Arquidiocese de Braga -

7 junho 2021

A religião pode ajudar no desenvolvimento ecológico sustentável?

Fotografia Matthew Smith

DACS com La Croix International

A maioria das pessoas no mundo ainda depende das tradições espirituais para a sua visão da realidade, de significado e de valores.

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O Dia Mundial do Meio Ambiente, a 5 de Junho, é uma das datas mais importantes do calendário para celebrar o nosso ambiente e aumentar os esforços globais para salvar o planeta.

No Dia Mundial deste ano de 2021, a ONU irá lançar uma campanha para iniciar a Década da Restauração de Ecossistemas.

Comecemos por fazer duas perguntas: primeiro, o que é realmente um ecossistema? Segundo, como é que esse plano se encaixa nos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos em 2015, para o ambiente planetário?

 

Os ecossistemas e o seu valor

Os ecossistemas são a teia da vida na Terra. Um ecossistema compreende todos os organismos vivos e as interacções entre eles e com o ambiente à sua volta num dado local.

Eles existem em todas as escalas, desde um grão de areia até todo o planeta, e incluem florestas, rios, pântanos, pastagens, estuários e recifes de corais. Cidades e quintas contêm importantes ecossistemas modificados pelo ser humano.

Os ecossistemas dão-nos benefícios inestimáveis. Incluem um clima estável e ar respirável; abastecimento de água, alimentos e materiais de todos os tipos; e protecção contra desastres e doenças.

Os ecossistemas naturais são importantes para a nossa saúde física e mental, e para a nossa identidade. Eles são o lar de uma preciosa vida selvagem. Para muitos, eles são uma fonte de admiração e espiritualidade.

No entanto, em todo o mundo, os ecossistemas enfrentam ameaças massivas. As florestas estão a ser desarborizadas; os rios e lagos, poluídos; os pântanos e turfeiras, drenados; as costas e os oceanos, degradados e a sofrerem com a pesca predatória; os solos de montanhas, erodidos; e as terras agrícolas e as pastagens, superexploradas.

A menos que mudemos os nossos hábitos e protejamos e restauremos os nossos ecossistemas, não só destruiremos as paisagens que amamos, mas também iremos minar os fundamentos do nosso próprio bem-estar, deixando um planeta degradado e inóspito às gerações futuras.

Portanto, cuidar dos nossos ecossistemas é uma parte importante da preservação do nosso ambiente e é um dos principais Objectivos de Desenvolvimento Sustentável – há 17 deles – que foram negociados como objectivos para o mundo.

 

Os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável

Os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ou ODS) foram estabelecidos em 2015, como resultado de um longo processo de deliberação. Eles reflectem um consenso internacional vital para o futuro da nossa civilização, para estarem à altura dos desafios que a humanidade irá enfrentar no século XXI.

Quais são alguns desses desafios? Citamos alguns: a disponibilidade de água, a protecção contra a radiação ultravioleta, a escassez de alimentos, a produtividade agrícola, a saúde pública, a estabilidade política, a segurança nacional e os padrões de migração.

Como é que as grandes comunidades podem ser motivadas a resolver essas questões de maneira sustentável? E, mais importante, qual é a potencial contribuição da religião para o desenvolvimento sustentável?

 

Desenvolvimento sustentável e perspectivas religiosas

Até agora, a abordagem geral ao ambiente tem sido tecnocrática e utilitarista. Muitos desprezam a religião por representar uma visão do mundo retrógrada e obscurantista. Para pessoas como essas, a religião não tem nenhum papel a desempenhar num debate essencialmente técnico, não relacionado com questões de fé.

No entanto, também é preciso admitir que a visão utilitarista prejudicou gravemente as relações entre os seres humanos e a natureza.

Existem outras pessoas, todavia, que têm uma perspectiva diferente.

Isto não acontece só por as questões ecológicas terem implicações morais, mas também porque a grande maioria das pessoas no mundo ainda depende das tradições espirituais para uma visão da realidade, para significado e valores e para orientação ética.

As grandes tradições religiosas oferecem uma alternativa à visão tecnocrática da natureza.

Como exemplo, tomaremos duas dimensões da tradição cristã, a profética e a sacramental.

 

A dimensão profética

“Uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres” (Laudato si’, n. 49).

Na tradição profética da Bíblia, a condenação da injustiça social está intimamente ligada à degradação ambiental.

Hoje, essa denúncia deve estar relacionada também com as gerações que ainda não nasceram e aos vizinhos distantes, como consequência do uso indiscriminado dos recursos naturais.

Portanto, precisamos de criticar severamente este paradigma tecnocrático que gerou um antropocentrismo desviante.

A perspectiva religiosa afirma que não se pode falar de ecologia sem falar de justiça social ao mesmo tempo.

Não são duas as crises que estamos a enfrentar – uma ambiental e outra social –, mas sim uma crise complexa que exige uma “escuta dupla” – da terra e dos pobres, do momento presente e da história passada, do contexto local e da dinâmica global.

O Papa Francisco está certo ao dizer que “é fundamental procurar soluções integrais que considerem as interacções dos sistemas naturais entre si e com os sistemas sociais” (LS 139).

 

A dimensão sacramental

“É nossa humilde convicção que o divino e o humano se encontram no menor detalhe da túnica inconsútil da criação de Deus, mesmo no último grão de poeira do nosso planeta” (LS 9).

Cada tradição espiritual tem a sua própria maneira de expressar uma visão sacramental do mundo.

O cristianismo define o sacramento como “um sinal exterior da graça interior”, mas vai muito além da lista tradicional dos sete sacramentos e reconhece toda a criação como um “proto-sacramento”, um sinal visível da presença divina que permeia o mundo material.

De facto, os signatários da declaração inter-religiosa que precedeu o Acordo do Clima de Paris de 2015 afirmaram:

“A verdadeira natureza da nossa relação com a Terra é a de que ela não é um recurso a ser explorado do modo que quisermos, mas uma herança sagrada e uma casa preciosa que devemos proteger.”

Essa visão sacramental da Terra, comum a todas as tradições religiosas, está muito longe da visão unidimensional, utilitarista e materialista tão presente nos discursos técnicos das organizações internacionais.

Ela sublinha que “os outros seres vivos têm um valor próprio” (LS 69) e que os ecossistemas “possuem um valor intrínseco, independente de tal uso [razoável]” (LS 140).

A compreensão cristã da natureza não é antropocêntrica ou materialista. Ao invés disso, ela considera toda a criação como “um mistério gozoso que contemplamos na alegria e no louvor” (LS 12). Destruir a natureza, portanto, significa destruir as mediações da vida sobrenatural.

Nesse sentido, por conseguinte, a prática da contemplação pode tornar-se um exercício de restauração e reconciliação.

Uma visão sacramental do mundo – juntamente com a visão profética – fornece-nos um ponto de entrada privilegiado na questão ecológica.

 

Uma agenda para nós mesmos

A nossa exposição sobre os ecossistemas e sobre a perspectiva religiosa dos objectivos sustentáveis leva-nos a conclusões práticas. Aqui estão duas para começar:

Mude o seu comportamento, mude os seus hábitos de consumo para direccionar os recursos para empresas e actividades que restauram a natureza, em vez de prejudicá-la. E encoraje outros a fazerem o mesmo.

Faça a sua voz e ideias contarem nos debates sobre como se deve gerir o seu ambiente local e sobre como tornar as nossas sociedades e economias mais justas e sustentáveis. Pressione os tomadores de decisões a fazerem a coisa certa.

 

Artigo do Pe. Myron J. Pereira, sj, publicado a 3 de Junho de 2021 no La Croix International.