Arquidiocese de Braga -

29 novembro 2024

Opinião

Os ‘Fugitivos’ de Si Mesmos

Pe. Manuel Meneses, svd (CMAB)

1. O evangelista são Lucas deixou-nos uma preciosa herança querigmática. É preciso escutar/meditar este texto com atenção e nele descortinar tanto a descrença como a frustração com a própria crença, no tempo que vivemos.

2. Hoje (como sempre), o uso apressado da bíblia para colher frutos, não se compagina com a pedagogia de Jesus. E é o que pode acontecer quando, de evangelho na mão, se quer catequizar, doutrinar, moralizar, animar ou desejar celebrar melhor a Eucaristia e o nosso interlocutor ainda não pisou o átrio dos pré-catecúmenos. Não queimemos etapas.

3. A mentalidade hodierna faz-nos tropeçar mas é também um desafio religioso. Admitimos como sincera a adesão de muitos a Cristo sem nos apercebermos que a maioria está presa a crenças gentílicas ocidentais e orientais. E que o marketing e as redes sociais e os media são passadeira de moda e de iguarias para milhões de sedentos e inebriados. Mesmo assim, hoje continuamos no tempo do Anúncio missionário.

4. Vamos à Luz da revelação em Lc 24,13-35. Dois discípulos de Jesus “iam a caminho” (v.13); ‘pelo caminho conversavam e discutiam sobre tudo … Enquanto isso, Jesus aproximou-se, ‘fez caminho com eles’ (v.15), e perguntou-lhes: ‘Que ideias são essas que trocais… enquanto caminhais?’ (v.17). Travou-se um diálogo de vida, a três, tão intenso e personalizado, ‘que o coração nos ardia no peito quando nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras’ (v.32).

5. Jesus, como eles no caminho de Páscoa, pergunta, escuta, recorda-lhes a Escritura, repreende-os, fá-los pensar e parar. Pedagogia singular! E escutam palavras duras mas cheias de fogo: Homens sem inteligência, lentos de espírito para crer em tudo o que os profetas anunciaram. Então o Messias não tinha de sofrer tudo isso antes de ser glorificado? (v.25-26). Ouvindo-as com atenção e paixão, rendem-se.  

6. Convictos como pareciam estar, não são estes discípulos um sinal para ler o homem contemporâneo, relutante à fé e professo da indiferença religiosa? De facto, cada um deles carregava o seu problema ‘existencial’ e religioso; seguros, talvez, de que Jesus de Nazaré seria o Messias, mas não admitiam o que lhe acontecera nesses dias (v.22-24). 

Enquanto trilham este ‘caminho’ de ‘fuga’, o desconhecido aviva-lhes a memória sobre a Escritura, dá-lhes coragem, ficam cativados para sempre. ‘Imediatamente… se levantaram…voltaram a Jerusalém… encontraram os onze que lhes disseram… E os dois ‘contaram o que lhes acontecera no caminho e …o tinham reconhecido ao partir do pão’ (v.33-35). Ocorreu um despertar para a fé e para a comunidade.

A destacar nesse “Caminho”

1º. Conversão ao Ressuscitado! Com uma resposta prática, pronta e imediata ao evangelizador anónimo, e que os impele para a missão.

2º. Presença do Senhor que ‘faz caminho’ com a comunidade e com os dois fugitivos de si mesmos e dos outros, a caminho de Emaús.

3º. Escuta. Chegando a Jerusalém, primeiro viram e ouviram; só depois contaram: Levantaram-se … partiram… e os companheiros disseram-lhes:  -  o Senhor ressuscitou! - Puseram-se a contar o que se tinha passado no caminho... Uns e outros contaram muito poucochinho. (cf v.33-35). Chefes, guias, mestres, doutores… nem vê-los! (?)

4º. Palavra. Estamos gratos a Lucas, por nos ter deixado o vitral do “Caminho”, onde Jesus evangeliza e as pessoas se convertem à mudança e à adesão progressiva à vida nova proclamada. 

5º. “O Caminho”. Não pode haver cristão que não faz caminho. O nosso caminho é “O Caminho” de Jesus quando percorremos o caminho dele. Esse é a Boa Notícia que revoluciona tudo: pendurar a vida no ‘bengaleiro’; ser aprendiz atrás do Mestre; aceitar ser libertado dos desvios e pecados residentes em si próprio; permitir que o fogo abrase o peito. Fugir de si mesmo é já estar fora.

6º. Nota querigmática. As passagens de Lc 24,13-35 e de 1Cor 15,1-8 são um roteiro indispensável para entrar na meditação e na praxis pastoral acima sugeridas. Paulo foi convertido e salvo pelo Nazareno crucificado e ressuscitado. E foi enviado pela Igreja de Antioquia para pregar essa Boa Nova aos povos. Um enviado da igreja sempre a questionar-nos!


 

Pe. Manuel Meneses, SVD