Arquidiocese de Braga -
23 janeiro 2020
Oração Ecuménica: “Estamos todos no mesmo barco, mas só há um Capitão!”
Fotografias e Texto: DACS
A Igreja Metodista de Braga acolheu ontem à noite, dia 22, a Oração Ecuménica que assinalou a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos. Presentes estiveram o Bispo Auxiliar de Braga, D. Nuno Almeida, o Bispo da Igreja Metodista, D. Sifredo Teixeira, o B
A Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, que une milhões de pessoas de várias Igrejas até ao dia 25 de janeiro, recorda este ano os migrantes e refugiados que são vítimas de naufrágios no Mediterrâneo.
Assim, não será de estranhar que a reflexão proposta às Igrejas cristãs de todo o mundo tenha partido do relato bíblico do naufrágio de São Paulo II, que o levou até à ilha de Malta, onde, segundo o livro dos Actos dos Apóstolos, terá sido tratado com uma “amabilidade fora do comum”.
“Estamos todos no mesmo barco, mas só há um Capitão!”
Pastor Emanuel de Carvalho
A Igreja Metodista de Braga esteve apinhada com leigos e religiosos das várias confissões e encheu-se de cânticos alegres para a Celebração Ecuménica. D. Sifredo Teixeira foi o responsável por proferir as palavras de acolhimento.
“Caros irmãos e irmãs em Cristo, aqui nos reunimos para orar pela unidade entre cristãos e pela reconciliação no mundo. As divisões entre cristãos existem há séculos. Isso causa muita dor e é contrário à vontade de Deus. Acreditamos no poder da oração. Juntos, com os cristãos do mundo inteiro, oferecemos as nossas preces enquanto buscamos superar a separação”, começou por dizer.
O Bispo sintetizou os dois capítulos finais do livro dos Actos dos Apóstolos e explicou que a celebração, com o tema “Trataram-nos com uma amabilidade fora do comum”, a esse relato se devia. D. Sifredo desejou ainda, em nome de todos os representantes, que “o amor e respeito” demonstrado uns com os outros durante a celebração se estendessem pelo ano inteiro.
O Bispo Auxiliar D. Nuno Almeida substituiu D. Jorge Ortiga na celebração, explicando, em tom de brincadeira, que nem o Arcebispo Primaz está imune às pequenas gripes. Ainda assim, o Bispo Auxiliar afirmou que D. Jorge estaria em comunhão com todos os presentes e encarregou-se de transmitir algumas palavras do Arcebispo.
“Precisamos de um mundo que seja realmente casa comum, onde todos saboreiem e provem a dignidade humana”
D. Jorge Ortiga
“Houve um tempo em que os cristãos viveram uns contra os outros e depois houve um tempo em que caminhavam lado a lado. Hoje importa caminharmos juntos, sempre em fidelidade às nossas Igrejas. Temos que dar um passo em frente e agir, procurar acções concretas”, adiantou, em nome do Arcebispo.
D. Nuno Almeida relembrou, durante a sua intervenção, ser ontem o dia em que a Igreja Católica celebra o centenário do nascimento de Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolares, a quem apelidou de “profetiza da unidade”.
“Vivemos num mundo de indiferença religiosa e humana. As diversas confissões terão de promover uma verdadeira cultura do encontro. Como diz o texto, Paulo e os amigos foram tratados com invulgar humanidade. É precisamente disso que precisamos e é chegada a hora de iniciativas concretas, não só no que diz respeito ao acolhimento dos refugiados”, sublinhou.
O Bispo Auxiliar apontou como exemplo a iniciativa das Igrejas Cristãs do Porto que, no fim-de-semana passado, rezaram pelo fim da violência, incluindo a doméstica. D. Nuno Almeida referiu ainda mais algumas áreas que necessitam do amor dos cristãos numa sociedade “tão dividida em guetos e nichos”, com tantas atitudes racistas e xenófobas.
“Precisamos de um mundo que seja realmente casa comum, onde todos saboreiem e provem a dignidade humana”, concluiu, citando D. Jorge Ortiga.
À margem do encontro e em declarações ao Departamento Arquidiocesano para a Comunicação Social (DACS), D. Nuno Almeida não escondeu a alegria por participar neste encontro em específico, a primeira vez desde que é Bispo Auxiliar de Braga.
