Arquidiocese de Braga -
13 setembro 2024
Eucaristia, coração da Igreja Sinodal
D. José Cordeiro
Homilia de D. José Cordeiro na Basílica de Nª Sª da Mercê, Quito, 12 de setembro de 2024
- A Eucaristia é um sínodo concentrado
A Eucaristia é o sacramento dos sacramentos, ou seja, o sacramento da Páscoa. A fé que nasce e renasce da Páscoa faz todo o sentido, quando nos torna mais irmãos e cidadãos mais ativos, para se realizar a justiça e a paz, o perdão e o amor.
É urgente e necessário investir as energias e forças nas quatro colunas da Igreja que os Atos dos Apóstolos recordam: «Eles mostravam-se assíduos ao ensino dos Apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações» (At 2, 42).
A Igreja missionária é Peregrina das Periferias existenciais. Ela funda-se no Evangelho e na Liturgia e apoia-se nas suas 4 colunas: 1. Doutrina dos apóstolos; 2. Fração do pão; 3. oração; 4. Comunhão. «Por isso foram batizados no próprio dia de Pentecostes, em que a Igreja se manifestou ao mundo, os que receberam a palavra de Pedro. E “mantinham-se fiéis à doutrina dos Apóstolos, à participação na fração do pão e nas orações... louvando a Deus e sendo bem vistos pelo povo” (At 2, 41-47). Desde então, nunca mais a Igreja deixou de se reunir em assembleia para celebrar o mistério pascal: lendo “o que se referia a Ele em todas as Escrituras” (Lc 24,27), celebrando a Eucaristia, na qual “se torna presente o triunfo e a vitória da sua morte” (19), e dando graças “a Deus pelo Seu dom inefável (2 Cor 9,15) em Cristo Jesus, “para louvor da sua glória” (Ef 1,12), pela virtude do Espírito Santo» (SC 6).
A Igreja é o povo de Deus a caminho para Deus, um povo peregrino e evangelizador, mais que uma instituição orgânica e hierárquica.
- Sonho de fraternidade
O texto do Evangelho que escutamos apresenta Jesus num estilo incisivo e crítico aos doutores da lei e aos fariseus. Neste contexto aparece o tema deste 53.º Congresso Eucarístico Internacional: Fraternidade para curar o mundo: «todos vós sois irmãos» (Mt 23, 8).
Jesus diz claramente: «Não vos deixeis tratar por ‘Mestres’, porque um só é o vosso Mestre e vós sois todos irmãos. (...) Aquele que for o maior entre vós será o vosso servo. Quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado» (Mt 23, 8-12).
A fraternidade tem muito para oferecer à liberdade, à igualdade e à humildade. «A fraternidade universal e a amizade social são os dois polos inseparáveis e ambos essenciais» (FT 142).
O dom da fraternidade humana universal compromete a uma cultura consciente e constante de fraternização, não no sentido geográfico, mas existencial do Bem comum, da solidariedade e da gratuidade. O desafio maior é para uma cultura do diálogo e do encontro. A vida é a arte do encontro.
São Bartolomeu dos Mártires, o Arcebispo de Braga que participou ativamente na conclusão do Concílio de Trento, escreveu de modo muito assertivo acerca da comunhão ou comunicação de santos e da unidade, «que quer dizer que nesta companhia e família de Jesus Cristo estamos todos unidos como membros, pelo que, assim como os membros de um mesmo corpo se ajudam uns aos outros, assim também todos os cristãos se ajudam e comunicam entre si as suas orações e merecimentos», e ainda: «Todos rogamos uns pelos outros, dizendo: – Pai nosso, perdoai-nos nossos pecados, dai-nos nosso pão, não permitais que sejamos vencidos nas tentações, mas livrai-nos de todo o mal. Nas quais palavras claramente se mostra que nenhum cristão roga por si só, mas também por todos os outros». A oração da Igreja abre sempre para a comunhão e para a unidade.
- A Igreja faz a Eucaristia e a Eucaristia faz a Igreja
Há uma bela expressão cunhada pelo teólogo H. Du Lubac: “a Igreja faz a Eucaristia e a Eucaristia faz a Igreja”. Explicando melhor: «tudo nos convida então a considerar as relações que ligam a Igreja e a Eucaristia. Entre uma e outra corre uma causalidade recíproca. Cada uma, por assim dizer, foi confiada à outra pelo Salvador. É a Igreja que faz a Eucaristia, mas é também a Eucaristia que faz a Igreja». Sim, «a Igreja faz a Eucaristia. O seu sacerdócio foi instituído principalmente por este motivo. “fazei isto em memória de Mim”».
A Igreja não é um sistema federal, no qual as diversas Igrejas locais se unem, nem um sistema central, no qual as Igrejas locais são um conjunto de províncias da Igreja universal. Não, a única e mesma Igreja está presente nas Igrejas locais. Ela existe nas Igrejas locais e a partir das Igrejas locais e estas vivem a partir da única e mesma Igreja universal. À luz do mistério da Trindade, entre a Igreja universal e as Igrejas locais existe uma verdadeira pericorese, ou seja, a Comunhão das Igrejas (communio).
Fazer sinodalidade é igualmente operar a renovação pastoral no serviço da caridade – o serviço humilde e desinteressado da caridade é a forma mais bela, mais encantadora e mais fiável para anunciar o Evangelho. É preciso buscar na unidade pastoral novas maneiras de serviço socio caritativo, respondendo ao desafio de uma nova fantasia da caridade, que deve ser marcada por gestos de ajuda que sejam sentidos como partilha fraterna. Nesse intuito há que valorizar as iniciativas de solidariedade social que praticam a caridade na verdade, mostrando a sua utilidade e indispensabilidade para a construção de uma boa sociedade e de um verdadeiro desenvolvimento humano integral.
Em cada uma das quatro versões da Oração Eucarística V, a assembleia reunida intercede: “sejamos contados, agora e por toda a eternidade, entre os membros do vosso Filho, cujo Corpo e Sangue comungamos”. A própria origem etimológica de Ecclesia designa já o seu sentido profundo, como a assembleia convocada. A Igreja é convocada pela fé e convoca à fé.
A Igreja celebra a Eucaristia para se construir a si mesma, pedindo que seja sempre mais unida e mais perfeita. O corpo eclesial reunido cresce e constrói-se para a escatologia, ao ritmo da frequência da celebração eucarística.
✠ José Manuel Cordeiro
Arcebispo Metropolita de Braga
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