Arquidiocese de Braga -

2 maio 2022

Freiras na Argentina acusam arcebispo de “violência de género”

Fotografia Pixabay

DACS com Crux

A denúncia contra o arcebispo Mario Cargnello de Salta foi feita pelas freiras do Convento das Carmelitas Descalças de San Bernardo.

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O conflito está a aumentar numa arquidiocese do norte da Argentina, onde um grupo de freiras de clausura fez uma acusação formal contra o bispo por “violência de género”; ao mesmo tempo, o Vaticano advertiu as freiras contra a promoção de uma suposta aparição mariana.

A denúncia contra o arcebispo Mario Cargnello de Salta foi feita pelas freiras do Convento das Carmelitas Descalças de San Bernardo.

Segundo os advogados do convento – as irmãs recusaram falar com os média, incluindo o Crux – a situação está mal desde 1999, quando o arcebispo chegou à diocese. No início deste mês, as freiras decidiram fazer uma denúncia formal, argumentando que têm o direito de viver sem violência, com a sua integridade física e crenças respeitadas, e defendendo a autonomia do mosteiro, que tecnicamente é da jurisdição do Vaticano.

O bispo Martín de Elizalde, emérito de Santo Domingo, e o padre Lucio Ajaya também foram citados na denúncia.

A arquidiocese ficou em silêncio sobre o assunto, com Cargnello a não responder às solicitações dos média.

Os advogados do convento dizem que a denúncia não incide sobre um crime específico, mas afirma existir “uma relação antiga e complexa [entre o arcebispo e as freiras], caracterizada por exigências e comportamentos prementes, realizados a partir da sua superioridade, arrogância e masculinidade, por si mesmo ou com a ajuda de terceiros”.

Os advogados de defesa do prelado negam tudo e atribuem a acusação de desobediência ao carisma que, segundo o direito canónico, o convento deveria seguir.

 

A investigação do Vaticano

Elizalde e Madre Maria Isabel Guiroy, uma beneditina, foram enviadas ao convento pelo Vaticano para uma visita apostólica, que havia sido solicitada por Cargnello após vários confrontos com a prioresa Fátima del Espíritu Santo, cujo mandato expirou.

As Carmelitas Descalças têm duas regras para os seus conventos, uma de 1990 e outra de 1991. A primeira segue a linha estrita da sua fundadora, Santa Teresa de Ávila, enquanto a segunda foi actualizada conforme sugerido pelo Concílio Vaticano II.

A inspecção ocorreu entre 29 de Outubro e 6 de Novembro e não foi livre de controvérsias, incluindo o facto de que, seguindo a constituição de 1990, as freiras não poderem conversar sem estarem acompanhadas de outra irmã. Como Elizalde estava lá a tentar averiguar se havia influências psicológicas indevidas exercidas pela prioresa, ficou combinado que apenas uma irmã estaria na sala, mas as entrevistas foram filmadas.

A denúncia diz que, durante as três primeiras entrevistas com a enviada papal, elas sofreram “abuso verbal” e acusam Elizalde de ter agido “mal” e sem “objectividade”.

No entanto, a queixa não menciona Guiroy para pressionar pela violência de género, argumenta a defesa.

 

Uma transferência impedida

A faísca que acendeu o fogo, no entanto, foi acesa a 7 de Abril, quando Carganello apareceu no convento acompanhado pelo espanhol Loyola Pinto y de Sancristóval, juiz eclesiástico da arquidiocese de Salta. Pediram que a Irmã María Magdalena fosse autorizada a ir aos escritórios arquidiocesanos para se encontrar com o prelado juntamente com uma testemunha, a fim de analisar a transferência da irmã para um convento de Mendoza.

O diário argentino La Nacion reconstrói que, de acordo com os registos judiciais eclesiásticos, Cargnello havia recebido duas cartas durante o Verão em que a freira lhe pedia para facilitar a sua transferência para um claustro perto da sua família e sob as regras menos rígidas de 1991.

Mas a prioresa não autorizou essa saída, argumentando que Maria Madalena não estava bem: disse que, de qualquer forma, a entrevista deveria ser feita no convento para não quebrar a regra de clausura.

Três dias depois, o arcebispo telefonou para o convento, anunciando que, juntamente com Elizalde, iriam ao convento no dia 11 de Abril. Nesta data, a prioresa recusou-se a recebê-los, alegando que estava doente. No dia seguinte, as 18 freiras, incluindo a irmã que pediu para regressar ao seu estado natal, apresentaram a acusação contra ambos os bispos.