“Aqui em Braga foi a primeira vez que participei, apesar de ter acompanhado há bastantes anos o D. António Monteiro, Bispo responsável na Conferência Episcopal pelo Ecumenismo na altura, em vários encontros. Para mim foi uma novidade na altura, em 1990, não havia até à altura encontros regulares e desconhecíamos os responsáveis das várias Igrejas. Não havia hostilidades, mas eram caminhos muito paralelos. Foi a partir dessa altura, de um encontro ecuménico em Santiago de Compostela, em 1990, 1991, que muita coisa começou a acontecer. Os encontros tornaram-se regulares e esta Semana da Unidade passou a ser vivida em conjunto e não só através da oração específica em cada Igreja”, relembrou.
O movimento ecuménico é para o mundo!
O Bispo da Igreja Lusitana, D. Jorge Pina Cabral, que interveio a seguir, pediu aos presentes que atentassem na imagem da barca do texto, tão relevante e identificadora dos tempos, já que a barca da Igreja também tem sido alvo de tempestades ao longo dos séculos, só tendo conseguido sobreviver pelo facto de a Igreja ser Santa e Deus omnipotente.
“Naquela barca e naqueles 276 homens está a imagem da humanidade que somos, também numa barca frágil que é a nossa casa comum, a Terra, assolada por questões transversais a todos, independentemente da sua raça, cultura, ou religião. Falo de questões como as do clima, as do pecado humano – de que são exemplo as guerras que desfiguram milhões de almas – e até as do sistema capitalista corrompido que enfrentamos, como se tem visto pelas últimas notícias”, afirmou.
D. Jorge Pina Cabral afirmou que a Igreja precisa de todos, sem excepção, já que os cristãos não estão à parte do mundo, fazendo antes parte dele. O Bispo disse ainda que, se Deus encarnou, foi para dizer aos cristãos que devem viver, mas com uma palavra de Esperança, assim como o Apóstolo Paulo teve para com os seus companheiros.
“O movimento ecuménico é para o mundo, que precisa da unidade dos cristãos. Temos de dar sinais de alento e esperança, como o Apóstolo Paulo fez. Olhemos para o pão que partiu, símbolo da eucaristia, e que também nos deve alimentar espiritualmente”, sublinhou.
O Bispo Lusitano indicou ainda que o movimento ecuménico tem de ir muito mais além de uma semana e citou o Arcebispo Primaz, dizendo que são necessárias acções concretas e que é a vida que faz a Igreja.
“Na barca todos forma iguais, companheiros, tripulação e prisioneiros. É mesmo assim que devemos ser: somos da mesma barca, somos todos baptizados em Cristo e parte do corpo de Cristo. Temos de ser palavras de alegria e esperança”, concluiu.
Coube a D. Sifredo Teixeira, Bispo da Igreja Metodista, a última intervenção da noite. O responsável referiu-se à iniciativa de ontem como um tempo para as Igrejas estarem juntas e procurarem em conjunto o Amor de Deus, pensando naqueles que mais precisam das suas orações.
“Na nossa vida temos tempos que não são fáceis precisamos de ajuda e das bênçãos de Deus. Temos de valorizar o aspecto do acolhimento e receber, acolher bem os que precisam de atenção e que muitas vezes nem conhecemos, são meros desconhecidos para nós. Mas somos chamados a cuidar deles e amá-los. O nosso testemunho enquanto cristãos é esse!”, referiu.
“Na barca todos forma iguais, companheiros, tripulação e prisioneiros. É mesmo assim que devemos ser: somos da mesma barca, somos todos baptizados em Cristo e parte do corpo de Cristo. Temos de ser palavras de alegria e esperança”
D. Jorge Pina Cabral
D. Sifredo pediu à assembleia que tivesse atenção a um facto curioso: se a tripulação tivesse dado ouvidos a Paulo, nunca teria chegado sequer a embarcar e não teriam passado por tamanhas tribulações, como é visível na leitura dos Actos dos Apóstolos.
“Muitas vezes não ouvimos o que Deus nos diz. Precisamos de estar juntos, mas também pedir que Deus esteja connosco para nos ajudar e animar. Temos de nos inspirar nesta relação profunda de Paulo com Deus. Paulo deu testemunho da sua relação e transmitiu confiança aos que estavam com ele, teve uma palavra profética. Também nós temos de ser assim”, pediu, fazendo referência ao alento de São Paulo no meio da tempestade.
O Bispo da Igreja Metodista pediu também aos presentes para não se deixarem cair no erro de pensarem que só os que são cristãos é que sabem cuidar dos outros. Como exemplo, apontou os habitantes da ilha que acolheram Paulo e os companheiros com uma “amabilidade fora do comum” e sobre os quais nada é dito em termos de religião.
