Arquidiocese de Braga -
27 outubro 2025
Opinião
A trasladação de S. Martinho de Dume
No passado dia 22 de outubro, a Igreja de Braga celebrou a solenidade de São Martinho de Dume, padroeiro principal da Arquidiocese de Braga. Apesar de, por tradição litúrgica ancestral, a data de falecimento de São Martinho de Dume ter sido fixada a 20 de março de 579, o seu dia litúrgico foi alterado para 22 de outubro, data que assinala o aniversário da trasladação dos seus restos mortais para a Sé Primaz. Desta forma, isentava-se a festa dos rigores quaresmais, à qual estaria sujeita se assinalando-se no aniversário do seu falecimento.
Como sabemos, São Martinho de Dume foi Bispo de Braga entre os anos de 569 e 579, tendo sido introdutor do monaquismo no atual território português, e fundador do mosteiro de Dume, que seria elevado a diocese. Natural da Panónia, província romana correspondente ao atual território da Hungria, chegou ao noroeste peninsular com a missão apostólica de converter o reino suevo, então debaixo da heresia ariana, à fidelidade à Igreja Católica. Mentor de uma profunda reforma moral e religiosa, acabaria por estender a sua influência às dioceses que se encontravam debaixo da jurisdição eclesiástica bracarense, através de dois concílios provinciais, realizados em 561 e 572.
Sepultado na basílica que mandara edificar em Dume, devotada a São Martinho de Tours, a sua canonização deu-se no ano de 656, por ocasião do X Concílio de Toledo, tendo confirmado a tradição então constante nos domínios bracarenses de o tratarem como “santo”. O culto terá reaparecido aquando da restauração da diocese de Braga ocorrido em 1070, tendo sido impulsionado por D. Frei Agostinho de Jesus no final do século XVI.
O arcebispo D. Rodrigo da Cunha, na sua “História Eclesiástica dos Arcebispos de Braga”, relata que o túmulo de São Martinho de Dume era alvo de enorme veneração, sendo visitado por “povos de diferentes regiões”, inclusive pelos monarcas D. João II e D. Manuel I (Cunha, 1634). Escondidas que foram as suas relíquias por intermédio do arcebispo D. Manuel de Sousa, em meados do século XVI, seria outro prelado, D. Frei Agostinho de Jesus, quem empreenderia a trasladação das relíquias de São Martinho de Dume para a Sé Primaz.
Empenhando-se particularmente na aferição e divulgação da história da Igreja de Braga, o prelado haveria de procurar o paradeiro das relíquias dos santos da tradição bracarense. Após desenvolver contactos com a Sé de Compostela, no sentido de perceber quais os restos mortais trasladados durante o célebre Pio Latrocínio, inquiriria também o Cabido galego a respeito de São Martinho de Dume, tendo recebido uma réplica negativa sobre o paradeiro dos seus restos mortais.
Após esta diligência, haveria de encontrar as sagradas relíquias na Igreja de Dume, a 5 de fevereiro de 1591. Acompanhado do Deão do Cabido, do Bispo Coadjutor e de outros dois cónegos, “mandou derrubar o altar-mor”, tendo encontrado “uma arca de calcário, de dez palmos de comprimento, com figuras em relevo dos doze apóstolos, e nos quatro ângulos os símbolos dos quatro Evangelistas” (Ferreira, 1928). Deixando o valioso sepulcro numa parede lateral da capela-mor, haveria de mandar colocar as relíquias num caixão forrado de seda, que, depois de selado com as suas armas arquiepiscopais, seria conduzido, em solene procissão, até ao vizinho convento capuchinho de São Francisco, em Real, tendo ficado depositadas no seu templo.
Com a pretensão de efetuar a trasladação daquelas relíquias para a Sé Primaz, haveria de mandar preparar uma capela no transepto catedralício (atual Capela de Nossa Senhora das Rosas), então devotada a Santa Marta, localizada mesmo ao lado da capela que havia sido dedicada a São Pedro de Rates pelo seu antecessor, D. Frei Baltazar Limpo, destinada a acolher os restos mortais de São Martinho de Dume.
Aproveitando a celebração do Sínodo diocesano, D. Frei Agostinho de Jesus empreenderia a solene trasladação das relíquias de São Martinho de Dume no dia 22 de outubro de 1606, realizando-se uma imponente procissão desde o Convento de São Francisco até à Sé de Braga. De acordo com o testemunho de Frei Baltazar de Braga, a arca tumular foi transportada num andor conduzido pelos Abades dos mosteiros beneditinos de Pombeiro, Santo Tirso, Refojos e Rendufe.
Na sua renovada capela, as relíquias de São Martinho de Dume seriam depositadas num túmulo de pedra dourada, no qual se lia a seguinte inscrição: «DUMIENSIS MARTINI SACRATA PIGNORA». No início século do século XVIII, a capela seria reformulada no âmbito da profunda reforma promovida pelo arcebispo Dom Rodrigo de Moura Telles na Catedral, tendo sido revestida com azulejos de âmbito hagiográfico relativos à vida de São Martinho de Dume. Nesse momento, as relíquias de São Martinho de Dume passariam a estar numa urna de madeira, onde se encontram até hoje, com a seguinte inscrição: “S. MART. DUMIENS ARCHIEP. BRACH. SACRA OSSA”.
Ocupada a partir de 1780 pela Confraria de Nossa Senhora do Rosário, a capela seria novamente reformulada, tendo sido malogradamente substituído o seu revestimento azulejar, e removida a urna sepulcral de São Martinho de Dume, para outras dependências da Sé Primaz.
Atualmente com um altar a si devotado no limite sul do transepto, com um retábulo reaproveitado das grandes obras de restauro promovidas na Sé Primaz pela DGEMN, as relíquias de São Martinho de Dume encontram-se na urna setecentista mandada fazer por D. Rodrigo de Moura Teles, depositada atualmente na Sacristia-Mor da Sé Primaz, detendo, no entanto, um cofre-relicário inserido no seu retábulo e um outro relicário no atual templo paroquial de Dume.
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