Arquidiocese de Braga -
26 novembro 2021
"Sinodalidade não é visitar um website, preencher um inquérito online e… está feito!"
DACS
Evento do "The Tablet" abordou a sinodalidade, a falta de confiança de algumas pessoas no processo sinodal, a Igreja doméstica e a compaixão que é necessário haver com os sacerdotes que "não querem saber do processo".
Ontem, entre as 19h00 e as 20h00, decorreu o evento inaugural do “Synod Watch” do jornal “The Tablet”, que contou com Clare Watkins e Nicola Brady como oradoras.
Clare Watkins é uma Teóloga professora de Eclesiologia e Teologia Prática na Universidade de Roehampton. Recentemente publicou o livro “Divulgação da Igreja: uma eclesiologia aprendida com conversas na prática”. A obra apresenta uma proposta para uma abordagem de “teologia total” que reconhece a prática como um elemento totalmente necessário e tradicional na busca da compreensão pela fé.
É também directora da Rede de Investigação em Teologia e Acção.
Nicola Brady é presidente do Comité de Direcção Sinodal do Caminho Sinodal da Igreja Católica Irlandesa. Nomeada pela Conferência dos Bispos da Irlanda na Assembleia Geral da Primavera, Brady tem um Doutoramento em História da Igreja. É a Secretária Geral do Conselho Irlandês de Igrejas e Secretária Adjunta do Encontro Inter-eclesial Irlandês, onde facilita a construção de relações entre as Igrejas Cristãs na ilha da Irlanda e a acção colaborativa em questões de interesse comum.
Nicola tem experiência particular na área de construção da paz baseada na fé na ilha da Irlanda e internacionalmente, incluindo defesa dos direitos humanos, apoio às vítimas / sobreviventes e facilitação do diálogo cívico.
O evento, intitulado “Uma Igreja Sinodal: a jornada começa” e realizado através do Zoom, teve cerca de 80 pessoas a assistir e foi moderado por Christopher Lamb, correspondente de Roma do “The Tablet”.
Diálogo e escuta
O moderador começou por parabenizar e questionar Nicola sobre o seu trabalho como presidente do Comité, perguntando-lhe como tinha surgido a sua nomeação.
“Quando os bispos me perguntaram se queria este cargo, foi no sentido de todo o trabalho que eu já havia realizado na Conferência Episcopal, nomeadamente no Gabinete de Justiça e Paz, e no Conselho de Igrejas. O trabalho idealizado seria com realce na inclusão e diálogo e, apesar de esta ser uma posição voluntária e de eu já ter um trabalho a full time, senti que era o tempo certo para a aceitar”, explicou Nicola.
O impacto da crise dos abusos foi devastador, foi muito, muito duro. Sobretudo para as vítimas, claro, mas também teve muito impacto na fé das pessoas. Tivemos que passar por um processo muito doloroso, de revelações muito difíceis, mas estamos a emergir dele com humildade, a aprender lições com tudo o que aconteceu, de caminho à cura e reconciliação.
Christopher Lamb perguntou ainda se a presidente encarava a sua nomeação como um sinal de prevalência do modelo sinodal e se tem liberdade e autonomia para realizar o seu trabalho.
“O nosso modelo é de liderança colaborativa, há uma equipa com muita diversidade, pessoas de várias idades e de localizações geográficas bem diferentes. O processo que encetámos é de cinco anos e nos primeiros dois estaremos focados no discernimento. Estamos a fazer uma aprendizagem experiencial e a apostar em grandes processos de escuta. Há muita liberdade para olhar para assuntos e metodologias diferentes, é bom lembrar que isto não é um exercício académico, mas de aprendizagem enquanto caminhamos”, respondeu Nicola.
Perante a crise dos abusos a que nem a Irlanda escapou, o moderador quis saber se é possível que o processo sinodal no país inaugure uma nova forma de estar na Igreja.
“Sim, sem dúvida, este tem de ser um processo de transformação longo, que nos leve a uma igreja mais inclusiva e relacional, focada na comunidade. O impacto da crise dos abusos foi devastador, foi muito, muito duro. Sobretudo para as vítimas, claro, mas também teve muito impacto na fé das pessoas. Tivemos que passar por um processo muito doloroso, de revelações muito difíceis, mas estamos a emergir dele com humildade, a aprender lições com tudo o que aconteceu, de caminho à cura e reconciliação”, afirmou a responsável, que descreu o Sínodo da Irlanda como “um processo muito urgente, que as pessoas já pediam há muitos anos”.
Sublinhando que o Sínodo convocado pelo Papa Francisco ainda se encontra em fase precoce, o jornalista to “The Tablet” passou a palavra a Clare Watkins, perguntando-lhe que espaço poderá ser criado pelo processo sinodal para a liderança das mulheres na Igreja.
