Arquidiocese de Braga -
23 agosto 2024
“É grande a dor que sinto”, diz Bispo de Pemba ao visitar comunidades que foram atacadas pelos terroristas
Paulo Aido | Departamento de Informação da Fundação AIS
D. António Juliasse visitou algumas das comunidades cristãs no norte da Diocese de Pemba que foram alvo da violência brutal dos terroristas ao longo dos últimos anos e que reivindicam pertencer ao Daesh, o grupo Estado Islâmico. Numa mensagem enviada para a Fundação AIS em Lisboa, o prelado descreve a alegria com que foi acolhido e a dor de celebrar “ao relento ou ao lado dos escombros das igrejas destruídas, vandalizadas…”
Nangololo, Litingina, Imbuho, Chilinde, Mueda… foram muitos os locais, foram muitas as comunidades que o Bispo de Pemba visitou ao longo dos últimos dias, numa visita pastoral que o levou ao encontro de algumas das populações que vivem mais ao norte da Diocese e que mais têm sofrido ao longo dos últimos anos com a violência terrorista que tem fustigado a província de Cabo Delgado desde Outubro de 2017. Uma visita pastoral que era desejada mas que, por motivos de segurança, não tinha sido possível cumprir. Aconteceu agora.
“É grande a dor que sinto como pastor da Diocese de não poder visitar todos os Cristãos por causa da insegurança. As lideranças cristãs locais avisaram-me através dos sacerdotes que estão em Mueda da possibilidade de se chegar a algumas regiões. Parti e foi um momento único de recepção calorosa, de alegria e de esperança”, diz D. António Juliasse.
É assim que começa a mensagem enviada pelo Bispo de Pemba para a Fundação AIS em Lisboa mal terminou a visita pastoral. Não é possível falar-se hoje da Diocese de Pemba, que corresponde à província de Cabo Delgado, sem se referir aos ataques terroristas que têm ocorrido nesta região desde Outubro de 2017. Tudo mudou desde então. Ao longo destes quase sete anos, calcula-se que mais de cinco mil pessoas tenham sido mortas, havendo ainda cerca de 1 milhão de deslocados.
Uma missa entre ruínas
Nem a Igreja não escapou à violência dos grupos armados, conhecidos localmente como ‘insurgentes’ e que reivindicam pertencer ao Daesh, a organização jihadista Estado islâmico. Muitas capelas e estruturas da Igreja foram destruídas ou vandalizadas e algumas ficaram completamente em ruínas.
Um dos casos mais dramáticos ocorreu em 2020 na história missão católica de Nangololo, a segunda mais antiga de toda a diocese e que foi fundada há 100 anos pelos padres Monfortinos. Por ali a Igreja tinha construído salas de aula, um posto médico, uma estação de rádio comunitária, centros de formação, até um poço para o fornecimento de água. Praticamente tudo foi destruído. Foi nesse lugar, no meio dessas ruínas, que o povo cristão voltou agora a rezar juntamente com o seu bispo. Foi histórico.
“Conseguir rezar a Missa e administrar o sacramento de confirmação na comunidade cristã na sede da paróquia do Sagrado Coração de Jesus de Nangololo que celebra este ano, em Novembro, o jubileu dos 100 anos desde a sua fundação. É uma paróquia que é fonte da evangelização da parte norte da nossa diocese, inicialmente pelos padres monfortinos mas depois chegaram outros missionários e diocesanos”, relata D. António Juliasse na mensagem que enviou para Lisboa.
Esteve em Nangololo e em muitas outras localidades. Foi um reencontro emotivo do Bispo de Pemba com o povo de Deus. Um reencontro marcado pela tragédia que tem ensombrado a região de Cabo Delgado. “Em todos os lados, as Missas foram feitas assim, ao relento, ou ao lado dos escombros das igrejas destruídas, vandalizadas, como foi o caso de Nangololo. É uma dor muito grande ver edifícios destruídos, edifícios que, durante tanto tempo, foram expressivos para a fé das pessoas, de tantas pessoas, e que agora não resta grande coisa senão destroços.”
“Situação muito complicada”
D. António Juliasse faz nesta mensagem também um retrato de como está actualmente a situação na região. E há palavras que se repetem sempre que se fala em Cabo Delgado. Uma delas é medo. A outra é fome.
