Arquidiocese de Braga -
21 julho 2024
Homilia de D. José Cordeiro por ocasião da ordenação de presbíteros na Cripta do Santuário do Sameiro, a 21 de julho de 2024
Peregrinos e pastores eucarísticos
Caríssimos irmãos e irmãs, é um dom maior da graça celebrarmos a alegria da esperança na ordenação dos quatro Presbíteros para uma confiante missão evangelizadora.
- Cuidar e amar o pastoreio
O texto evangélico interliga o regresso dos doze apóstolos, enviados dois a dois e só com cajado e sandálias, com o início da multiplicação dos pães aos judeus e aos pagãos, ou seja, a todos. O espírito da Liturgia aponta no sentido de saborear na palavra e no pão da vida, a própria presença de Jesus Cristo, reconhecendo-O como o verdadeiro profeta e pastor que guia o Seu povo às fontes da alegria eterna.
São Marcos, num só versículo, sintetiza a missão apostólica: «os apóstolos reuniram-se junto de Jesus e anunciaram-lhe tudo quanto tinham feito e ensinado» (Mc 6, 30). A ação e o ensino dos apóstolos é o prolongamento do que o Mestre fez e ensinou.
A seguir, convida-os ao descanso configurador, evocando o salmo 22, 1-2: «O Senhor é meu pastor: nada me falta, leva-me a descansar em verdes prados, conduz-me às águas refrescantes e reconforta a minha alma». Aqui já se aponta para Jesus como o bom e belo pastor. Ele é a nossa paz e silêncio e só permanecendo em Jesus Cristo podemos dar bom fruto.
No entanto, Jesus mostra uma compaixão profunda pela multidão «porque eram como “ovelhas sem pastor” e começou a ensinar-lhes muitas coisas» (Mc 6, 34). A compaixão estimula os profetas e os pastores à criatividade pastoral, para partilhar o pão da Palavra e da Eucaristia e alimentar a esperança cristã.
Uma ovelha sem pastor não é uma ovelha livre. Pode parecer que é livre, mas sem a guia do pastor é uma ovelha desgarrada e perdida. Apesar de serem animais dóceis e sociáveis, as ovelhas são muito frágeis e sensíveis, por isso a saúde e a sobrevivência de um rebanho dependem muito do cuidado e do amor do pastor. Ovelhas e cordeiros sem pastor enfrentam sérios problemas: ficam expostos a doenças e aos animais selvagens; ficam famintos e sedentos porque não encontram boa pastagem; vivem inseguros porque perdem o rumo a seguir. Assim, a missão do pastor do rebanho é assegurar que as suas necessidades sejam satisfeitas, de modo que possam viver bem e com confiança.
No dia da vossa ordenação presbiteral é tocantemente sugestivo que as leituras nos falem do Bom e Belo Pastor, o nosso Deus, que tudo faz para que as suas ovelhas e cordeiros vivam em paz e serenidade.
Ser pastor à maneira de Cristo é entregar-se com todo o ser, é abnegar-se e lutar até ao fim para que o rebanho tenha vida e a tenha em abundância. Um dos atributos de Cristo Bom Pastor é o olhar; um olhar que vê além do aparente, vê em profundidade e por isso consegue perceber as necessidades do rebanho e dele se compadece.
Caríssimos João, Pedro, Sérgio e Tiago sereis enviados a diversas comunidades; convido-vos, como primeira missão, a imitar o olhar de Jesus. Jesus vê as multidões e tudo faz para as ajudar. Por conseguinte, a vossa primeira tarefa será olhar as pessoas que vos são confiadas para as conhecerdes, escutardes e depois tomar as decisões conformes àquilo que vistes e às necessidades que identificastes.
Ser pastor é não um trabalho de “herói solitário”. E aqui está uma diferença fundamental entre ser um mero pastor de ovelhas e ser um pastor à maneira de Jesus Cristo e que colabora com Ele na condução das ovelhas do Reino de Deus: este não é um trabalho que possais realizar a solo. Sois Presbíteros chamados a viver em comunhão com o Bispo e com os outros Presbíteros do Presbitério. Além disso, nestes primeiros anos, que serão anos de grande aprendizagem, sois chamados ao estilo sinodal com o Presbítero moderador ou grupo presbiteral, para que possais aliar a liberdade e criatividade típicas da juventude à experiência de vida de um irmão mais velho. Vivei em comunhão com o Povo santo de Deus, com os Leigos das comunidades, fomentando a corresponsabilidade diferenciada e promovendo a sinodalidade e a ministerialidade que constituem a Igreja, Povo de Deus e Corpo de Cristo.
A amizade fraterna e comunhão sincera na corresponsabilidade é mais importante que trabalhar sozinho. Precisamos de agir em união e na paz, como pedimos ao Senhor Jesus Cristo, todos os dias na Eucaristia: «Não olheis aos nossos pecados, mas à fé da vossa Igreja e dai-lhe a união e a paz, segundo a Vossa Vontade».
A missão de um Presbítero não é fácil: «havia sempre tanta gente a chegar e a partir que eles nem tinham tempo de comer» (Mc 6, 31); haverá a tentação de pôr outras prioridades à frente das necessidades das ovelhas, como ouvimos Jeremias a condenar, ou de encontrar descanso noutros lugares, mas só no coração do Senhor encontrareis o verdadeiro descanso.
