Arquidiocese de Braga -

12 março 2025

Opinião

Quem tem fome tem pressa!

Fátima Castro

“Morre-se à fome.” Estas palavras são do Padre Manuel Faria, retiradas de uma entrevista à Rádio Renascença, o mês passado. Como se esta afirmação já não nos dilacerasse o coração, ainda revelou ao jornalista: “há quem apanhe capim (erva) para comer”. 

O povo, de quem ele fala, vive naquela a quem nos últimos 10 anos fomos apelidando da “nossa” paróquia de Santa Cecília de Ocua e que, carinhosamente, dizemos que é a paróquia 552º da Arquidiocese de Braga. Morrem, todos os dias, crianças e adultos à fome numa paróquia que nos pertence. As causas são imensas: os conflitos armados, os deslocamentos forçados, as alterações climáticas e a falta de assistência humanitária que consiga dar resposta a uma paróquia que tem a mesma dimensão que toda a nossa diocese!

Recuo apenas um ano: 2024. Em Fevereiro, os ataques em Ocua forçaram a um deslocamento de mais de 30 mil pessoas, deixando para trás as suas casas e terras, resultando na perda quase total dos meios de subsistência. De abril a junho, continuaram em êxodo, num vai e vem de inseguranças e medos. Em outubro, os protestos pós-eleitorais desencadearam uma enorme onda de violência. Para agravar a situação, em dezembro, o ciclone Chido teve consequências devastadoras: milhares de casas ficaram completamente destruídas e as infraestruturas governamentais, tais como escolas e postos de saúde, ficaram severamente danificadas dificultando o acesso a serviços básicos. Das noventa e nove capelas que existiam, mais de setenta foram totalmente ou parcialmente destruídas. Os escassos mantimentos, que as famílias guardavam religiosamente nos seus “improvisados” celeiros, estragaram-se e verificou-se uma enorme destruição dos terrenos agrícolas. Um ano depois do ataque terrorista e três meses depois de um ciclone, milhares de pessoas continuam a lutar, diariamente, para sobreviver!

Também, diariamente, muitos perdem esta luta. Morrem por doença (física e mental), com infeções e… por fome. Na via sacra daquele povo, esta é uma sentença de morte. O Papa Francisco inquietou-nos quando disse que “a fome é um insulto que deveria fazer corar toda a humanidade." Numa fugaz conversa telefónica com um papá ele lamentava-se: “o ciclone levou-me tudo. Já não tenho casa. Construí um pequeno telheiro para os meus filhos, mas chove lá dentro. Mas de tudo, mana, o pior é a fome! Já não tenho o que dar às crianças. Estamos em sofrimento.” Segundo dados da UNICEF, todos os dias, mais de 8.000 crianças com menos de 5 anos morrem devido à subnutrição. Dizia Betinho, “quem tem fome tem pressa”. A fome não espera. Não se adia. É silenciosa. Rouba a dignidade humana. É a cruz pesada que muitos carregam. A fome, para aquele povo, começa a ser mais do que a falta de comida: é a ausência de esperança. 

Estamos na Quaresma: na memória do caminho da cruz, em cada estação, lembremos daqueles que caem por causa da fome, desnutridos no corpo e na mente; do desespero dos famintos e as lutas contínuas e desgastantes de tantas famílias que suplicam pelo “pão nosso” a cada dia; das crianças com olhos grandes e luminosos - cheios de vida, apesar do estômago vazio – mas a perder a esperança de um mundo diferente daquele que sempre conheceram. Ainda sonham com um mundo sem fome. 

Não fiquemos parados e a assistir, lavando as mãos como Pilatos, dizendo: “Isso é convosco” (Mt 27, 24). Tenhamos gestos concretos de compaixão e misericórdia como o de Simão de Cirene, Verónica ou José de Arimateia. Há cruzes que são bem mais difíceis de suportar que as nossas. Sejamos aqueles pregos que prendem à vida e sustentam a esperança para que, o choro da fome de “muitos”, um dia, seja substituído por gargalhadas nutridas de alegria… de “todos”. Todos. Todos! Incluindo do povo da nossa paróquia de Santa Cecília de Ocua.

 
Fátima Castro - DAC, também elemento do CMAB