ainda não.

 

Foi-se a imagem da Igreja perfeita

Enquanto as Igrejas institucionais – em particular a Maronita, que reúne mais de metade dos cristãos do país – ainda aparecem como baluartes poderosos, a sua imagem foi prejudicada.

As pessoas que participaram do “thawra” do Líbano – a “revolução” de Outubro de 2019 – denunciaram a corrupção sistémica que percebem nas principais instituições do país. Cada vez mais pessoas estão a apontar que estas também incluem instituições eclesiais.

“Alguns dos bispos estão a começar a ter consciência de que já não podem confiar nessa imagem da Igreja perfeita”, diz o padre Guillaume Bruté de Rémur, reitor do Seminário Redemptoris Mater no Líbano.

D. César Essayan, que dirige o vicariato apostólico para Católicos de Rito Latino em Beirute, defende “libertar o Evangelho” em vez de “salvar as instituições a todo custo”.

O franciscano conventual de 59 anos está convencido de que a actual reviravolta pode ser uma oportunidade se as pessoas optarem por seguir a Deus, que está à frente delas nesta crise.

“Temos uma decisão a tomar: queremos o Bezerro de Ouro ou a Palavra de Deus, maná diário para partilhar com todos?”.

Artigo de Mélinée Le Priol, publicado no La Croix a 19 de Maio de 2022.