Arquidiocese de Braga -

6 abril 2021

Finanças da Igreja: perigos e possibilidades

Fotografia © Mazur/cbcew.org.uk

DACS com The Tablet

A pandemia está a ter um impacto devastador nas receitas da Igreja e, num momento de necessidade urgente, algumas vozes influentes estão preocupadas com a crise que se aproxima.

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Foi um ano diferente de qualquer outro. Mas, neste Domingo de Páscoa, os católicos sentiram um certo alívio: não só porque as vacinas contra o coronavírus estão a chegar e o fim dos confinamentos está à vista, mas também porque puderam ir à missa. No ano passado, a Semana Santa e a Páscoa aconteceram no início de um confinamento profundo e as igrejas foram todas fechadas. Alguns estiveram na igreja, com as suas vidas para sempre transformadas: entes queridos perdidos, empregos perdidos, esperanças no futuro frustradas. Outros estiveram em casa, talvez a assistir à transmissão da missa, como se tornou sua prática regular. Alguns, talvez pela primeira vez nas suas vidas, simplesmente perderam completamente os serviços religiosos da Páscoa. Um retorno à vida normal não parece não estar muito longe. No entanto, isso é realmente possível - ou mesmo desejável?

A pandemia de coronavírus mudou a sociedade e a Igreja mudou tanto quanto qualquer outra parte dela. O distanciamento social significa que as igrejas não estão tão cheias como antes. Algumas pessoas nunca mais voltarão. Perderam o hábito; a obrigação de participar na missa no Domingo já não lhes importa como anteriormente. Alguns podem até sentir que estão mais protegidos do vírus se ficarem em casa a assistir a uma missa em directo a partir de uma igreja por eles escolhida, na segurança dos seus computadores.

A transmissão em directo tem sido uma das histórias de sucesso da pandemia. Muitas igrejas e catedrais descobriram que um número substancial de pessoas – muito mais do que as que compareciam pessoalmente – estão a participar na eucaristia. Grupos de oração e estudo transmitidos ao vivo também se mostraram populares. Uma questão a ser discutida é como é que, nesta era digitalmente confortável, as paróquias serão capazes de atrair de volta a maioria dos participantes na missa e, ao mesmo tempo, persuadir alguns daqueles que ainda se encontram indecisos a cruzar fisicamente a soleira da porta. Muitos dizem que isso será essencial para o futuro espiritual e pastoral da Igreja. Mas há outra razão pela qual o regresso das pessoas aos bancos da igreja é essencial: dinheiro.

A oração pode ser essencial para a fé, mas toda a instituição requer dinheiro para olear as suas rodas. A Igreja tem que prover um estipêndio aos padres e pagar aos seus funcionários um salário, financiar os seus edifícios e atender às muitas necessidades pastorais que as pessoas esperam que a Igreja satisfaça. Sem as pessoas irem igreja, as receitas perderam-se. E, como resultado, como a Arquidiocese de Liverpool colocou no seu relatório anual, a pandemia global “teve um impacto catastrófico nas actividades de caridade e nas finanças da arquidiocese e das suas subsidiárias”.

Para Liverpool, esse desastre económico aconteceu em parte devido ao colapso da receita de operações comerciais de comércio e actividades de caridade, mas, acima de tudo, foi causado por uma queda acentuada nas doações. Isso foi replicado em paróquias e dioceses em toda a Inglaterra e País de Gales.

Muitos leigos que trabalhavam em dioceses foram para layoff, com até 80% dos seus salários financiados pelo programa do governo, que foi prorrogado até Setembro. À medida que as restrições começam a ser levantadas, os empregadores terão que ajudar a cobrir o custo dos salários dos trabalhadores dispensados. Na Diocese de Leeds, por exemplo, um quarto dos funcionários tem uma combinação de licença em tempo integral e licença flexível. “No auge”, disse-me um porta-voz, “perto de 50% dos nossos funcionários” estavam em layoff.

Mas as dioceses precisam de olhar muito além do layoff para encontrar maneiras de amenizar as suas perdas. Como diz um especialista financeiro que aconselha os bispos: “Os problemas pioraram muito, muito mesmo, para as dioceses. A situação é terrível”. Funcionários que trabalham em departamentos diocesanos de educação não podem ser colocados em layoff. Nem pode o número de pessoas que trabalha na segurança ser reduzido; na verdade, os custos de garantir que as paróquias e escolas sejam espaços seguros para as crianças estão a aumentar à medida que a Igreja faz disso uma prioridade depois das críticas que recebeu no ano passado do Inquérito Independente sobre Abuso Sexual Infantil (IICSA). Para algumas dioceses, o seu envolvimento no próprio IICSA acabou por ser uma grande dor de cabeça financeira. De acordo com o seu relatório anual mais recente, em 2019 Birmingham gastou 277 mil libras para atender aos requisitos de informação do inquérito, e outros 180 mil em honorários jurídicos e profissionais – nenhum deles recuperável através das seguradoras, uma vez que não resultou de quaisquer sinistros.

Ao mesmo tempo que a receita das doações das congregações está a cair, as dioceses estão a relatar um declínio na receita de investimento. Em dioceses onde a situação financeira calamitosa das paróquias significa que elas não podem pagar a sua taxa diocesana mensal, as reservas de dinheiro podem ter que ser accionadas. Birmingham, Liverpool e Clifton estão entre as dioceses cujos relatórios anuais referem a necessidade de mexer nas reservas.

