Arquidiocese de Braga -

6 janeiro 2022

Uma Igreja sinodal e opções de mudança

Fotografia DR

DACS com La Croix International

A Igreja Católica pode regressar às assembleias democráticas, ao estilo Protestante, ou abraçar reformas que atribuam aos conselhos um papel na deliberação, mas não na tomada de decisões.

\n

O debate que começa a ganhar corpo no que diz respeito à sinodalidade surge no contexto de uma consciência cada vez maior da violência cometida dentro da Igreja Católica. E, como tal, oferece a oportunidade de rever alguns dados.

O teólogo moral salesiano francês Xavier Thévenot (1938-2004) gostava de distinguir entre duas categorias de mudança.

Existe uma mudança do “tipo A”, que significa fazer a mesma coisa, apenas de forma diferente. E depois há a mudança do “tipo B”, que significa fazer algo novo.

A nossa Igreja precisa de uma ou de outra, dependendo da área e do problema. Isto é o que deve ser discutido entre os fiéis baptizados.

Consideremos o papel dos ministros ordenados – isto é, bispos diocesanos e párocos.

 

Livrar a Igreja do clericalismo

A tradição católica sustenta que, a vários níveis, os ministros ordenados têm a palavra final nas decisões tomadas: o Papa na Igreja universal, o bispo na diocese e o padre-pároco na paróquia. A questão, portanto, é se este princípio deveria ser questionado. Isto significaria livrar a Igreja do clericalismo de uma vez por todas.

A última palavra seria então dada às assembleias leigas ou aos conselhos paroquiais. A voz do ministro ordenado seria apenas uma entre outras, a do primus inter pares ou do primeiro entre iguais.

O que se aplicaria a um nível da vida eclesial deveria, logicamente, aplicar-se a outros, da paróquia à Igreja universal (Sínodo dos Bispos) através das Igrejas locais (conselho presbiteral e/ou conselho pastoral).

Esta perspectiva merece ser discutida. Levar-nos-ia até mais perto do funcionamento das igrejas Protestantes – onde este princípio de tomada de decisão por maioria é implementado de formas muito diferentes.

Estaríamos a lidar com uma mudança de “tipo B”: uma autêntica revolução. Isto significa que o primeiro tipo de mudança deve ser rejeitado como insuficiente?

Seria uma questão de trabalhar não tanto na última palavra, mas na “penúltima” e naquilo que se segue à última palavra. Isto seria precedido, não por consultas formais, mas por deliberações genuínas, permitindo a expressão da diversidade através da parrésia (ou discurso ousado) que o Papa Francisco incentiva.

Não se tem apenas a palavra sem desafios. Uma pessoa não pode decidir de acordo com a sua própria vontade quando opiniões bem fundamentadas foram expressas.

Pelo contrário, a deliberação tomada por poucos informará, no sentido mais forte, a decisão de apenas um. Também pode ajudar a construir consenso, em vez de decisões em que a maioria prevalece sobre a minoria.

E a palavra final (é preciso decidir) não será o fim do processo: as modalidades terão que prever qual é a responsabilidade de quem decide, uma responsabilidade que é mais fácil de determinar quando é responsabilidade de indivíduos e não de grupos.

 

Participar no processo de tomada de decisão

Transparência na tomada de decisão, responsabilidade no sentido profundo (prestar contas, não só aos superiores, mas também aos iguais e associados), é o que tem faltado na nossa Igreja, com consequências que já não podem ser ignoradas.

Neste sentido, pode sugerir-se que seja conferido um estatuto real aos conselhos presbiterais, que são ignorados pela lei e são importantes lugares de deliberação. Os conselhos pastorais nas paróquias também devem ser obrigatórios por lei; isso reforçaria a legitimidade deles.

É normal que um pastor cancele unilateralmente as missas sem consultar o conselho paroquial? É normal que um bispo nomeie um vigário geral sem consultar o seu conselho presbiteral?

Seria uma questão não tanto de ter um maior número de fiéis baptizados a tomar decisões, mas a participarem no processo de decisão. Esta perspectiva de mudança parecerá insuficiente para alguns.

Mas o grande navio que é a Igreja Católica não pode virar em ângulo recto, mesmo que seja para evitar um icebergue, mesmo que o icebergue já esteja a rasgar a lateral do navio.

Nem as práticas de outras denominações Cristãs podem ser transplantadas para a Igreja Católica como são. Devemos levar em conta histórias, referências teológicas e mentalidades que não são as mesmas.

Mas o facto é que podemos sempre aprender com os outros.

 

Crise de legitimidade

Recordemos também o contexto actual, ou seja, uma crise de legitimidade, tanto a nível episcopal, como presbiteral.

Esta é uma situação problemática, especialmente para os mais fracos, se um poder legítimo, mas desqualificado, dá lugar a apropriações não regulamentadas de poder. Estas apropriações de poder poderiam ser obra de minorias activas que, no contexto actual, nem sempre se inclinarão para as chamadas soluções “progressistas”.

Há também o medo da criação, a todos os níveis (paróquias, dioceses e mesmo em Roma), de pequenos (ou grandes) feudos, cujos senhores apenas prestarão contas a si mesmos.

Autoridade significa legitimidade. Mas o que é legitimidade, afinal? A do ministro ordenado, ou a do maior número – na verdade, dos representantes do maior número?

Há uma pista que nos diz que vão ser feitas escolhas a este respeito. Quando o Papa Francisco fez o seu importante discurso em 2015 para comemorar o 50º aniversário do Sínodo dos Bispos, citou um princípio da Igreja no primeiro milénio que diz: “Quod omnes tangit ab omnibus tractari debet” (o que diz respeito a todos dever ser discutido por todos).

Mas omitiu a última parte desse princípio – “et approbari debet” (e ser aprovado por todos). Curiosamente, a Comissão Teológica Internacional cita o princípio completo no seu documento de 2018, “Sinodalidade na vida e na missão da Igreja”.

Aqui temos duas formulações diferentes do mesmo adágio ou princípio. E, sem dúvida, transmitem duas ideias diferentes de sinodalidade.

Levar em consideração a alternativa aqui lembrada pode ajudar a constituir uma grelha de leitura e a medir os riscos e consequências do que está a ser proposto. O que esperamos da “Igreja sinodal”, em parte, depende disso.

Artigo do Pe. Jean-François Chiron, publicado no La croix International a 5 de Janeiro de 2022.