Arquidiocese de Braga -

9 setembro 2021

O Sínodo dos Bispos não é um gabinete do Vaticano

Fotografia ANSA

DACS com La Croix International

Quando a linguagem imprecisa leva à confusão e a falta de compreensão é reforçada pelo uso de palavras erradas.

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A decisão do Papa Francisco de nomear a Irmã Nathalie Becquart como uma das duas co-subsecretárias do Secretariado Geral do Sínodo dos Bispos é um momento verdadeiramente histórico para a Igreja Católica.

A religiosa francesa de 52 anos não é apenas a primeira mulher a ocupar o segundo lugar neste cargo com sede em Roma. Ela também é a primeira leiga – entre homens e mulheres – a ser nomeada para um cargo que, recentemente, apenas tinha sido ocupado por um bispo.

De facto, o padre Luis Marín de San Martín, o agostiniano espanhol nomeado co-subsecretário juntamente com a irmã Becquart, será ordenado bispo.

Sabemos por que é que Nathalie não o será.

A Igreja Católica nunca ordenou padres ou bispos do sexo feminino. E o actual Papa disse que não é a favor de mudar isso porque, nas suas palavras, “isso levar-nos-ia a clericalizar as mulheres” (cf. “Querida Amazónia”, 100).

Clericalismo e clericalização têm conotações extremamente negativas no léxico de Francisco.

E depois de ter sido anunciado que apenas o subsecretário masculino do Secretariado do Sínodo seria elevado a bispo, Kate McElwee, directora executiva da Conferência de Ordenação de Mulheres, escreveu no Twitter: “Pobre rapaz, foi clericalizado”.

Verdade.

 

Mal-entendidos fundamentais sobre o Sínodo dos Bispos

No entanto, a nomeação de Nathalie Becquart é um passo importante para a abertura de cargos relacionados com a tomada de decisão nos níveis mais altos da Igreja às mulheres.

Mas a forma como esta notícia histórica foi relatada sugere que existem alguns mal-entendidos fundamentais sobre a exacta natureza do Sínodo dos Bispos e onde é que ele se encontra situado na estrutura de governo da Igreja Romana.

E esses mal-entendidos não se limitam aos jornalistas. Parecem ser partilhados por teólogos, padres, bispos e outros “especialistas” da Igreja também, começando com a linguagem imprecisa que usam para falarem sobre o Sínodo.

Tomás de Aquino era famoso por pressionar os seus parceiros de debate a definirem os seus termos, para serem mais precisos no uso da linguagem. As palavras significam o que significam. Devem ter lido que a irmã Becquart foi nomeada para um cargo importante no Vaticano ou que foi nomeada para um cargo importante na Cúria Romana. Isso não é verdade.

 

O Sínodo não é um gabinete do Vaticano

O Sínodo dos Bispos não faz parte da Cúria Romana. Não é um Dicastério do Vaticano.

O Sínodo, que Paulo VI estabeleceu no final do Concílio Vaticano II em 1965, é “um conselho permanente de bispos”.

É “constituído de tal forma que é 1) uma instituição eclesiástica central; 2) representando todo o episcopado católico; 3) pela sua natureza perpétua; 4) quanto à estrutura, cumprindo a sua função durante um tempo e quando é convocado”.

O Sínodo está sob a autoridade directa do seu presidente, o Bispo de Roma, que o convoca a seu bel-prazer e por um determinado período de tempo.

Essas sessões não são chamadas de “sínodos”. São assembleias daquele órgão permanente denominado Sínodo dos Bispos.

Um erro que quase todos cometem, incluindo o Papa, é, por exemplo, falarem do “Sínodo Amazónico”, do “Sínodo de 1995”, do “Sínodo da Vida Consagrada” e assim por diante.

Na realidade, é a assembleia sinodal da Amazónia, a assembleia sinodal de 1995, a assembleia sinodal sobre a vida consagrada, etc.

 

Linguagem descuidada reforça a confusão

Mesmo o Código de Direito Canónico comete equívocos, muitas vezes usando termos descuidados e incorrectos, como “um sínodo”, quando na verdade se refere a uma assembleia do Sínodo dos Bispos. O Código e todos os outros documentos que cometem este erro devem ser revistos.

Podem dizer: “Ok, mas isso é apenas ser picuinhas e brincar com as palavras”.

Não é. O Sínodo dos Bispos ainda existe, e o seu trabalho continua, mesmo quando não está em sessão ou em assembleia.

Sem dúvida, as imprecisões devem-se um pouco ao facto de, na longa história da Igreja, o Sínodo, como Paulo VI estabeleceu, ser algo muito recente.

É uma mera criança. E levou quase 50 anos e foi necessária a eleição de Francisco até que um Papa decidisse que era altura de essa instituição permanente começar a crescer e a desenvolver-se.

E é isso que está a acontecer agora. O Papa está a tentar ajudar o Sínodo dos Bispos a atingir o seu potencial como uma componente essencial numa Igreja descentralizada; isto é, uma instituição livre do controlo excessivo da Cúria Romana.

De facto, durante grande parte da sua existência, o Sínodo esteve sob o controlo da Cúria. Francisco parece estar à procura de formas de corrigir isso. Quanto muito, deveria ser o Sínodo dos Bispos a dar à Cúria as suas ordens de marcha.

O Papa decidiu que a próxima assembleia geral do Sínodo dos Bispos, que convocou para o Outono de 2022, irá examinar a questão ou princípio mais amplo da “sinodalidade” e de que forma é que ela pode ser promovida em todos os níveis da Igreja.

Mas, esperançosamente, será também uma oportunidade para os especialistas em eclesiologia convidados para essa assembleia nos ajudarem a todos a purificar a nossa linguagem – e, assim, a aprofundar a nossa compreensão – sobre o que é realmente o Sínodo dos Bispos.

Afinal, as palavras significam o que significam.

Artigo de Robert Mickens, publicado no La Croix International a 13 de Fevereiro de 2021.