“Em todo o lado prevalece o medo e a incerteza sobre o futuro. O sofrimento ainda é grande. São ainda muitos os campos de deslocados que se mantêm activos por aqueles lados. Mas, infelizmente, com menos assistência humanitária por estes dias. Sem segurança, as pessoas têm medo de serem surpreendidas nos campos que distam normalmente entre um a três quilómetros da aldeia onde vivem e por isso a produção ainda é baixa e surge portanto o problema da fome porque as pessoas não produzem o suficiente e também os outros serviços não funcionam adequadamente”, explica D. António Juliasse para concluir que, “portanto, esta é uma situação ainda muito complicada”.
Em algumas aldeias, diz ainda o prelado, já algumas pessoas começaram a regressar, mas não mais de vinte a trinta por cento da população que por lá vivia. Mas em todo o lado prevalece o receio de novos ataques, da incursão dos terroristas, da violência que eles arrastam quase sempre consigo.
Bispo acolhido “calorosamente”
No meio de tudo isto, a fé do povo tem persistido. D. António Juliasse fala mesmo que viveu uma “experiência reconfortante”, ao ser acolhido “calorosamente” em todo o lado, “com cantos e danças” e até com a partilha de bens durante os ofertórios, o que deixou D. Juliasse particularmente comovido, dada a situação de extrema pobreza que se vive na região.
“O que vivi, em geral, nesta visita, é uma experiência reconfortante porque mesmo na maior aflição as pessoas são fortes na fé e o Senhor nunca lhes falta com a sua graça. Mesmo na penúria, a partilha e a generosidade entre as famílias e os moradores da mesma aldeia é muito grande. E isso traz um outro dinamismo e uma outra riqueza entre eles. E mesmo eu, indo para aquelas zonas, não esperava algum ofertório [dada a pobreza], mas recebi imensos produtos de partilha, mas tinha que [os] receber em valorização da expressão mais profunda do povo ao receber o seu pastor ao partilhar com ele o que nestes dias usam ou têm um pouco e fiquei muito, muito emocionado com tudo isso.”
Agradecimento à Fundação AIS
No relato do Bispo de Pemba há a esperança de que os tempos negros que se vivem no norte de Moçambique possam terminar, dando lugar a uma vida de paz e de menos pobreza e sofrimento. “Eu vejo que é pela fé em Deus a esperança de que esta guerra um dia terá fim e que este povo está capaz de aguentar o sofrimento do momento”, diz ainda D. Juliasse que terminou a mensagem enviada para Lisboa com um agradecimento à solidariedade que a Fundação AIS tem manifestado para com a Igreja de Pemba desde a primeira hora, desde que os ataques terroristas começaram a atingir o território.
“Agradeço a todos os que nos apoiam para estarmos perto deste povo, oferecendo-lhe o conforto espiritual. A Fundação Ajuda à Igreja que Sofre tem apoiado os sacerdotes para fazerem este tipo de trabalho, de estar mais próximo dos que sofrem, e apoiarem-lhes com o conforto espiritual, e este ano também recebemos ajuda de combustível para que possamos fazer este trabalho. E portanto, manifesto aqui o meu agradecimento a todos os que contribuem para que isto esteja a ser possível. Muito obrigado!” - D. António Juliasse
Visita à Diocese do Núncio Apostólico
Além da ajuda referida por D. António Juliasse, a Fundação AIS aprovou recentemente um pacote de apoio assistencial para a Diocese de Pemba que inclui os deslocados internos, subsistência para 60 religiosas e 17 padres, e auxílio à formação de 48 seminaristas, bem como projectos relacionados com a assistência espiritual às vítimas do terrorismo e programas de evangelização via rádio.
A visita de D. António Juliasse às paróquias na região norte de Cabo Delgado terminou coincidentemente com a chegada à Diocese de Pemba do bispo espanhol D. Luís Muñoz Cárdaba. O novo Núncio Apostólico em Moçambique, de 58 anos de idade, natural de Segóvia, fez questão, neste primeiro contacto com Cabo Delgado, de reconhecer o trabalho que a Igreja tem vindo a fazer ao longo destes últimos anos no acolhimento das populações vítimas do terrorismo.
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