Arquidiocese de Braga -
28 setembro 2021
O “processo sinodal” é suposto começar no próximo mês: alguma coisa está a acontecer?
DACS com La Croix International
O legado do Papa Francisco provavelmente será determinado pelo sucesso ou fracasso dos seus esforços para envolver toda a Igreja na sinodalidade.
É talvez o projecto mais audacioso do seu pontificado.
O lançamento oficial do processo sinodal acontecerá de 9 a 10 de Outubro em Roma. O objectivo é envolver toda a Igreja na preparação da próxima assembleia ordinária do Sínodo dos Bispos, que será realizada em Outubro de 2023 em Roma, e se irá concentrar na própria questão da sinodalidade.
Está programado que as igrejas locais em todo o mundo católico se comecem realmente a envolver no processo sinodal no próximo dia 17 de Outubro. Pelo menos é o que deve acontecer, segundo os documentos do secretariado do Sínodo.
“O bispo diocesano local celebrará o mesmo programa [o Papa celebrou uma semana antes]: 1) Sessão de abertura e tempo de reflexão; 2) Orações litúrgicas e celebração da Eucaristia”.
Mas, na realidade, não é certo o que irá acontecer nas Igrejas locais.
O silêncio dos líderes católicos dos Estados Unidos
Curiosamente, ouvi de muitos amigos e colegas em todo o mundo que nada está a acontecenr nas suas dioceses: não ouviram nada sobre a preparação para a celebração dos sínodos locais, nem do seu bispo, nem do seu pároco.
Nas Igrejas de dois países em particular – Alemanha e Austrália – iniciou-se um processo sinodal ante litteram, isto é, antes que Francisco fizesse um projecto para toda a Igreja Católica.
Noutros países, como na Itália e Irlanda, os bispos iniciaram o processo. E na América Latina já existe uma cultura sinodal que pré-existe ao pontificado de Francisco (e da qual vem o Papa argentino); portanto, este processo sinodal poderia inserir-se perfeitamente na vida de muitas Igrejas locais. Mas, nos Estados Unidos, por exemplo, nada foi anunciado ou dito a nível nacional pela Conferência Episcopal (USCCB). Em vez disso, houve um silêncio total.
O “Plano Estratégico da USCCB 2021-2024” não menciona o processo sinodal – nem mesmo de passagem. E o mesmo pode ser dito sobre a maioria das dioceses.
As experiências de sinodalidade a nível diocesano são muito raras nos Estados Unidos – um sinal de subdesenvolvimento eclesial, mesmo dentro de uma Igreja que é muito mais sociologicamente vital do que as Igrejas na Europa, por exemplo.
Um referendo sobre o pontificado de Francisco
É de recordar que a pressão do Papa pela sinodalidade começou muito antes de Maio de 2021. Na verdade, foi em Outubro de 2015, durante uma assembleia do Sínodo dos Bispos.
Este é um momento delicado para o pontificado de Francisco. É verdade – como disse na longa entrevista que a rádio católica espanhola, COPE, transmitiu no dia 1 de Setembro – que “sempre que um Papa está doente, há uma brisa ou um furacão de conclave”.
Na mesma entrevista, Francisco disse a ideia de renunciar nunca lhe passou pela cabeça. O perigo para o Papa neste momento não consiste nos rumores sobre o próximo conclave, mas na espécie de referendo episcopal que ele convocou sobre si mesmo nos últimos meses.
Bispos cautelosos e pouco entusiasmados
Em primeiro lugar, houve o motu proprio “Traditionis custodes”, que emitiu a 16 de Julho. Isso dá a cada bispo a autoridade para decidir sobre a celebração da Missa pré-Vaticano II na sua diocese.
Pelo que vimos até agora, a maioria dos bispos, mesmo os mais fervorosos defensores da reforma litúrgica do Vaticano II, foram cautelosos e bastante pragmáticos ao abraçar o impulso do Papa para reduzir e limitar o uso do missal pré-conciliar.
Segundo, há um tipo de referendo que nas próximas semanas e meses dará aos bispos locais individuais o poder de votar: uma votação sobre se e como querem participar do “processo sinodal”.
Devemos estar preparados para a possibilidade de que, em algumas Igrejas locais e nacionais, a sinodalidade nunca chegará, ou pelo menos não durante este pontificado.
