Arquidiocese de Braga -

10 dezembro 2025

Opinião

A Capela de Nossa Senhora da Conceição

Hoje, os cristãos celebram a solenidade da Imaculada Conceição, evocando a muito discutida conceção da Virgem Maria sem o pecado original, aquela egocêntrica inclinação para o erro, com que todos os seres humanos parecem nascer.

Confirmada como dogma pelo Papa Pio IX apenas em 1854, a devoção a Nossa Senhora da Conceição já se encontrava disseminada por toda a Cristandade, devido fundamentalmente à ação dos franciscanos. 

A cidade de Braga será um dos lugares mais marcantes deste culto em Portugal, apresentando como seu baluarte mais significativo o santuário do Sameiro. No entanto, o primeiro espaço de culto devotado a Nossa Senhora da Conceição completa este ano precisamente cinco séculos de história. Referimo-nos à Capela de Nossa Senhora da Conceição, mais conhecida como Capela dos Coimbras ou do Senhor Morto. 

Criada em dependência da paroquial de São João do Souto, a capela localizava-se junto da Porta de São João, uma das passagens da muralha medieval, na rua homónima mandada abrir em 1512 por D. Diogo de Sousa. 

A história desta capela, ainda envolta num manto de dúvidas, está associada à chegada a Braga de D. João de Coimbra, doutor em degredos natural de Lisboa, que foi chamado pelo arcebispo D. Diogo de Sousa para ocupar o importante cargo de Provisor-Mor do Arcebispado, uma espécie de responsável financeiro da Igreja de Braga.  

Belíssimo exemplar tardo-gótico, a capela foi construída em 1525, para servir de sepultura aos seus descendentes, sendo obra provável dos artistas biscainhos, os mesmos que D. Diogo de Sousa havia chamado para a cidade, com o intuito de reformar a capela-mor da Sé Primaz, aqui permanecendo quase uma década, ocupados em obras como o Mosteiro de Areias de Vilar, a Igreja de Nossa Senhora da Assunção de Caminha ou a Igreja de São João Baptista em Vila do Conde. Apesar da plausibilidade desta hipótese, a autoria do projeto da capela provocaria um intenso debate entre os bracarólogos Alberto Feio e Manuel de Aguiar Barreiros no primeiro quartel do século passado.

Dedicada a Nossa Senhora da Conceição, a capela seria erigida, como era costume, em dependência da Igreja paroquial de São João do Souto, com a qual comunicava através de um pórtico ainda hoje existente. A 16 de fevereiro de 1530 seria instituído o morgado da Capela de Nossa Senhora da Conceição, sendo a sua dotação autorizada pelo Rei D. João III desde 1527. 

Destacando-se exteriormente pela sua imponente torre granítica, coberta com uma majestosa cúpula, revestida de telha vidrada e coroada com uma afirmativa grimpa representando uma esfera com a lua e o sol, a frontaria da Capela apresenta um conjunto significativo de esculturas em pedra de Ançã, que têm sido atribuídas a Philippe Hodart (1480-1546), representando Nossa Senhora da Conceição, São João Batista e São Paulo e, presumivelmente, São Pedro e Santiago. 

Além dessas esculturas, que se encontram devidamente enquadradas em mísulas e dosséis tardo-góticos, podemos igualmente observar, sobre a galilé, um fauno, Santo Antão, um leão, S. Paulo eremita e um centauro (Belino, 1900). Na galilé destaca-se também um gradeamento quinhentista com motivos vegetalistas, além da porta de entrada na capela, que se encontra revestida com uma peculiar iconografia alusiva aos elementos da natureza. 

O interior da Capela encontra-se adornado com um retábulo renascentista policromado, no qual se apresenta a imagem de Nossa Senhora da Conceição secundada pela representação de Santa Ana e S. Joaquim. As três esculturas são ladeadas por outras imagens mais pequenas, assentes em mísulas protegidas por dóceis adossados às pilastras, representando Abraão, Moisés, David e Jacob (Lacerda, 1923). Contudo, o mais destacado elemento artístico do seu interior é o retábulo da Deposição, colocado na parede sul e voltado para o interior da Igreja de São João do Souto, que apresenta um conjunto esculpido com a temática do sepultamento de Jesus. Esculpido em pedra de ançã e assente em um retábulo revestido de elementos decorativos renascentistas, este conjunto repete o conhecido modelo de João de Ruão (1500-1580), razão pela qual lhe é atribuída a autoria. 

A representação apresenta o corpo de Jesus a ser colocado no túmulo, carregado por duas figuras masculinas, plausivelmente por Nicodemos e José de Arimateia, tendo ao fundo a representação de Nossa Senhora, exibindo profundo dramatismo, ladeada por outras quatro figuras identificadas como sendo João Evangelista, Maria de Magdala, Marta e Maria Madalena. 

Além destes dois conjuntos, no interior ressalta-se também a cobertura de abóbada de nervuras com florões, estando, ao centro, as armas da família instituidora e, até hoje, proprietária da capela. Nas paredes podemos também admirar um revestimento azulejar barroco com iconografia bíblica alusiva ao livro do Génesis, nomeadamente à narrativa de Adão e Eva, datável da década de 1710-1720, sendo atribuídos ao Mestre P.M.P. (Meco, 1993).

A Capela dos Coimbras, classificada como Monumento Nacional desde 1910, encontra-se atualmente disponível para visitas, no entanto, até 2021 apenas abria ao público durante a Quinta e Sexta-feira Santa, devido ao seu conjunto da deposição de Jesus, e também a 8 de dezembro, dia da padroeira, Nossa Senhora da Conceição.

A Casa dos Coimbras

Antes da edificação da capela, D. João de Coimbra mandaria providenciar a sua residência, localizada precisamente no lado oposto da rua. Edificada sobre um anterior edifício, onde viveu o deão D. Martim Anes, na década de 1470, e, em 1502, o protonotário apostólico D. Luís Gonçalves Farto, a Casa dos Coimbras apresenta apontamentos arquitetónicos inevitavelmente vinculados ao estilo manuelino. Em 1906 seria demolida para permitir a abertura da rua D. Afonso Henriques. Dada a sua valia artística, as suas pedras seriam resguardadas pela família Lencastre, tendo como finalidade uma eventual reconstrução, que viria a suceder precisamente duas décadas depois. Entre 1926 e 1931, a Casa dos Coimbras seria remontada do outro lado da rua, passando a estar em contiguidade com a Capela. O projeto de reconstrução da casa, da autoria de José Costa Vilaça, não obedeceu, contudo, a uma transposição literal do edifício demolido, tendo sido recriada a partir dos elementos artísticos e das gravuras subsistentes.