Arquidiocese de Braga -

8 setembro 2016

O "nosso" Islamismo

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DACS

Artigo do Professor João Duque, Presidente do Centro Regional de Braga da UCP.

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É indiscutível que muitos dos nossos contemporâneos associam o nome do Islamismo à violência e mesmo ao terrorismo. O que é compreensível, tendo em conta os acontecimentos dos últimos anos. Mas é preciso ter cuidado com esses juízos genéricos e precipitados, que já têm conduzido a graves injustiças e mesmo a muitas atrocidades, em certos momentos da história.

Que a história da relação do Islamismo com a Europa é uma história complexa e sobretudo difícil, ninguém pode negar. E essa dificuldade parece ter-se agravado recentemente. A isso tem ajudado, não apenas os ataques dos últimos tempos, mas já antes o processos migratórios no centro e norte da Europa, nem sempre bem conduzidos pelas políticas de “integração”. Mas os horizontes são mais vastos, nomeadamente do ponto de vista histórico. E de modo particular, em Portugal.

De facto, a nossa história seria incompreensível sem a relação com o Islamismo. É claro que, de um modo geral, consideramos que essa relação foi violenta, nomeadamente através da conquista da península e de uma reconquista cristã de muitos séculos. Mas a história é mais complexa, como o é a nossa realidade atual e como o é toda a realidade, simplesmente. É sabido que durante muito tempo, sobretudo no sul da península, conviveram de modo pacífico – à maneira do tempo, é claro – Islamismo, Cristianismo e Judaísmo. E essa convivência – uma espécie de antecipação do denominado “Islamismo Europeu” que, na altura como agora, não era bem visto por muitos grupos islâmicos ou cristãos – teve marcas culturais e religiosas que ainda hoje perduram e que são bem mais profundas do que toda a violência que as possa ter acompanhado.

Hoje, as comunidades islâmicas em Portugal são, de novo, manifestação de que o Islamismo é, cultural e religiosamente, algo muito mais rico e complexo do que o ambiente geral faz supor. A sua tradição artística, literária, mística e teológica é muito rica e interessante – mesmo para quem não esteja de acordo com muitas das suas formas de ver o mundo. Também há muitos dos nossos contemporâneos que não estão de acordo com a leitura cristã do mundo, mas isso não invalida que a tradição cultural e religiosa do cristianismo seja de enorme valor e digna de respeito.

Talvez os tempos atuais estejam a exigir, nomeadamente a nós portugueses, que conheçamos melhor as diversas tradições islâmicas, a sua história e o seu presente, para assim fazermos uma leitura mais adequada da realidade, base essencial para a convivência pacífica das diferentes opções de vida. Isso inclui, sem dúvida, o debate respeitoso entre essas diferenças, mesmo naqueles aspectos mais polémicos, pois só em ambiente de sadio debate – que é a forma mais saudável de diálogo – é que poderemos afastar os fantasmas da violência, sempre injusta e inumana, seja para quem for.

É claro que, sendo nós cidadãos de um mundo comum, o desafio do conhecimento mútuo e do debate crítico é para todos. Nesse sentido, também as comunidades islâmicas são chamadas a desenvolver esse espírito, conhecendo mais a fundo e entrando em diálogo crítico com as tradições europeias, sejam elas culturais ou religiosas (ou a conjugação de todos esses elementos). Precisamente como reação a visões redutores, de ambos os lados, muitos grupos islâmicos europeus têm vindo a fomentar o desenvolvimento do pensamento crítico e esclarecido, no interior da tradição islâmica. Podemos considerar que se trata de uma tarefa difícil. Mas também foi difícil – e em alguns casos ainda o é hoje – o desenvolvimento do mesmo espírito no interior da tradição cristã. Por isso, é importante não desistir num projeto que a todos nos diz respeito.

E não adianta pretender resolver tudo com a expulsão da Europa. Neste momento, o Islamismo é também um fenómeno europeu que não podemos pretender anular. Há que encontrar caminhos para uma fértil relação pacífica, em muitos casos (mais esquecidos pela comunicação social) já existente. E esses caminhos são, inevitavelmente, pessoais, pois são as pessoas que originam paz ou violência. Mas são também institucionais e políticos. Aí, é essencial que as instituições políticas e culturais invistam estrategicamente na aprofundamento da grande tradição islâmica para, no respeito mútuo, afastarmos os fantasmas que nos ameaçam.

 

João Duque
Professor e Presidente do Centro Regional de Braga da UCP