Arquidiocese de Braga -

17 novembro 2021

Pe. Zollner diz que Confissão pode ser onde a Igreja luta contra os abusos

Fotografia CNS/Chaz Muth

DACS

O artigo de Zollner foi motivado pelo debate em França após a divulgação, em Outubro, de um relatório de uma comissão independente, que estima que mais de 330 mil crianças teriam sido abusadas por pessoas ligadas à Igreja desde os anos 50.

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Para proteger o sacramento da reconciliação como “canal de graça” para as vítimas de abusos sexuais, a Igreja Católica deve fazer um melhor trabalho a instruir os padres sobre o que fazer caso uma vítima revele o abuso de que foi vítima no confessionário, diz o padre jesuíta Hans Zollner.

“Se a Igreja fizesse mais para ajudar os confessores a serem ouvintes empáticos assim como interpretes proficientes dos ensinamentos morais da Igreja, tornaria-se mais claro que o sacramento da reconciliação pode ser um instrumento na luta contra os abusos”, escreveu Zollner num artigo no The Tablet.

“Se a Igreja não for capaz de explicar melhor porque é que não protege os abusadores e outros criminosos da justiça – e porque o segredo pode ajudar a salvaguardar crianças e adultos vulneráveis –, os legisladores podem começar a ter em mira a inviolabilidade do segredo da Confissão”, escreveu.

O jesuíta é membro da Pontifícia Comissão para a Protecção de Menores desde a criação deste organismo e presidente do Instituto de Antropologia: Estudos Interdisciplinares sobre Dignidade Humana e Cuidado na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma.

O artigo de Zollner foi motivado pelo debate em França após a divulgação, em Outubro, de um relatório de uma comissão independente, que estima que mais de 330 mil crianças teriam sido abusadas por pessoas ligadas à Igreja desde os anos 50.

O relatório provocou “a questão que tinha sido levantada depois da publicação de relatórios semelhantes na Austrália, Irlanda, Estados Unidos e noutros locais: deve ser obrigatório para um padre que tome conhecimento de abusos sexuais cometidos contra um menor em Confissão denunciá-lo às autoridades seculares?”

Zollner, no entanto, escreve que não existem provas que mostrem que a remoção do segredo da Confissão fosse prevenir casos de abusos.

O Código de Direito Canónico proíbe por completo um padre de revelar qualquer coisa que tenha sabido no confessionário, seja qual for a razão. Como escreve Zollner, “um padre não pode quebrar o segredo para salvar a sua própria vida, para proteger o seu bom nome, para salvar a vida de outro ou para ajudar o percurso da justiça. Padres que violem o segredo da Confissão são automaticamente excomungados.”

Enquanto o mau histórico da Igreja na prevenção de abusos e gestão das alegações tem criado suspeição sobre a protecção vigorosa ao segredo da Confissão, o jesuíta disse que este segredo faz as pessoas “sentirem-se livres para dizer coisas em Confissão que nunca diriam noutro lugar”.

Historicamente, e ainda hoje, afirma, esse “lugar seguro” é usado muito mais por sobreviventes e vítimas do que abusadores.

“Com a excepção dos capelães de prisões, é muito improvável que os padres alguma vez ouçam uma confissão de um perpretador de abusos sexuais sobre crianças. Apenas um padre me disse que tinha ouvido a confissão de um criminoso – e isso foi apenas numa ocasião”, escreveu.

Mas “uma vítima de abusos sexuais do clero, já adulta, disse-me que muitas vítimas se sentem culpadas, e que para elas é extremamente complicado falar pela primeira vez sobre o indescrítivel. Se não é possível ter certeza absoluta de que o que se diz no confessionário vai permanecer confidencial, um dos poucos lugares seguros onde é possível começar a falar de um caso de abuso pode ser perdido”.

Para ajudar as vítimas, proteger o segredo sacramental e promover a justiça, a Igreja Católica deve, segundo Zollner, publicar uma nova instrução para padres que ouvem confissões, decifrando aquilo que precisam de saber especificamente sobre casos de abuso ou de suspeitas de abuso.

Primeiro, disse, deveria reiterar “as obrigações de respeitar as leis sobre a denúncia de abusos fora do confessionário e reafirmar o segredo. Iria realçar a responsabilidade pessoal do confessor,” incluindo a exigência de “apelar a um perpretador que pare os abusos, que se entregue às autoridades e procure ajuda terapêutica”.

A instrução tornaria claro que “a absolvição pelo pecado do abuso não pode ser dada a não ser que tenha sido mostrada não só contrição sincera mas também uma vontade de compensar o mal praticado”.

“A instrução também tornaria claro que, no caso de uma vítima falar sobre ter sido violada, o confessor deve ouvir com empatia e respeito,” explica Zollner. “O padre poderia então oferecer-se para se encontrar com a pessoa que alega os abusos fora do espaço confessional e encorajar a contactar terapeutas e advogados. Deve ser dado um acompanhamento adequado, dado que muitas vítimas que falam sobre abusos pela primeira vez se sentem apreensivos sobre falar de novo sobre o que aconteceu, particularmente se puder abrir a área dos procedimentos legais.”

“O segredo da Confissão cria um espaço sagrado no qual um penitente é completamente livre de colocar perante Deus o que quer que tenha na sua consciência e – quando mostram contrição –encontrar perdão, reconciliação e um cicatrizar da ferida”, disse. “Que o segredo tenha, no passado, sido um pretexto para abusos e outros crimes não deve levar a que um canal de graça seja descartado”.