“A posição da Nicola é muito encorajadora, fico muito contente por vê-la nesse cargo. Ainda assim, fico um pouco horrorizada pelo facto de a posição não ser remunerada… Quanto à liderança das mulheres, bem, na prática elas já estão a liderar de uma forma ou de outra. O que acontece é que nem sempre o fazem de forma visível. Mas, se abraçarmos a sinodalidade de forma adequada, acredito que as mulheres irão ter um papel central de liderança. Convém lembrar também que, como disse Mateus (Mt, 23-8), ninguém é líder. Só há um mestre, que é o Senhor. Há definitivamente um espaço que se está a abrir, não só para as mulheres, mas para outras identidades também encontrarem voz dentro da Igreja”, assegurou.
Claro que haverá desconforto e nunca será uma mudança «directa», até porque existirá sempre a tentação de voltar a antigos padrões. Cabe-nos estarmos atentos a isso e manter toda a gente «à volta da mesa» e não atrás de portas.
Valorizar o processo antes do resultado
Clare escreveu um artigo no “The Tablet”, publicado a 21 de Outubro e intitulado “The gifts beyond the pale” (algo como "Os dons para além das fronteiras da Igreja"). Nele, a docente afirmou que algumas pessoas estão desconfiadas quanto ao Sínodo. “Será que a sinodalidade funciona mesmo?”, perguntou-lhe Christopher Lamb.
“Sinodalidade não é visitar um website, preencher um inquérito online e… está feito! Infelizmente, em algumas dioceses é o que se está a passar. E a verdade é que também há falta de confiança pela forma como o Sínodo da Família foi encarado em Inglaterra. E a comunicação em alguns locais é muito pobre, o Sínodo não está a ser comunicado da melhor forma e isso faz com que as pessoas não se interessem. A sinodalidade não é um projecto que tem um começo e um fim, é um modo de ser. Se nos envolvermos realmente no processo, ele vai mudar a forma como as paróquias funcionam”, respondeu Clare.
Lamb sugeriu que a fadiga ou desconfiança de algumas pessoas em relação ao Sínodo também poderá dever-se ao facto de não o encararem como um processo realmente deliberativo, já que, em última instância, quem toma qualquer decisão é o Papa Francisco.
“Vivemos numa época em que valorizamos a tomada de decisão. É algo cultural, até político. Mas, mais importante que isso, é a mudança da cultura organizacional. Como é que fazemos isso? Temos que perceber processo não está primariamente concentrado nas decisões, isso é um engano. No Concílio Vaticano II, muitos também não acreditavam que determinadas pudessem acontecer, até porque não estavam na agenda. O grande objectivo é entrar neste processo sem uma agenda totalmente fechada, sem pensar logo nas tomadas de decisão”, sublinhou a professora.
Nicola reiterou as palavras da colega, afirmando que a sinodalidade tem como grande objectivo fazer os cristãos perceberem que são iguais, na medida em que todos são baptizados. A propósito da agenda do Sínodo, Lamb questionou as oradoras sobre os temas que podem ou não ser debatidos, dando como exemplo a questão das diaconisas.
“Acho que, por princípio, não pode haver nada de que não possamos falar. O objectivo é falar sobre tudo com coragem e caridade, tem que ser essa a cultura que nos envolve. Falar com essa coragem amorosa e aberta! Se o que estamos a fazer é discernimento, tem de haver a humildade de pensar que a pessoa que está ao nosso lado pode pensar precisamente de forma oposta à nossa e tem tanto direito à sua opinião como nós”, apontou Clare.
Também Nicola deu o exemplo do Sínodo da Irlanda, ressalvando que há bastante liberdade no processo, que conta com um princípio de subsidiariedade muito forte. A responsável referiu também o Documento Preparatório do Sínodo, onde a ênfase recai na escuta e na partilha de esperanças e preocupações.
Anuindo, o moderador sublinhou, no entanto, que em termos de governo e de bispos, a sinodalidade é uma grande mudança na forma como a Igreja opera. Como vêem as oradoras as reacções e o papel dos bispos nesta mudança?
Por princípio, não pode haver nada de que não possamos falar. O objectivo é falar sobre tudo com coragem e caridade, tem que ser essa a cultura que nos envolve. Falar com essa coragem amorosa e aberta! Se o que estamos a fazer é discernimento, tem de haver a humildade de pensar que a pessoa que está ao nosso lado pode pensar precisamente de forma oposta à nossa e tem tanto direito à sua opinião como nós.