“Não ousemos pensar que sabemos tudo sobre Deus, Ele age como quer. Precisamos de aprofundar a nossa relação com Deus e, muitas vezes, temos que deixar várias coisas para trás para o conseguir. Deus pede-nos que pratiquemos a justiça e bondade e que caminhemos humildemente com Ele, para podermos ser praticantes dessa «amabilidade fora do comum» com todos, sobretudo com os desprotegidos”, adiantou.
D. Sifredo Teixeira sublinhou ainda a oração como via primordial para procurar e chegar a Deus, pedindo aos presentes que nunca deixassem de rezar.
Durante a celebração, foram apresentados pelas diferentes comunidades oito remos, simbolizando oito preces diferentes: Reconciliação, Iluminação, Esperança, Confiança, Fortalecimento, Hospitalidade, Conversão e Benevolência.
Orar e concretizar
No final do encontro, o Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Braga voltou a sublinhar ao DACS a mensagem que o Arcebispo Primaz deixou aos presentes, apelidando-a de “incisiva, simples e clara”.
“É muito importante a oração e o encontro. Acima de tudo, torna-se fundamental o agir publicamente em conjunto, até porque nenhuma Igreja hoje tem sentido ser autorreferencial, como nos recorda o Papa Francisco. O testemunho, se for conjunto, acaba por ter outro impacto em causas como a da solidariedade, ou mesmo nas questões que o Porto está a levar por diante no que diz respeito à não-violência. Temos de ouvir o grito da terra e dos frágeis! Este encontro entre todos, este passo, é um passo novo que nos mostra que este caminho não foi em vão: é hora de um amadurecimento no empenho comum de serviço à sociedade em que vivemos”, apelou.
“Muitas vezes não ouvimos o que Deus nos diz. Precisamos de estar juntos, mas também pedir que Deus esteja connosco para nos ajudar e animar. Temos de nos inspirar nesta relação profunda de Paulo com Deus”
D. Sifredo Teixeira
Também D. Sifredo reforçou a importância deste testemunho conjunto para o reforço de causas que merecem a atenção de todos os cristãos e não cristãos num caminho que se pede que seja concreto.
“Se conseguirmos estar juntos, não só na oração, mas também em acções concretas – por exemplo ao condenarmos, como está a acontecer no Porto, a violência doméstica – estamos a dar um testemunho cristão de unidade em afirmações concretas. Podemos, e até já tem acontecido em algumas iniciativas, estar juntos para ajudar quem precisa. Estou a lembrar-me do Porto, onde já se juntaram cristãos de várias Igrejas para ajudar os sem-abrigo, para angariar alimentos, para ir junto deles dar-lhes uma palavra de testemunho, mas também ajudá-los concretamente”, recordou.
O Bispo da Igreja Metodista disse mesmo ser um sonho perpetuar esta Semana no tempo, algo que, felizmente, parece cada vez mais possível vir a acontecer.
“Viver este tempo o ano inteiro seria o concretizar deste sonho que tem sido alimentado por aqueles que se envolvem, que gostam de estar na linha da frente. Esse seria um testemunho fantástico para os cristãos darem a todos e também o concretizar do sonho do Senhor Jesus: estarmos juntos para que o mundo creia”, afirmou.
Em sintonia com estes dois responsáveis, D. Pina Cabral tentou identificar junto do DACS as razões que ainda não permitem que o Ecumenismo tenha uma dimensão mais significativa.
“A nível nacional, o que falta é confiarmos mais uns nos outros e percebermos que qualquer Igreja é minoritária no actual contexto em que vivemos. Sendo uma minoria, naturalmente temos que nos unir para conjugarmos recursos e esforços humanos, materiais e espirituais. O problema é que essa consciência ainda não está bem presente nos responsáveis. Falta também este aspecto que é importante: temos de viver o Evangelho numa perspectiva mais social, temos de ter uma fé mais inculturada, temos de poder encontrar-nos mais no terreno. Quando não estamos no terreno, também não estamos unidos”, explicou.
O Bispo da Igreja Lusitana disse ainda que talvez seja mais fácil partir de realidades e situações concretas para a unidade, em vez do inverso, como costuma acontecer, sugerindo à Igreja Católica que desempenhe um papel de maior liderança.
“Somos todos tão sensíveis às questões da paz, da ecologia, dos direitos humanos, da defesa das minorias, do acolhimento dos migrantes… Há realmente áreas onde se tornará fácil uma maior colaboração, porque todos os cristãos comungam desses mesmos valores. Claro que há outras áreas em que não estaremos tão sincronizados, mas nessas não será difícil. Podia haver por Diocese uma causa comum que todos pudéssemos abraçar!… Mas para isso a Igreja Católica tem que liderar”, concluiu.
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