Arquidiocese de Braga -
30 julho 2021
Pandemia abriu novos espaços para a liderança leiga na Igreja
DACS
Dois teólogos católicos explicam como é que o coronavírus se tornou um catalisador inesperado para uma Igreja mais sinodal e liderada por leigos numa diocese suíça.
O Bispo Charles Morerod, um teólogo dominicano que tem sido o pastor de 700.000 católicos desde 2011, decidiu recentemente substituir os padres que têm servido como Vigários Episcopais por leigos que serão "representantes oficiais do bispo".
A mudança acontecerá brevemente em dois dos quatro cantões da diocese. Um deles é o cantão de Vaud, onde o teólogo Philippe Becquart dirige o programa de educação de adultos. Ele e Gregory Solari – um teólogo-filósofo, director da publicação religiosa Ad Solem e um dos formadores do programa – falou sobre os novos desenvolvimentos com Mélinée Le Priol, do La Croix International.
Como reagiram os católicos do cantão de Vaud (Lausanne) ao anúncio nesta Primavera de uma reorganização da diocese, que notavelmente abre caminho aos leigos no que diz respeito à sua governação?
Philippe Becquart: O processo diocesano iniciado pelo nosso Bispo está na verdade vinculado especificamente aos cantões. Aqui, no cantão de Vaud, tudo começou com um pedido muito concreto em 2018 do Vigário Episcopal, o Padre Christophe Godel. Houve problemas de governação em certas unidades pastorais (agrupamentos de paróquias) e tensões entre ministros ordenados e agentes pastorais leigos. Por isso, o sacerdote chamou alguns teólogos com responsabilidades pastorais – nós os dois incluídos – para o ajudarem a encontrar soluções. Aos poucos, o que começou como uma reflexão sobre a governação tornou-se um grupo de trabalho mais global.
Gregory Solari: É preciso dizer que naquela altura o Papa Francisco começou a falar cada vez mais sobre a sinodalidade. A releitura do seu discurso de Outubro de 2015 para o 50º aniversário da instituição do Sínodo dos Bispos foi decisiva. Vimos nele uma resposta do Espírito Santo ao que percebemos no terreno como uma emergência: perceber que o que está no centro da Igreja é o povo de Deus. Durante uma reunião do conselho consultivo em Genebra, em Maio de 2019, apresentámos as nossas conclusões ao bispo Morerod.
Philippe Becquart: Sem dizer que “inspirámos” o bispo, creio que contribuímos para a consciência da urgência da transformação pastoral. Além das considerações práticas que poderiam justificar esta reorganização (como a preocupação de ter mais padres “jovens” nas paróquias e, portanto, mais leigos no comando), trabalhamos muito na compreensão teológica e pastoral da sinodalidade como uma forma de renovação para a Igreja local.
Por que acham que esta reorganização está a acontecer agora?
Gregory Solari: O gatilho foi definitivamente a pandemia de Covid-19, que provocou este momento de pausa durante o qual o Bispo Morerod disse a si mesmo: “Este é o momento, devemos ir em frente!”. Acima de tudo, a crise de saúde revelou a fragilidade do trabalho pastoral no terreno, que estava muito centrado nos sacramentos: quando estes não puderam ser ministrados, os católicos ficaram confusos.
Philippe Becquart: A pandemia permitiu que muitos baptizados assumissem a sua responsabilidade. Privados dos sacramentos, tivemos que nos consciencializar do papel que cada um de nós deve desempenhar na difusão da Palavra de Deus e na prática da caridade. Precisávamos de reinvestir, portanto, na nossa missão de baptizados. Outro elemento contextual que acelerou a reorganização da nossa diocese foi a crise dos abusos sexuais. Foi um verdadeiro choque para o nosso Bispo, que esteve na vanguarda em termos de respostas institucionais.
Os cantões de Vaud e Friburgo terão, cada um, um leigo como “representante oficial do bispo” a partir de Setembro. Substituem os padres que serviram como vigários episcopais. Porque é esta mudança importante?
Philippe Becquart: Não é tanto um ponto de chegada, mas um ponto de partida. A nomeação de Michel Racloz, um teólogo leigo e homem de família, como representante do Bispo é um pré-requisito para outras mudanças que estão a ser consideradas. Mas isto não era óbvio! Em vez disso, o Vaticano, como o conselho consultivo dos bispos diocesanos, preferiu os leigos assumissem o papel de “coordenadores administrativos diocesanos”. Dar aos leigos responsabilidades administrativas e financeiras é geralmente aceite, mas dar-lhes responsabilidades pastorais é outra coisa... Mas foi o que aconteceu em Maio com o anúncio desses novos “representantes do bispo”.
Gregory Solari: Esta abordagem preocupa tanto os padres, como os fiéis. Isso é normal: a sinodalidade representa uma mudança de paradigma em relação ao que sempre conhecemos; isso perturba as nossas percepções. Para mim, um dos grandes projectos dos próximos anos é repensar a teologia do presbitério. Enquanto o Vaticano II reavaliou o papel dos bispos e dos fiéis, a “camada intermediária”, a dos sacerdotes, foi um tanto ou quanto esquecida.
A Suíça francófona pode ser um “laboratório” para a Igreja do futuro?
Gregory Solari: Sim, acho que sim. Em primeiro lugar, porque a democracia directa está muito bem estabelecida na Suíça. Em segundo lugar, porque a ala reformada está em maioria e essas igrejas há muito que desejam ser mais sinodais do que nós somos. O contexto eclesial e cultural da Suíça francófona pode, portanto, torná-la um laboratório fecundo.
Philippe Becquart: Claro, não nós não estamos a inventar nada. Já na década de 1990, o Arcebispo Albert Rouet criou as “comunidades locais” em Poitiers, que foram uma espécie de campo de prova para a sinodalidade!
Em todo o caso, esse tipo de experiência é um acto de fé: abandonamos um modelo anterior sem saber realmente o que vamos encontrar. O que caracteriza o caminho que aqui percorremos nos últimos três anos em relação a uma sinodalidade maior é a surpresa que marca cada passo em direcção a uma maior responsabilidade de todos os baptizados.
Este é um momento decisivo para a Igreja.
Entrevista de Mélinée Le Priol, publicada no La Croix International a 30 de Julho de 2021.
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