Arquidiocese de Braga -

4 janeiro 2022

No Vaticano, o caminho sinodal alemão suscita preocupação

Fotografia DR

DACS com La Croix

Na Cúria, o episcopado alemão é particularmente criticado por ter embarcado numa aventura arriscada sem nunca ter realmente consultado Roma.

\n

Na Primavera de 2023, a Igreja da Alemanha deve concluir a sua jornada sinodal. Este movimento, por ocasião do qual alguns católicos do outro lado do Reno clamam por mudanças profundas na Igreja Católica, desperta grande desconfiança no Vaticano.

Como terminará o “Sínodo Alemão”? Esta é uma das questões que se colocam agudamente no Vaticano no início deste ano, já que os bispos do outro lado do Reno devem completar, na Primavera de 2023, o seu caminho sinodal, uma grande reflexão sobre a organização e o futuro dos católicos na Alemanha. Lançada em 2019 após um duro relatório sobre as falhas da Igreja Católica na gestão da crise dos abusos, esta reflexão precede a organização de uma nova Assembleia Plenária em Fevereiro de 2022.

Em Roma, onde as propostas de certos grupos do sínodo sobre o fim do celibato dos padres ou a ordenação das mulheres são vistas com uma luz muito negativa, esta abordagem atrai cada vez mais críticas. Críticas que também explicaram, nas últimas semanas, a relutância em relação ao relatório francês da Comissão Independente de Abuso Sexual na Igreja (Ciase) publicado no início de Outubro, que algumas pessoas no Vaticano temem que abra a porta a um processo semelhante.

 

“Poderíamos ter ajudado a estruturar as coisas”

Na Cúria, o episcopado alemão é particularmente criticado por ter embarcado numa aventura arriscada sem nunca ter realmente consultado Roma. “Poderíamos ter ajudado a estruturar as coisas, torná-las num processo viável. Mas eles não querem ser desafiados”, lamenta um responsável da Cúria, muito familiarizado com as discussões com a Igreja da Alemanha, que não esconde o seu “cepticismo”.

Nos últimos meses, o Vaticano já falou publicamente em várias ocasiões sobre o processo sinodal. Foi o que aconteceu, em particular, em Junho de 2019, numa longa e notável “carta ao Povo de Deus em marcha na Alemanha”, assinada pelo próprio Papa.

Uma missiva na qual encoraja os católicos alemães nas suas reflexões, enquanto os alerta contra a “tentação” de se deterem em “reformas puramente estruturais”. Francisco também insiste na necessidade de “dar prioridade à evangelização”.

 

“Instrumentalizaram o tema dos abusos”

Esta carta foi seguida, três meses depois, por outra do cardeal Marc Ouellet, prefeito da Congregação para os Bispos, emitindo severas advertências contra o movimento alemão.

Depois, uma terceira, em Setembro de 2020, em que a Congregação para a Doutrina da Fé recusou as propostas do episcopado do outro lado do Reno sobre a possibilidade de os católicos comungarem nas igrejas protestantes e vice-versa. O documento romano foi então assinado pelo cardeal Luis Ladaria, prefeito da Congregação Guardiã do Dogma, que confidencia em privado que já não reconhece a Igreja que ele próprio conheceu na juventude, durante os seus estudos em Frankfurt.

“Eles usaram o tema do abuso para exigir uma redefinição do sacerdócio ou do papel das mulheres. Estão a definir um tipo diferente de Igreja”, explica um observador romano-alemão, cujas críticas duras também são ouvidas nos corredores do Vaticano.

 

Um hiato mais profundo entre Roma e Berlim

Mas se o caminho sinodal alemão é observado de perto, também é por a Igreja Católica na Alemanha ser a mais rica do mundo. O imposto da Igreja, um imposto pelo qual é condicionado o acesso aos sacramentos, em 2019, por exemplo, rendeu cerca de 6,8 mil milhões de euros à Igreja Católica. Um número impressionante em comparação com o orçamento operacional do Vaticano, que em 2020 era de 260 milhões de euros. Um apoio financeiro essencial para um bom número de instituições de caridade católicas ou organizações de apoio aos cristãos orientais.

Mas a relutância também se deve a um hiato mais profundo entre Roma e Berlim. “A cultura alemã e a cultura do Vaticano são muito diferentes”, afirma um observador atento da Cúria, que em Roma é um dos raros defensores do processo dos bispos. Reconhece que este caminho sinodal alemão é “um espinho no pé do Vaticano”.

“Aqui têm a impressão de que a Igreja da Alemanha está a liderar uma revolução, sem valores e sem fé. Mas é exactamente o oposto: se somos todos filhos de Deus, isso tem consequências estruturais”.

Também lembra que não é a primeira vez que os católicos alemães embarcam neste processo. “Ninguém se lembra que o sínodo de Würzburg, organizado entre 1971 e 1975, desenvolveu a mesma fonte. Na altura, os bispos enviaram documentos ao Vaticano, mas nunca tiveram resposta. Ao permanecer em silêncio, Roma não fechou nenhuma porta. A reflexão é sempre possível”.

Por sua vez, um responsável da Cúria expressa em voz alta o que muitos pensam num sussurro: “A certa altura, os bispos alemães terão que escolher: ou seguem Roma, ou não o seguem”.

É o suficiente para alimentar as discussões durante a próxima visita ad limina dos bispos alemães a Roma, marcada para 2023.

 

As etapas do Caminho Sinodal Alemão

Setembro de 2018: Publicação do “Estudo MHG” revelando a extensão da crise dos abusos sexuais na Igreja Alemã. O relatório provocou uma onda de choque entre os católicos de todo o país. Em Março de 2019, os bispos alemães tomaram a decisão de lançar um caminho sinodal.

Janeiro de 2020 e Setembro de 2021: As três primeiras Assembleias Plenárias do Caminho Sinodal reúnem bispos, sacerdotes, religiosos e leigos do ZdK (Comité Central dos Católicos Alemães) para reflectir sobre o futuro da Igreja no país.

Fevereiro de 2022, Setembro de 2022 e Março de 2023: Próximas reuniões plenárias. O processo, que deveria terminar no fimde 2022, foi prorrogado por mais um ano, devido ao surto de Covid.

 

Artigo de Loup Besmond de Senneville, publicado no La Croix a 4 de Janeiro de 2022.