Arquidiocese de Braga -
18 maio 2022
As Igrejas e os caminhos da paz
DACS com La Repubblica / Luisa Rabolini
Quando a fé e o nacionalismo se entrelaçam porque os cristãos afirmam possuir uma terra-pátria, desencadeia-se uma mistura explosiva e, nesse caso, os cristãos não ajudam a trilhar os caminhos da paz.
No conhecido texto anónimo do século II d.C. que tem como título "A Diogneto", procura-se traçar o que pode ser a vida dos cristãos no mundo mediterrâneo e a sua identidade em relação aos judeus e pagãos. Não se destacam diferenças profundas, aliás, afirma-se que os cristãos “não se distinguem dos outros nem pela língua, nem pelo modo de vestir, não habitam cidades próprias, não usam línguas particulares”.
Mas, ao mesmo tempo atesta-se com parrésia que “vivem numa terra, mas como estrangeiros domiciliados. Toda a terra estrangeira é a sua pátria e toda pátria é para eles uma terra estrangeira”.
Se para o povo de Israel a terra era uma promessa feita por Deus no próprio acto da criação do povo, para os cristãos essa promessa não se encontra em vigor, de forma que não podem reivindicar ter uma pátria, nem pretendê-la, nem abrigar sentimentos que circunscrevam o seu empenho a uma determinada terra. Mas sabemos que, com o advento de Constantino, foi inaugurado o Império Romano cristão: os cristãos que faziam objecção de consciência e não participavam de guerras até conhecer o martírio, tornaram-se soldados de um império cristão, participaram em guerras ao serviço daquele pode ar que os cristãos anteriores chamavam de Babilónia.
Desde então, a Igreja não tem tido "postura de presença" em terras governadas pela autoridade política, mas colocou-se muitas vezes ao lado do Estado numa suposta sinfonia, ou num regime de concordata que, de facto, submetia a Igreja ao poder político, como aconteceu sobretudo no Oriente até à formação das Igrejas nacionais.
Na verdade, essas Igrejas nunca conseguiram viver a autonomia em relação ao Estado: ou foram perseguidas, como na Rússia soviética, ou encontram-se numa situação de sujeição, como actualmente está a Igreja russa. No Ocidente, sabemos bem que esse perigo não apareceu porque, pelo poder temporal dos Papas, a Igreja Romana teve a pretensão de dar a Deus o que pertencia a César. Mesmo em tempos recentes, mostrou a vontade de intervir na vida dos Estados, configurando-se como religião civil, para obter privilégios.
No conflito Ucrânia-Rússia, as posturas cesaropapistas das Igrejas são mais efectivas do que nunca: na Ucrânia, a Igreja Ortodoxa que se desligou de Moscovo obteve o apoio do governo. Também nestes dias o mesmo processo está a decorrer para a Igreja Ortodoxa da Macedónia do Norte, a "Igreja de Ocrida", que se separou do Patriarcado sérvio para se juntar à comunhão com Constantinopla seguindo em tudo o resultado político dessa pequena república.
Quando a fé e o nacionalismo se entrelaçam porque os cristãos afirmam possuir uma terra-pátria, desencadeia-se uma mistura explosiva e, nesse caso, os cristãos não ajudam a trilhar os caminhos da paz.
Não apenas o ecumenismo é impedido, mas o Evangelho é desmentido. Assim fica difícil dizer que as religiões são portadoras de paz.
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