Arquidiocese de Braga -

13 setembro 2021

Sinodalidade: o fruto da oração

Fotografia Sínodo 2023

DACS com Sínodo 2023

Carta do Cardeal Mario Grech enviada a todas as comunidades monásticas pedindo orações pelo Sínodo.

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Queridos irmãos e irmãs chamados à vida monástica e contemplativa,

O Santo Padre Francisco no seu Magistério recordou frequentemente a toda a Igreja a necessidade e a beleza de “caminhar juntos”, iniciando um processo sinodal que envolva “todos os níveis da vida da Igreja” (Documento sobre o processo sinodal, 3). O Papa afirma que “o caminho da sinodalidade é o que Deus espera da Igreja do terceiro milénio” (Discurso do Santo Padre Francisco na comemoração do 50° aniversario da instituição do Sínodo dos Bispos, 17 de outubro de 2015). Concretamente, trata-se de um processo sinodal que terá início nas Igrejas particulares, em outubro de 2021, para encerrar em outubro de 2023, com a celebração do Sínodo dos Bispos em Roma (cf. Documento sobre o processo sinodal).

Dirijo-me a vós, queridos irmãos e irmãs, antes do iminente passo tão decisivo para a Igreja no nosso tempo, porque, com a vossa preciosa vocação que enriquece toda a comunidade eclesial, sois custódios e testemunhas de realidades fundamentais para o processo sinodal que o Santo Padre nos convida a realizar. Considero que existem três palavras centrais na vida monástica e contemplativa que custodiais na vida da Igreja e na partilha com as irmãs e irmãos: escuta, conversão e comunhão.

Em primeiro lugar, “a escuta”. O Santo Padre no seu discurso já citado, afirma que “uma Igreja sinodal é uma Igreja da escuta, consciente de que escutar «é mais do que ouvir»”. A vida monástica e contemplativa colocou sempre no centro a experiência da escuta, até ao ponto de com frequência as regras monásticas das distintas tradições, não serem mais que recompilações de expressões bíblicas e evangélicas, para afirmar que a vida monástica e contemplativa é uma “encarnação” da Palavra de Deus escutada, meditada e interiorizada. Não podemos deixar de nos referir a este respeito ao começo da Regra de São Bento, o padre do monacato ocidental: “Escuta, filho!”. (RB, Prólogo). Este convite à escuta impregna toda a vossa vida, desde a escuta da Palavra de Deus nas Sagradas Escrituras à escuta dos irmãos e irmãs da comunidade, e dos homens e mulheres do nosso tempo. Escutar, precisamente por ser mais do que ouvir fisicamente, é aprender. A vossa vida é uma escola de escuta diligente das Escrituras, “como uma criança que se alimenta do peito da sua mãe” (Efrém, o sírio), ensina-nos também a escutarmo-nos profundamente a nós mesmos, aos outros e a Deus. A própria hospitalidade, tão comum nas comunidades monásticas e contemplativas, é uma experiência de acolhimento e escuta, que tem a sua fonte na vossa frequência às Escrituras, na lectio divina e em outros enfoques espirituais à Palavra de Deus.

O segundo termo do vocabulário que carateriza as vossas vidas e que gostaria de destacar é “conversão”. O Santo Padre afirma que “Caminhar juntos — Leigos, Pastores, Bispo de Roma — é um conceito fácil de exprimir com palavras, mas não é assim tão fácil pô-lo em prática”. Um verdadeiro caminho sinodal não pode prescindir da nossa vontade de sermos convertidos pela escuta da Palavra e pela ação do Espírito Santo na nossa vida. A vida monástica e contemplativa recorda a toda a Igreja que o convite à conversão está no coração do anúncio de Jesus, que percorria as aldeias da Galileia dizendo: “Convertei-vos, porque está próximo o Reino do Céu” (Mt. 4,17). O Batismo, vocação fundamental de cada discípulo do Senhor, é ao fim e ao cabo a primeira conversão trabalhada pelo Espírito nos nossos corações, mas toda a vida cristã, para ser autêntica, necessita de permanecer aberta ao caminho da conversão a Deus e à sua Palavra. Inclusive de um ponto de vista puramente humano, sabemos que a verdadeira escuta requer também uma conversão mútua, que nos leve a deixar para traz as nossas certezas e a entrar no terreno difícil, mas indispensável, do diálogo. Na vossa experiência de vida comunitária, na qual a sinodalidade deveria ser um elemento fundamental, conheceis bem não só a “beleza” de caminhar juntos, como também as inevitáveis dificuldades e as possíveis feridas. Por isso, também para o processo sinodal sugerido pelo Santo Padre para a Igreja universal, vós sois “peritos” desta dignidade da conversão, tanto nos aspetos positivos como nas dificuldades, com as quais não podemos desanimar, mas que têm de ser vividas com verdadeiro espírito de fé e esperança.