“A maneira como a Igreja está estruturada neste momento está muito assente nos papéis de liderança. Respeitar o papel do bispo neste momento não é sinodalidade, é só decente! Não gosto muito de falar em termos de «governo», acho que essa linguagem não é adequada para o Povo de Deus…”, disse Clare.
Nicola concordou e afirmou que, a haver uma mudança de papéis assente na sinodalidade, será sempre “desconfortável” para toda a gente.
“Claro que haverá desconforto e nunca será uma mudança «directa», até porque existirá sempre a tentação de voltar a antigos padrões. Cabe-nos estarmos atentos a isso e manter toda a gente «à volta da mesa» e não atrás de portas”, aconselhou.
Periferias, jovens e... muita compaixão
Este tipo de conferências promovidas pelo “The Tablet” permitem sempre a intervenção do público por isso as questões não demoraram a chegar. Um membro da assistência que não quis identificar-se explicou que o sacerdote responsável pela sua paróquia “não percebe nada de sinodalidade”, pelo que não se encontra a “levar o Sínodo a sério, não quer saber do processo”. Perante o ar divertido da assistência, Christopher Lamb esclareceu que não se tratava de uma crítica e que a pessoa queria saber como “ajudar o sacerdote” a levar o processo a bom porto.
Nicola referiu que já houve várias conversas sobre o assunto no Comité e que é necessário fazer os padres perceber que “não têm de ser peritos em sinodalidade, não têm que saber tudo”, devendo antes “dar espaço a quem percebe, delegar, ouvir”. Perante a sugestão de um apoio e suporte compassivos, a resposta de Clare fez sorrir todos os presentes.
“Convide-o para partilharem uma refeição, demonstre o seu carinho por ele! É uma questão de compaixão. Os nossos papéis de leigos também servem para incluir o clero onde o clero não se sente incluído. E alguns deles sentem-se ameaçados, postos de lado por este processo. Sejam amigos deles!”, pediu.
Houve também quem perguntasse se a prática de sinodalidade de outras Igrejas Cristãs tem algo a ensinar à Igreja Católica e ambas as conferencistas responderam que sim, mas advertiu que é necessário, em encontros ecuménicos, haver cuidado para não os transformar em encontros entre partidos, em que cada um mostra orgulhosamente o seu crachá ao peito, como já terá até acontecido em algumas situações em Inglaterra.
Outro participante questionou Clare e Nicola sobre a possibilidade de este Sínodo ser um primeiro passo para a criação de estruturas sinodais permanentes, de forma a que este não seja um evento único que até poderia cair em esquecimento.
A maneira como a Igreja está estruturada neste momento está muito assente nos papéis de liderança. Respeitar o papel do bispo neste momento não é sinodalidade, é só decente! Não gosto muito de falar em termos de «governo», acho que essa linguagem não é adequada para o Povo de Deus…
“Se este é o primeiro passo para essas estruturas? Não. Quem decide essas estruturas? A Igreja sempre imitou as organizações à sua volta e isso nem sempre nos serviu muito bem. Se saltarmos para essas estruturas muito rapidamente, acaba-se a parresia e com todo o objectivo do Sínodo. Isso seria um exercício de poder para alguns corpos. Lembrem-se: o Sínodo não é apenas sobre e para o Povo de deus, católicos ou cristãos…”, afirmou Clare.
Outras questões abordaram a actual “credibilidade extinta da Igreja”, algo em que as oradoras foram unânimes ao dizerem que “não será uma assembleia com mais leigos” a resolver o problema. Uma das últimas perguntas prendeu-se com a forma de fazer chegar o Sínodo às periferias e aos jovens.
“Em relação aos jovens, é necessário apostar na comunicação. Temos de ir aos locais onde eles estão, como nas redes sociais. E temos de mostrar-lhes como vamos apoiá-los e suportá-los neste processo. Tem que existir um papel e um espaço para eles, com escuta intergeracional”, defendeu Nicola.
A resposta de Clare, por sua vez, foi direcionada para as periferias e marginalizados.
“Como chegar até eles? Tomando a Igreja doméstica como exemplo. Se o fizermos, vemos como já estamos habituados a chegar às periferias. Quem tem uma família grande, como a minha, sabe que há muita diversidade e que nem sempre é fácil chegar a toda a gente. Às vezes há desacordo e aborrecimentos, mas é uma Igreja sempre envolta em amor e parresia. E sabemos que temos que escutar e apoiar todos os membros desta nossa Igreja, com a sua diversidade. As Igrejas domésticas são autênticos lugares de discernimento”, concluiu.
O “The Tablet” irá organizar outras conferências ao longo do processo sinodal. Poderá assistir mediante inscrição e pagamento. Os eventos disponíveis são permanentemente actualizados aqui.
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