Arquidiocese de Braga -

12 janeiro 2021

"A solução não é virar as costas. O mal perde a sua força quando é reconhecido"

DACS

O Pe. Michael Kelly SJ é o director da Union of Catholic Asian News (UCA News) e escreveu um artigo no "La Croix" onde fala sobre os mais recentes escândalos que abalaram a Igreja.

\n

No seu texto “Crescendo com o escândalo”, o Pe. Michael Kelly SJ fala dos conselhos que recebeu, ainda jovem, de um sacerdote mais velho e que na altura considerou como “inúteis”. O sacerdote ter-lhe-á dito: “És um tipo estranho de cristão se és desviado do teu percurso pelos pecados e falhas dos outros!”.

Na altura, o jovem jesuíta indignou-se. Hoje percebe que o conselho de então fora inútil por tê-lo recebido numa fase de “imaturidade moral e espiritual”, em que os pecados de outras pessoas o faziam querer optar por uma de duas alternativas: condená-las, ou afastar-se delas indignado.

“Fazemos isso e fazemos por vários motivos: para nos protegermos dos agentes do cinismo desmoralizante; para mantermos a presunção de que não somos afectados por qualquer compromisso com as forças das trevas; para mantermos uma visão de nós mesmos como estando sempre certos e do lado das forças que aumentam o crescimento e as oportunidades. E deve haver outras razões. Hoje, na Igreja, a tentação de se entregar a esse tipo de justiça própria está amplamente disponível”, afirma.

O sacerdote afirma que “as inadequações pessoais, a remoção do mundo real em que todos os outros têm de viver, a incompetência profissional, a má gestão, às vezes criminosa, de líderes da igreja e o compromisso duradouro de evitar responsabilidades” são alguns dos exemplos que contribuem para “a vontade de deixar de ser membro da Igreja católica enquanto participante e apoiante de uma instituição corrupta e que corrompe”.

“Não é raro ouvir perguntas como as seguintes: «Por que farias parte de algo que protege os abusadores de crianças? Por que gostarias de estar numa organização que encobre traições de confiança e os delitos da sua liderança?». Bem, claro que não gostaria. No entanto, a minha resposta não é ir embora, mas sim enfrentar o desafio de descobrir a maturidade moral que esses incidentes propõem", explica.

 

“Na minha experiência, a única forma de contabilizar os efeitos dessas falhas – a prevalência do mal no nosso mundo e o comportamento negativo dos cristãos – é frustrá-los na fonte. Mas realizar isso é tanto um presente de Deus, quanto uma recompensa por qualquer esforço da nossa parte. O mal perde a sua força se os seus efeitos forem simplesmente absorvidos, uma vez reconhecidos. Não estou a sugerir negação ou passividade. Mas responder na mesma moeda é sempre o movimento errado. Reconhecer e absorver o mal é realmente a única maneira de matá-lo na fonte, mesmo que o preço de fazê-lo seja caro, como Jesus descobriu ao adoptar essa abordagem para combater o mal.”

 

Kelly aponta o exemplo de Jesus, ridicularizado pelos escribas e fariseus depois de passar tempo com pecadores, cobradores de impostos e prostitutas. Jesus fê-lo precisamente para sublinhar uma característica especial da Sua mensagem e ministério: Ele está entre entre os homens “precisamente por aqueles que agem erradamente”.

Claro que há um problema mais profundo quando se trata de uma instituição tida como portadora da vida de fé que é adoptada por um incontável número de pessoas. O sacerdote questiona: mas será que a participação na instituição faz com que todos os seus membros fiquem imbuídos de uma moral e espiritualidade neutras? Kelly considera que não e aponta as conclusões do teólogo Karl Rahner, que teve um grande impacto na Igreja no Concílio Vaticano II (1962-65). Rahner terá observado que duas coisas em particular impediam a descoberta da fé por muito mais pessoas: a primeira era a presença generalizada do mal que ameaçava esmagar as esperanças de crescimento de um mundo melhor, minando assim a confiança na presença e acção de um Criador totalmente benigno. A segunda era o efeito destrutivo do exemplo dos cristãos, da forma como eles se trataram uns aos outros e a quase todas as outras pessoas que não estiveram do seu lado em momentos específicos. 

“Na minha experiência, a única forma de contabilizar os efeitos dessas falhas – a prevalência do mal no nosso mundo e o comportamento negativo dos cristãos – é frustrá-los na fonte. Mas realizar isso é tanto um presente de Deus, quanto uma recompensa por qualquer esforço da nossa parte. O mal perde a sua força se os seus efeitos forem simplesmente absorvidos, uma vez reconhecidos. Não estou a sugerir negação ou passividade. Mas responder na mesma moeda é sempre o movimento errado. Reconhecer e absorver o mal é realmente a única maneira de matá-lo na fonte, mesmo que o preço de fazê-lo seja caro, como Jesus descobriu ao adoptar essa abordagem para combater o mal”, explica.

O sacerdote jesuíta termina o texto explicando que as acções descuidadas e imprudentes de outros cristãos não desaparecem apenas porque eles são intimidados com elevados princípios morais.

“Isso não funciona e nunca dura. Viver com o mal, lutar contra situações não resolvidas e pessoas irreconciliadas, e procurar o que pode significar a reconciliação... Para fazer isso, precisamos de abraçar o que celebramos no Natal e na Páscoa, juntos, como as duas faces da mesma moeda”, conclui.