Arquidiocese de Braga -

7 março 2025

A proximidade, caminho de esperança

Fotografia JOHN TOWNER/Unsplash

Comissão Nacional Justiça e Paz

Reflexão da Comissão Nacional Justiça e Paz para a Quaresma 2025

A reflexão quaresmal, desta vez, traz o coração apertado porque, enquanto fonte inspiradora da nossa reflexão, o Papa Francisco vive a ‘sua’ Quaresma desafiando-nos a que «caminhemos juntos na esperança».

E a esperança é a nossa alma.

De facto, o “juntos” não é um amontoado, mas a presença fraterna de uma ‘caminhada com’ e nunca solitária, por mais autossuficientes que nos consideremos.

Olhamos à nossa volta e o nosso coração é invadido por tantas interrogações e perplexidades.

A solidão dita as suas leis avivando as feridas da indiferença.

Vivemos um farisaísmo genérico onde nos agarramos à lei e aos protocolos em vez da pessoa; vivemos o cinismo do abandono dos mais velhos e de quem não é produtivo; vivemos a solidão das crianças na sua autorreferencialidade, dos adolescentes e dos jovens que não veem perspetivas de futuro, sem experimentarem a felicidade de uma relação de reciprocidade fora dos ecrãs em que vivem agarrados; vivemos um desnorte com uma educação ilusória onde a aprendizagem se crê isenta de dificuldades e necessidade de esforço; vivemos medrando numa alergia à vida nas suas várias etapas; vivemos indiferentes ou acirrados contra migrantes separados das suas famílias e sujeitos a condições miseráveis, indiferentes ao tráfico humano de mulheres para a prostituição e de crianças vendidas para pedintes aproveitando-se da nossa ‘pena’ por uma infância desvalida.

O impensável parece poder acontecer num mundo que, tendo já experimentado tantas vezes a loucura da guerra, não é capaz de romper a atração pelo abismo bélico.

Podemos ser tentados a baixar os braços, a sentir a derrota, a não abraçar a dor com nome próprio, a não saborear as lágrimas amargas da solidão ou do desespero.

Ligamo-nos a equipamentos tecnológicos que nos permitem chegar a tantos e que ao mesmo tempo exacerbam o nosso individualismo.

Mas nenhuma dessas vias trará resposta aos nossos problemas.

A mudança só é possível através da criação de redes de proximidade e de uma paz que recusa a ambição económica sem escrúpulos. De uma paz que se constrói com investimento na cooperação e na solidariedade. Pois, como diz o Papa na sua mensagem, «Caminhar juntos significa ser tecelões de unidade, partindo da nossa dignidade comum de filhos de Deus; significa caminhar lado a lado, sem pisar ou subjugar o outro, sem alimentar invejas ou hipocrisias, sem deixar que ninguém fique para trás ou se sinta excluído».

Todos temos a mesma dignidade.

É este caminho conjunto que deve aprimorar no nosso coração a vizinhança e o acolher “misericordiando”, como ensina o Papa Francisco.

Que as nossas casas, as paróquias, os movimentos, os nossos locais de trabalho e lazer sejam lugares de proximidade sem fazer aceção de pessoas (nacionais ou migrantes; ricos ou pobres; sãos ou doentes), e que o toque das nossas mãos seja o de Jesus.

Será este o antídoto para vencermos as barreiras e o mal contagioso do individualismo.

Só chegaremos ao coração de Deus Amor, fazendo caminho juntos, através da proximidade, do serviço, do colocar a toalha à cinta e lavar os pés ao próximo, a começar pelos últimos. Mesmo que o caminho seja pedregoso, e por carreiros e becos pouco recomendáveis.

Esta deve ser “a Quaresma”, o tempo privilegiado para reavaliarmos a nossa vida à luz do Evangelho que requer também uma atitude de humildade e reconhecimento de nossas próprias fraquezas e pecados, sentindo – como disse recentemente o Papa Francisco a partir do hospital – «no coração a ‘bênção’ que se esconde na fragilidade».

Por isso é um tempo de conversão sincera, onde desabrocha a misericórdia, a esperança e o compromisso com os mais necessitados.

A Quaresma carrega consigo a esperança da Páscoa, a razão do nosso ser cristãos.

Apesar de um céu cinzento, podemos almejar um arco-íris de paz, de solidariedade e fraternidade. Arrisquemos a proximidade como caminho de esperança.

Nesta Quaresma, façamos do caminhar estímulo para ousarmos construir um mundo diferente;

Nesta Quaresma, façamos do caminhar juntos, como comunidade cristã e como comunidade humana, critério para aferir a nossa fidelidade ao projeto de Deus para a humanidade;

Nesta Quaresma, façamos do caminhar juntos na esperança testemunho do nosso compromisso com a promoção da justiça e da paz como impulso da novidade da ressurreição.

 

 

Lisboa, 6 de março de 2025

A Comissão Nacional Justiça e Paz