Arquidiocese de Braga -

16 março 2022

Leu algum livro bom ultimamente?

Fotografia DR

DACS com La Croix International

Nesta era digital, as pessoas fazem a maior parte das suas leituras em telemóveis e outros dispositivos electrónicos, mas há algo de verdadeiramente especial nos livros “reais".

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O valor que damos aos livros diz muito sobre nós.

Há uma história de um menino que encontrou um livro em boas condições num caixote do lixo na rua.

O seu entusiasmo, quando o levou para casa e mostrou ao pai, foi um pouco dissipado quando lhe disseram: “Para que precisamos de um livro? Já temos um”.

Apócrifo, tenho a certeza, mas há uma pitada de verdade por trás da história.

A certa altura, um passeio no metro de Londres era partilhar a companhia de outros passageiros com o nariz enfiado num livro.

Agora é mais do que provável que seja um Kindle ou várias aplicações de telemóvel que ocupam o seu tempo de viagem. Sim, eles podem estar a ler. Mas a experiência dos livros é diferente. Há algo de especial num livro “real”, se é que podemos usar o termo.

Manusear um livro novo, abrir as suas páginas pela primeira vez e explorar o conteúdo não é substituível por uma tela e um deslizar de dedos para virar a página.

Mais tarde, quando o livro é lido, ele encontra o seu lugar numa estante ou numa pilha no chão, para ser recuperado quando é lembrada uma passagem favorita ou uma citação é necessária.

 

A narrativa pessoal

Damos livros aos amigos como presentes, muitas vezes escrevendo dedicatória, agradecimento ou encorajamento. É algo que tem valor e significado além das palavras, é para ser guardado.

Há alguns anos tentei livrar-me de alguns das minhas próprias estantes.

Abri um com a inscrição “Obrigada por estar aí”. Foi-me dado por uma aluna prestes a deixar a nossa escola primária, uma jovem de uma família monoparental. A sua mãe lutou para lhe dar uma vida boa. Esse livro foi devolvido à estante e lá permanece. É valorizado.

É por os livros terem essa narrativa pessoal que eles são dados ​​como presentes, muitas vezes após a morte de uma pessoa. John Henry Newman contou esta história simples na Apologia após a morte de seu amigo Hurrell Froude em 1836:

 

Pediram-me para escolher um dos seus livros como lembrança... quando um amigo íntimo ao meu lado disse: “pegue nesse”. Era o Breviário que Hurrell tinha com ele em Barbados. Assim, peguei nele, estudei-o, escrevi  o meu folheto e tenho-o na minha mesa em uso constante até hoje.

 

Lembrei-me desta história quando o meu próprio pároco morreu há cerca de 25 anos e estávamos a separar os seus livros. Perguntaram-me o que é que eu queria. Era um volume do seu Breviário com o qual fiquei e ainda uso. Que descanse em paz.

A perspectiva histórica dos últimos dois mil anos, passando dos manuscritos até às bíblias iluminadas como o Livro de Kells e os Evangelhos de Lindisfarne, levou-nos, através da invenção da imprensa, à disseminação explosiva da palavra escrita através da Europa Ocidental e além, um efeito verdadeiramente global.

Os livros do Novo Testamento contam-nos a história da vida e missão de Jesus de Nazaré. Os Actos dos Apóstolos e as cartas de Paulo dão-nos a medida do seu trabalho naqueles primeiros dias da Missão Cristã. Na verdade, a própria frase “o Livro Bom” é uma descrição bem conhecida da Bíblia, com uma estimativa actual de cerca de seis biliões em circulação.

 

Com a Quaresma, é hora de um bom livro ou dois

Como é triste que tantas vezes os livros sejam o alvo daqueles que procuram o derrubar violento de um Estado ou de uma comunidade.

A difamação do Alcorão é muitas vezes usada para insultar a fé muçulmana de uma forma muito pessoal e pejorativa. Perdem-se tesouros que não podem ser substituídos, algo é retirado da comunidade que faz parte da sua própria vida, de onde veio e como poderá seguir em frente.

A queima de livros muitas vezes foi a marca de um regime totalitário, foi um prelúdio para o impacto total do nazismo. Na Bebelplatz de Berlim há uma placa de vidro que oferece acesso visual a uma sala de estantes vazias que poderia conter até 20.000 livros.

Esse foi o número aproximado de livros empilhados naquele terreno aberto em Maio de 1933 e queimados – livros, ideias e filosofias que ameaçavam a ditadura emergente. (…)

Muitas vezes tem sido a prática de ler um livro ou dois durante este período de 40 dias (Quaresma) que nos faz parar e reflectir um pouco. Um desses livros que acabei de terminar é de Michael Ford, um ex-produtor de programas religiosos da BBC (…). O seu livro mais recente, Becoming the Presence of God – Contemplative Ministry for Everybody, é de facto uma leitura inspiradora, vale a pena dedicar um tempo para explorá-la. E mantê-lo na prateleira para revisitá-lo.

Artigo de Chris McDonnell, publicado no La Croix International a 19 de Fevereiro de 2022.