Arquidiocese de Braga -
29 abril 2025
Opinião
O Arcebispo que se tornou Papa
Na vasta e venerável história eclesiástica de Braga, que já conta com, pelo menos, dezasseis séculos, conta-se uma significativa plêiade de arcebispos. Provenientes das mais importantes famílias portuguesas, eminentes membros de ordens religiosas ou simplesmente clérigos de singular conduta, os prelados bracarenses foram titulares, até ao século XVIII, do mais importante cargo da hierarquia eclesiástica portuguesa.
Por isso mesmo, nesse ilustre rol integram-se alguns santos e outros apenas popularmente canonizados, cardeais, um Rei, um Vice-Rei, um conspirador contra a vida de um Rei, dois cofundadores de Portugal, um anti-Papa e, até, um Papa. Aquele que a história confirma como o único português a tornar-se Papa, João XXI, também foi arcebispo de Braga. Falamos de D. Pedro Julião, também conhecido como Pedro Hispano, que ocupou o sólio bracarense por um breve período, algures entre 1272 e 1273.
Apesar de algumas conjeturações, a verdade é que permanecem muitas dúvidas sobre a origem de Pedro Julião, nomeadamente a sua naturalidade e data de nascimento (Norte, 2016). Sabemos que ele existiu, deixando um rasto de notável produção científica, que era português e que se tornaria Papa, após uma frenética ascensão na hierarquia eclesiástica, mas não temos garantias sobre o seu local de nascimento e sobre a data em que o mesmo sucedeu. Filho de Julião Rebelo e de Teresa Gil (Furtado, 2012), as especulações sobre a sua naturalidade divergem entre Lisboa e Coimbra, sendo a primeira a mais provável, enquanto o ano do seu nascimento tem sido fixado em 1215 ou em data anterior.
Pouco sabemos dos seus primeiros anos de vida ou a respeito da sua formação. Tendo seguido a vocação eclesiástica, naturalmente terá realizado os Estudos Gerais, sendo Coimbra, Paris ou Montpellier, universidades recorrentemente apontadas pelas crónicas. Independentemente das dúvidas que prevalecem, é certo que não se limitou a seguir os estudos tradicionalmente destinados aos clérigos, mas tornar-se-ia num vulto da intelectualidade da sua época, particularmente no âmbito da filosofia da medicina.
No âmbito da sua produção científica, obtiveram singular reconhecimento as suas “Súmulas Logicais”, um tratado sobre lógica aristotélica, que foi uma referência imponderável nas universidades europeias até à Idade Moderna; mas também o seu tratado de oftalmologia, intitulado “De oculo”, que foi um dos mais avançados estudos sobre o tratamento de doenças dos olhos até então elaborado.
Conhecido então como Pedro Hispano, haveria de desempenhar funções de docência na Universidade italiana de Siena, no decorrer da década de 1240 (Norte, 2016), pouco antes do rei D. Afonso III apelar ao seu retorno para Portugal. Fundando-se na crescente notabilidade científica Pedro Hispano haveria de almejar uma proximidade significativa com o rei D. Afonso III, de quem se tornaria conselheiro, além de uma célere ascensão eclesiástica, iniciada auspiciosamente como Mestre-Escola e Deão da Sé de Lisboa.
Presente nas Cortes de Guimarães realizadas em 1250, o vínculo de Pedro Julião à Arquidiocese de Braga haveria de iniciar-se precisamente neste ano, como membro do Cabido da Sé de Braga, com a dignidade de Arcediago de Vermoim. A partir de 1257 haveria de tornar-se Prior da prestigiada Colegiada de Nossa Senhora da Oliveira, uma designação que haveria de provocar protestos da parte do Prior em exercício, bem como do Deão da Sé de Braga (Norte, 2016). Após o conhecimento da notícia da morte de D. Martinho Geraldes, ocorrida em Viterbo – cidade italiana na qual os Papas permaneciam longos períodos – onde procurava resolver o conflito do episcopado português com o Rei D. Afonso III, o Cabido bracarense haveria de eleger D. Pedro Julião como seu sucessor.
Na qualidade de Arcebispo de Braga, missão em que estava investido, ainda que não canonicamente confirmado pelo Papa, D. Pedro Julião acabaria por confirmar o Foral de Montalegre, a 9 de junho de 1273, bem como o Foral de Monforte de Rio Livre, a 2 de setembro do mesmo ano (Ferreira, 1931). Seriam estes, aliás, os únicos atos documentados da sua ação como Arcebispo de Braga, dado que o Papa Gregório X, na sequência da sua participação no II Concílio de Lyon, realizado em 1274, não haveria de o confirmar na Igreja de Braga, mas promoveria a sua eleição como membro do colégio cardinalício.
Após a sua eleição como Cardeal, sabemos que desempenhou a relevante missão de físico do Papa Gregório X, que poderemos interpretar considerar, à luz dos critérios hodiernos, como médico. Depois disso, desempenharia diversas missões como legado do Papa Inocêncio V.
Após a morte do Papa Adriano V, Pedro Julião seria eleito Papa a 13 de setembro de 1276, adoptando o nome de João XXI. Tornar-se-ia, assim, no centésimo octogésimo sétimo Chefe da Igreja Católica, um pontificado centrado na aplicação das medidas exaradas do II Concílio de Lyon, que perduraria apenas por oito meses, dado que a 20 de maio de 1277, haveria de falecer na sequência de um desmoronamento nos seus aposentos, do Palácio Apostólico de Viterbo. Por isso mesmo, seria sepultado na Catedral de São Lourenço, daquela cidade italiana.
Apesar dos escassos 242 dias do seu pontificado, o Papa João XXI alcançaria uma singular reputação entre as personalidades do seu tempo. O poeta italiano Dante Alighieri, na sua famosa “Divina Comédia”, haveria de mencionar o único Papa português, colocando a sua alma no Paraíso, apelidando-o como “aquele que brilha em doze livros”, numa alusão aos seus doze tratados.Outros vínculos relevantes à Santa Sé
Outros vínculos relevantes à Santa Sé
Além do Arcebispo Pedro Julião, que se tornaria no único Papa português, a história eclesiástica de Braga integra outros nomes com ligações particulares à Santa Sé. O mais significativo foi D. Jorge da Costa, arcebispos entre 1501 e 1505, que foi um dos mais influentes cardeais do seu tempo, comentando-se até a possibilidade de uma eleição como Papa. Imediatamente após D. Pedro Julião, ocupou o sólio bracarense D. Ordonho Álvares, que, tal como o seu antecessor, seria designado Cardeal em 1278, tendo sido deão do Colégio cardinalício. Além de outros membros do colégio cardinalício, contam-se alguns arcebispos que foram embaixadores da Coroa portuguesa junto da Santa Sé, nomeadamente D. Luís de Sousa, que governou a Igreja de Braga entre 1677 e 1690, tendo estado em missão diplomática nos Estados Pontifícios entre 1675 e 1682. Outro dos prelados diplomatas foi D. João Martins de Soalhães, arcebispo entre 1313 e 1325, responsável por importar para Braga a devoção romana de Santa Maria Maior, que corresponde à primitiva versão da Igreja da Senhora-a-Branca.
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