Em alguns casos, isso ocorre porque as condições objectivas e materiais da Igreja local não permitem a celebração de sínodos diocesanos e nacionais. Em outros casos, é uma questão de condições eclesiais e teológicas: clero local, bispos e outros actores eclesiais influentes que nunca ouviram falar de sinodalidade.
Alguns acham que é um desperdício de tempo ou um substituto da evangelização.
Uma história de fracasso
O processo sinodal visa “ajudar a desenvolver a conversão sinodal da Igreja”, disse a subsecretária do secretariado sinodal, a Irmã Nathalie Becquart, durante o briefing de 7 de Setembro no Vaticano.
É de esperar que na Igreja Católica global haja uma grande variedade de tipos de recepção – e mesmo de não recepção – do convite de Francisco para o processo sinodal 2021-2023.
Isto não é novo. Os historiadores sabem bem que a história dos sínodos é, do ponto de vista institucional, também uma história de fracasso.
O Concílio de Trento determinou que os bispos realizassem sínodos diocesanos e metropolitanos regulares: um sínodo provincial a ser celebrado a cada três anos e um sínodo diocesano todos os anos (Concílio de Trento, vigésima quarta sessão, 11 de Novembro de 1563, decreto de reformatione, capítulo II).
Uma norma semelhante pode ser encontrada no Código de Direito Canónico de 1917, que então ordenou que os sínodos diocesanos fossem realizados a cada dez anos (CIC 1917, cân. 356-362).
Claro, os sínodos que Trento e o Código de 1917 tinham em mente eram diferentes do que o Papa Francisco está a defender. Eles são menos participativos e menos inclusivos em relação aos leigos.
Em qualquer caso, a celebração regular dos sínodos locais nunca rvingou realmente. De notar que João Paulo II renunciou à ideia de sínodos frequentes. O Código de Direito Canónico revisto, que promulgou em 1983, diz: “O sínodo diocesano deve ser celebrado em cada uma das Igrejas particulares quando as circunstâncias o sugerirem, a juízo do Bispo diocesano, depois de ouvido o conselho presbiteral” (cân. 461, 1).
Visibilidade e verificabilidade
Há uma diferença entre a não celebração de sínodos na Igreja depois de Trento ou de acordo com o Código de 1917 e o possível fracasso, nas Igrejas locais, em receber o convite do Papa Francisco para participar do processo sinodal 2021-2023. É uma diferença de visibilidade e verificabilidade.
Agora é instantaneamente possível para qualquer católico ver a diferença que existe entre uma diocese na Alemanha e nos Estados Unidos, por exemplo, ou mesmo entre dioceses do mesmo país e até mesmo do mesmo estado, como San Diego e San Francisco (ambos na Califórnia, mas liderados por dois bispos muito diferentes).
Também será possível ver se o processo sinodal na Igreja local é genuíno ou apenas para exibição.
Também há uma diferença de ordem eclesial.
Na Igreja de Trento e no Código de 1917, era o elemento institucional, hierárquico que cobria todos os tipos de pecados.
Na Igreja contemporânea, a liderança carismática – pelo menos até recentemente – deveria sustentar a credibilidade da Igreja, mesmo quando era confrontada com o insustentável.
Essa ordem eclesial institucional e carismática foi varrida por forças massivas: a crise dos abusos, a globalização da Igreja e um novo ecossistema de média, só para citar alguns.
O pontificado de Francisco incorpora uma ordem eclesial diferente. E o sucesso ou fracasso do seu pontificado provavelmente será determinado pelo sucesso ou fracasso deste processo sinodal.
A sinodalidade eclesial depende tanto do institucional quanto do carismático.
É a componente hierárquica da Igreja – o Papa e os bispos – que convoca e conduz os sínodos. E, no entanto, não há sínodo sem uma participação espiritual que seja mais forte do que a simples obediência à hierarquia.
Seja bem-sucedido ou fracassado, este processo sinodal contribuirá para despojar o nosso discurso eclesial da pretensão e do engano institucional em nome do carisma.
Mas o sucesso ou o fracasso do pontificado de Francisco provavelmente será determinado pelo sucesso ou fracasso deste processo sinodal.
Artigo de Massimo Faggioli, publicado no La Croix International a 7 de Setembro de 2021.
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