A terceira palavra de que sois custódios é “comunhão”. O Papa insiste nesta dimensão também em referência ao seu próprio serviço como Bispo de Roma. Ele afirma: “O facto de o Sínodo agir sempre cum Petro et sub Petro (...) não é uma restrição da liberdade, mas uma garantia da unidade”. As vossas vidas também o testemunham: o objetivo da escuta e da conversão é a comunhão. Nas vossas comunidades sabeis bem que a comunhão é também o critério último de discernimento e verificação do caminho sinodal. Pensemos no relato dos dois discípulos de Emaús, abordados pelo Senhor no caminho do seu desapontamento e desilusão (cf. Lc. 24,13-35). O episódio lucano termina com uma cena de “verificação eclesial” que marca o ponto de chegada do relato: “Levantando-se, voltaram imediatamente para Jerusalém e encontraram reunidos os Onze e os seus companheiros, que lhes disseram: «Realmente o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão!»” (Lc. 24,33-34). A comunhão eclesial é o selo do discernimento e verificação do caminho sinodal. Com a vossa vida comunitária, dais testemunho da verdade desta afirmação que podemos extrair da história de Emaús. De facto, na vida comunitária, própria da vida religiosa, experimenta-se como a comunhão, que não coincide com a uniformidade, é efetivamente o critério para verificar um autêntico caminho partilhado numa perspetiva de fé.

Mas o motivo que me leva a escrever-vos, quando nos aproximamos da abertura do processo sinodal em outubro próximo, tem que ver com outra palavra que pertence às cordas mais profundas da vossa vocação: “a oração”. É um termo que está profundamente ligado aos outros três que acabámos de abordar. O Santo Padre Francisco repete frequentemente: “rezem por mim”. Hoje peço-vos eu, interpretando o sentido que o Papa quer dar ao caminho sinodal: “rezem pelo Sínodo!” Se o caminho sinodal não é antes de mais um caminho eclesial de amor, ao Pai por Cristo no Espírito, certamente não dará os frutos esperados. A oração é o encontro dinâmico do amor no Deus Trino: na unidade multiforme que nos leva / impulsiona impulsa ao testemunho vivo. O Santo Padre Francisco, na Evangelii Gaudium, a propósito da evangelização, recomenda-nos que estejamos “bem apoiados na oração, sem a qual toda a ação corre o risco de ficar vã e o anúncio, no fim de contas, carece de alma” (EG, 259). Há um ministério de louvor e oração do qual vós sois um sinal vivo na Igreja. O salmista, no Salmo 134, convida os levitas e os sacerdotes do templo de Jerusalém a bendizer ao Senhor “dia e noite”, a levantar a suas mãos numa oração incessante. Há pessoas que, eleitas de entre o povo, que têm a tarefa de não abandonar nunca, nem de dia nem de noite, o ministério da oração e do louvor no templo do Senhor. Os sacerdotes e os levitas não ocupam o lugar do povo no serviço a Deus, mas são um sinal vivo do louvor perene que se eleva sem cessar ao Altíssimo por parte dos fiéis, mesmo que não estejam presentes no templo. Israel é “um povo de sacerdotes”. O Senhor disse a Moisés: “Vós sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa” (Ex. 19,6). Portanto, todo o povo tem a tarefa de ser “mediador” com Deus na humanidade, e de O louvar. No entanto, de entre o povo há alguns que têm a tarefa de expressar e manifestar esta dimensão que pertence a todo o Israel e à sua missão entre todas as nações. À luz deste texto podemos compreender o valor autêntico do ministério da oração e do louvor de que sois custódios por vocação: tendes na comunidade a tarefa de desempenhar o ministério da oração, da intercessão e da bênção. Nesta fase do processo sinodal, não vos peço que rezeis em vez dos demais irmãos e irmãs, mas que estejais atentos à dimensão espiritual do caminho que empreenderemos, para poder discernir a ação de Deus na vida da Igreja universal e em cada uma das Igrejas particulares. Sede para todos, como os levitas e sacerdotes do Salmo, “ministros da oração”, que lembram a todos, através do louvor e da intercessão, que sem comunhão com Deus não haverá comunhão entre nós.

Queridos irmãos e irmãs, quis dirigir-me a vós neste momento em que nos preparamos para iniciar o processo sinodal para pedir-vos que sejais custódios para todos “do pulmão da oração” (EG, 262). Seguramente não faltará a vossa contribuição em outros aspetos nos diversos momentos do nosso caminho sinodal, mas a vossa vocação ajuda-nos, mesmo que seja só pela presença, a ser uma Igreja que escuta a Palavra, que permita que o Espírito converta o seu coração, que persevere na “união fraterna (...) e orações” (cf. Act. 2,42).

Cardeal Mario Grech