Arquidiocese de Braga -
20 agosto 2018
Papa: abusos cometidos por sacerdotes são "atrocidades"
DACS
Pontífice escreveu Carta Aberta onde condena abusos por parte do clero e pede corresponsabilização de "todo o povo de Deus".
Citando São Paulo na primeira Carta aos Coríntios, o Papa Francisco falou do sofrimento vivido por muitos menores vítimas de abuso sexual, crime que "gera profundas feridas de dor e impotência" e pelo qual nunca será suficiente "pedir perdão e procurar reparar o dano causado".
"Nestes últimos dias, um relatório foi divulgado detalhando aquilo que vivenciaram pelo menos 1.000 sobreviventes, vítimas de abuso sexual, de poder e de consciência, nas mãos de sacerdotes por aproximadamente setenta anos. Embora seja possível dizer que a maioria dos casos corresponde ao passado, contudo, ao longo do tempo, conhecemos a dor de muitas das vítimas e constamos que as feridas nunca desaparecem e nos obrigam a condenar veementemente essas atrocidades, bem como unir esforços para erradicar essa cultura da morte; as feridas «nunca prescrevem»", apontou.
O Santo Padre admitiu "com vergonha e arrependimento" que a comunidade eclesial não soube estar onde deveria, nem tão pouco agiu a tempo de "reconhecer a dimensão e gravidade do dano" causado a tantas vidas, negligenciando e abandonando assim "os pequenos".
"A dimensão e a gravidade dos acontecimentos obrigam a assumir esse facto de maneira global e comunitária. Embora seja importante e necessário em qualquer caminho de conversão tomar conhecimento do que aconteceu, isso, em si, não basta. Hoje, como Povo de Deus, somos desafiados a assumir a dor de nossos irmãos feridos na sua carne e no seu espírito. Se no passado a omissão pôde tornar-se uma forma de resposta, hoje queremos que seja a solidariedade, entendida no seu sentido mais profundo e desafiador, a tornar-se o nosso modo de fazer a história do presente e do futuro, num âmbito onde os conflitos, tensões e, especialmente, as vítimas de todo o tipo de abuso possam encontrar uma mão estendida que as proteja e resgate da sua dor", apelou.
O Pontífice reconheceu ainda o esforço e trabalho que têm sido desenvolvidos um pouco por todo o mundo para garantir medidas que visem a segurança e protecção dos menores, bem como o caminho que tem sido percorrido em relação à implementação da "tolerância zero". No entanto, não deixou de fazer um apelo à consciência de cada um, de todos os membros da comunidade, ao Povo de Deus.
"Juntamente com esses esforços, é necessário que cada batizado se sinta envolvido na transformação eclesial e social de que tanto necessitamos. Tal transformação exige conversão pessoal e comunitária, e nos leva dirigir os olhos na mesma direção do olhar do Senhor. (...) Aprender a olhar para onde o Senhor olha, estar onde o Senhor quer que estejamos, converter o coração na Sua presença. Para isso nos ajudarão a oração e a penitência. Convido todo o Povo Santo fiel de Deus ao exercício penitencial da oração e do jejum, seguindo o mandato do Senhor, que desperte a nossa consciência, a nossa solidariedade e o compromisso com uma cultura do cuidado e o «nunca mais» a qualquer tipo e forma de abuso", explicou.
O Papa afirmou ainda ser impossível imaginar uma conversão do agir eclesial "sem a participação activa de todos os membros do Povo de Deus" e explicou que, de cada vez que a comunidade tenta "suplantar, silenciar, ignorar, reduzir em pequenas elites o povo de Deus", estão a ser construídas "comunidades, planos, ênfases teológicas, espiritualidades e estruturas sem raízes, sem memória, sem rostos, sem corpos, enfim, sem vidas". O Santo Padre considerou que tudo isto se traduz numa forma errada de entender a autoridade na Igreja, como é o caso do clericalismo, que voltou a condenar e a apontar como responsável pelo perpetuar de muitos males que são hoje denunciados.
"A única maneira de respondermos a esse mal que prejudicou tantas vidas é vivê-lo como uma tarefa que nos envolve e corresponde a todos como Povo de Deus. Essa consciência de nos sentirmos parte de um povo e de uma história comum nos permitirá reconhecer nossos pecados e erros do passado com uma abertura penitencial capaz de se deixar renovar a partir de dentro. Tudo o que for feito para erradicar a cultura do abuso em nossas comunidades, sem a participação activa de todos os membros da Igreja, não será capaz de gerar as dinâmicas necessárias para uma transformação saudável e realista", indicou, voltando a apelar ao jejum e penitência.
Bergoglio voltou a a falar em atrocidades quando afirmou ser imperativo que todos, como Igreja, possam reconhecer e condenar, com dor e vergonha, os abusos cometidos por pessoas consagradas, clérigos e todos aqueles que tenham a missão de assistir e cuidar dos mais vulneráveis.
"Peçamos perdão pelos pecados, nossos e dos outros. A consciência do pecado nos ajuda a reconhecer os erros, delitos e feridas geradas no passado e permite nos abrir e nos comprometer mais com o presente num caminho de conversão renovada. (...) Que o Espírito Santo nos dê a graça da conversão e da unção interior para poder expressar, diante desses crimes de abuso, a nossa compunção e a nossa decisão de lutar com coragem", concluiu.
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