Parte da solução pode muito bem ser para as dioceses – e até mesmo para as paróquias que têm meios – liquidarem alguns dos seus activos. Os terrenos ou propriedades deixados à Igreja podem ter de ser vendidos. “Pode não ser ideal vender no meio de uma pandemia”, disse-me um administrador diocesano, “mas alguns podem pensar que não têm alternativa”.

Então, o que podemos pensar do futuro? As doações regulares dos participantes na eucaristia continuam a ser o alicerce financeiro do qual tudo o resto depende. Haverá ainda mais esforços para persuadir os paroquianos a dar de acordo com as suas posses. Esforços também estão a ser feitos para encorajar mais doações sem dinheiro. Na arquidiocese de Birmingham, por exemplo, 18 pontos de pagamento sem contacto foram instalados nas igrejas e outros 10 serão inaugurados nas próximas semanas. Em Leeds, onde a receita caiu 30%, a diocese cortou a sua as suas despesas em 25%. Também se está a concentrar na expansão de doações electrónicas, declarações de múltiplos donativos e doações por mensagem de texto, medidas que geraram 200 mil libras no ano passado.

Houve soluções criativas para a crise, mas as dores de cabeça financeiras continuam a aparecer. Todas as dioceses têm padres idosos, que precisam de um sítio para viver e, muitas vezes, de cuidados especializados de enfermagem que são caros. E, com a queda do número de ordenações, as funções que os padres poderiam ter desempenhado anteriormente devem ser realizadas por leigos, “muitos dos quais serão uma alternativa mais cara”, como afirma o relatório anual da arquidiocese de Birmingham.

Mesmo sem a pandemia, as dioceses já enfrentavam o desafio de diminuir o apoio financeiro dos leigos. Os números em Liverpool, por exemplo, são gritantes: em 2019, a média semanal de participações na missa era de 38.314 pessoas, uma queda impressionante de 55% em relação aos 85.357 relatados em 2000.

Menos pessoas já estavam a pagar salários mais altos, aumentando os custos de manutenção de igrejas históricas e do aumento de procura dos serviços pastorais e de bem-estar da Igreja. Várias pessoas em Westminster esperam que a queda no número de participantes continue após a pandemia, e não apenas porque alguns preferem continuar a transmitir a missa ao vivo.

O aumento do custo de vida em Londres está a expulsar as pessoas da diocese – embora, sem dúvida, acabem noutras dioceses. O Brexit pode levar alguns europeus que moraram em Londres nos últimos anos – sejam banqueiros parisienses ricos ou pintores-decoradores poloneses – a voltar para casa. “Uma estimativa conservadora”, diz o relatório anual dos administradores de Westminster à Comissão de Caridade, “seria que a instituição de caridade precisa de ser resistente a uma redução de 20% da população católica”.

Isso tem consequências em quase tudo o que uma diocese faz. Afecta a procura de vagas escolares, diminui os rendimentos, significa que as paróquias se tornam menos “vibrantes”. E também pode significar, assim como o impacto da pandemia nas finanças significa, que os administradores diocesanos se tornam tão focados em problemas financeiros que fazer face às despesas começa a importar mais do que a visão ou cuidado pastoral.

Isto é algo que preocupa profundamente um dos pensadores mais influentes da Igreja, o Abade Christopher Jamison. “A Igreja na era da pandemia enfrenta três desafios: o eclesial, o social e o financeiro”, diz. Enquanto o desafio eclesial diz respeito ao cuidado dos fiéis, o desafio social diz respeito ao compromisso da Igreja com o resto da sociedade, especialmente as pessoas mais necessitadas: aqueles que perderam os seus empregos na pandemia, que estão desamparadas ou que estão espiritual e emocionalmente feridos pelos últimos 12 meses. Jamison teme que o desafio financeiro passe a dominar a atenção da Igreja. “Precisamos de ter cuidado”, diz Jamison, “porque, se as finanças o exigirem, isso pode levar a resultados perversos. Precisamos primeiro de uma visão eclesial e só depois de encontrar os fundos. Se inspirarmos as pessoas, isso pode acontecer”.

Com dioceses agora administradas por fundos diocesanos que reportam à Comissão de Caridade, elas têm o dever de garantir que continuam em actividade. “Para os bispos, a era da pandemia é um verdadeiro desafio. Serão desafiados a gerar uma nova visão para a Igreja”, refere Jamison.

A procura de missas transmitidas ao vivo e por retiros e aconselhamento online sugere que depois de um ano extraordinário as pessoas estão mais abertas à fé do que durante toda uma geração. Pessoas como os católicos que participam na eucaristia estão à espera de ver que visão a Igreja moderna oferece. Como o ex-mestre da ordem dos pregadores, Timothy Radcliffe afirma: “É impossível para nós prever hoje as consequências finais desta pandemia. Houve muitas pandemias no passado, mas esta é a primeira que está a ser vivida como global. Todos os dias é possível ler quantas pessoas foram infectadas ou morreram em todos os países do planeta. Isso pode levar à desintegração social. Mas, se agarrarmos a oportunidade, isso também pode levar a um aprofundamento dos nossos laços. É um momento de perigo, mas também de possibilidades”, conclui.

 

Artigo de Catherine Pepinster, publicado no The Tablet a 31 de Março de 2021