 

A “Medjugorje” da Argentina no centro do conflito

Centenas de milhares de peregrinos acorrem todos os anos à Bósnia-Herzegovina para ir a Medjugorje, uma pequena cidade onde a Virgem Maria supostamente apareceu aum grupo de seis videntes há décadas. Embora o Vaticano pareça estar a mudar para uma atitude mais positiva em relação a este local de peregrinação, ele continua oficialmente não reconhecido pela Igreja.

A situação em Salta é relativamente nova em comparação com Medjugorje, mas não é diferente. No caso da Argentina, alega-se que a Virgem, sob o título de “Mãe Imaculada do Divino Coração Eucarístico de Cristo”, tem aparecido a Maria Lívia Galliano de Obeid, conhecida como “Maria Lívia”.

Todos os Sábados, com excepção de dois meses durante o verão, Maria Lívia conduz uma “oração de intercessão” no alto de um morro, que é considerado um “santuário”. Há uma pequena capela no topo da colina, onde a imagem da Virgem fica no centro, e onde os peregrinos deixaram milhares de rosários.

Desde meados da década de 1990, as freiras mantêm uma relação próxima com Maria Livia Galliano e a sua família e com a devoção à “Madonna del Cerro”. São membros fundadores das duas instituições que administram e organizam as actividades com ela relacionadas, e estão nomeados na escritura do terreno onde supostamente acontecem as aparições, que foi doado a Galliano pelo então proprietário.

As supostas aparições começaram no momento em que Cargnello chegava a Salta. A arquidiocese criticou as freiras por não cumprirem o carisma das Carmelitas e por se associarem tão intimamente a um visionário cujas reivindicações não foram aceites pelo Vaticano.

A arquidiocese argumenta que a suposta vidente age como se fosse a superiora e que as freiras acreditam em absolutamente tudo o que Galliano diz sem questionar.

 

A negação da defesa

Embora os dois bispos e o padre citados na denúncia tenham permanecido em silêncio, o gabinete de comunicação da arquidiocese de Salta divulgou um comunicado na quarta-feira, dizendo que a embaixada do Vaticano na Argentina informou o arcebispo e as irmãs Carmelitas do decreto de conclusão da visita apostólica.

Datado de 30 de Março, o decreto diz que a visita “foi realizada de forma adequada, correcta e competente, e que os Visitantes cumpriram exaustivamente a atribuição que lhes foi confiada”.

A declaração também partilha as indicações emitidas pela Congregação para a Vida Religiosa e Sociedades de Vida Apostólica do Vaticano.

A congregação lembrou às freiras que, embora gozem de autonomia, ainda estão “sob a supervisão do bispo diocesano, cuja autoridade e acção são estabelecidas por lei”. Pede-se também que não se envolvam em actividades apostólicas como as decorrentes da suposta aparição mariana até que “o bispo local ou a competente Congregação da Sé Apostólica exerçam o discernimento da sua veracidade e autorizem as práticas de culto neste contexto”.

Depois de lhes lembrar que a comunidade religiosa “está sujeita à estrita observância” das normas, incluindo a clausura monástica, levanta-se uma objecção contra o envolvimento do mosteiro numa iniciativa que vai “contra a vontade do bispo e dos sacerdotes da diocese, levando a uma divisão da comunidade da igreja local e a conflitos”.

“O mosteiro, permitindo que a «visionária», Maria Lívia Galiano de Obeid, resida em instalações próprias e alocando alguns espaços a peregrinos próximos a este contexto, está claramente envolvido neste trabalho, contra a vontade da igreja local”, adverte o decreto do Vaticano.

“É preciso sublinhar fortemente que a comunidade das Carmelitas Descalças de Salta deve viver plenamente o carisma Carmelita, não um trabalho que consequentemente conduza a situações de tensão”, diz o decreto. “Por isso, recomenda-se também uma renovada formação no espírito da Regra e segundo a tradição Carmelita, observando a sua própria tradição de vida monástica. Em diálogo com o bispo local, deve ser instituída uma forma estável de encontros regulares, que sirvam para enfrentar as situações problemáticas de forma contínua”.

Espera-se que o arcebispo deponha no caso a 3 de Maio.

Artigo de Inés San Martín, publicado no Crux a 3 de Maio de 2022.