- Eucaristia, Evangelho vivido
Como afirmamos na missa crismal deste ano, a vida do Presbítero tem de ser alimentada na relação com o Senhor, e essa relação é particularmente sustentada pela celebração da Eucaristia. Por isso, peço-vos que a Eucaristia seja para vós “a fonte, o centro e também a finalidade” do ministério que hoje iniciais, porque todo “o Presbítero vive da e para a Eucaristia: e esta é a razão principal da sua missão”. Assim, ouso perguntar novamente: poderá um Presbítero viver sem a celebração diária da Eucaristia?
Com efeito, o mistério celebra-se para a vida. Por isso, já os Padres da Igreja evidenciaram: «por isso, a mesa está colocada no meio, como uma fonte, para que de todos os lados acorram os rebanhos à fonte e bebam das águas da salvação» (São João Crisóstomo).
Mas a celebração da Eucaristia, qual Palavra de Deus celebrada, vai muito além da piedade pessoal do Presbítero. Nesse sentido, desafio-vos com as comunidades às quais sereis enviados, a pôr em prática as grandes linhas do 5.º Congresso Eucarístico Nacional, que aqui no Sameiro se concluiu no passado dia 2 de junho. Permiti que as recorde: 1. Redescobrir que a centralidade eucarística vai para além do Domingo. 2. Manter as igrejas abertas e revalorizar a adoração eucarística. 3. Procurar o equilíbrio entre a Tradição e a necessidade de introduzir novas linguagens na liturgia. 4. Reforçar a Eucaristia como escola de fraternidade e sacramento de unidade. 5. Garantir a autenticidade e coerência entre o que se vive e anuncia. 6. Assumir a sinodalidade a partir da Eucaristia como lugar onde a Igreja se renova na comunhão, na participação e na missão. 7. Ser sinal de Esperança.
Aliado aos dois trilhos (conversão ao Evangelho/ oração e vida espiritual) do itinerário pastoral que a nossa arquidiocese está a percorrer, e que sonha “levar Jesus a todos e todos a Jesus” tendes aqui um mote rico. Se quiserdes, ajudar-vos-á na vossa santificação e na santificação do povo de Deus, redescobrindo a inesgotável fonte de graça que é a Eucaristia, o Evangelho vivido, para que o coração arda e os pés possam peregrinar.
Agradeço a partilha das palavras marcantes da Palavra que escolhestes para o vosso ministério sob o lema do V Congresso eucarístico nacional, «reconheceram-No ao partir do pão» (Lc 24, 35): «Eu sou o que permanece no amor d'Ele e completa-se a nossa alegria» (cf. Jo 15, 9-11); «Aquele que te guarda» (Sl 121, 4); «não se faça a minha vontade, mas a tua» (Lc 22,42); «Dei-vos o exemplo, para que, como Eu fiz, façais vós também» (Jo 13,15), ressaltando o desejo de se configurar a Cristo, modelo de todo o sacerdócio. Esse será um caminho de uma vida e que só estará concluído na vida eterna, quando com Ele estiverdes face-a-face.
- Ser sacramento visível
Hoje passais da diaconia do diaconado à diaconia do presbiterado na peregrinação de esperança. Jesus veio para servir, e todo aquele que se diz seu discípulo não pode fazer outra coisa que não seja imitar o Senhor no serviço, no dobrar-se para lavar os pés aos que mais precisam. Ser Presbítero é e será sempre um ministério, um serviço; jamais uma promoção.
Os tempos de hoje, como outros no passado, são desafiantes para a Igreja. Há muita polarização na sociedade, que se reflete cada vez mais na Igreja, com grupos a querer restaurar um passado supostamente glorioso, e outros a querer fazer tábua rasa desse passado, como se tudo pudesse ser começado de novo.
Gostemos ou não, este é o tempo que nos é dado viver, e temos de conseguir estar à altura dos desafios que esse tempo nos coloca. Somos os discípulos do Mestre, com as capacidades e as fragilidades inerentes à condição humana, e é com o que somos que o Senhor nos chama a colaborarmos na construção do seu Reino. Para isso, temos de nos transformar em dom para o mundo, sabendo que não estamos sós, porque Ele nos guia por sendas direitas, e ainda que tenhamos de passar os vales tenebrosos, não teremos medo porque Ele estará connosco e a Sua presença nos encherá de esperança e confiança.
É tão necessário transmitir o grande depósito vivo da fé! Na Liturgia, um dos problemas mais difíceis de resolver hoje, continua a ser a própria transmissão do verdadeiro e autêntico sentido da Liturgia da Igreja. Às vezes existe algum cansaço e até a tentação de voltar a velhos formalismos ou da aventura do espetacular. Outras vezes confunde-se a comunicação com os meios de comunicação e isto é um desastre para a arte de comunicar. A demasiada tecnologia, a intelectualização podem destruir a comunicação na Liturgia, que é essencialmente ação comunicativa do sempre mesmo e único mistério de Cristo.
Celebrar a sua Memória é incarnar o seu mandato e desejo: «fazei isto em memória de Mim» (Lc 22,19) e viver o que direi seguidamente a cada novo Presbítero: «recebe a oferenda do povo santo para a apresentares a Deus. Toma consciência do que virás a fazer; imita o que virás a realizar, e conforma a tua vida com o mistério da cruz do Senhor». Desde os inícios do Cristianismo, o cálice tem um simbolismo pascal, passando a ser o vaso sagrado por sublimidade. Na celebração da instituição de acólitos, e na celebração da ordenação do bispo e dos presbíteros, um dos gestos simbólicos que melhor explicam o ministério é o da entrega do cálice com vinho e água e a patena com o pão. Hoje, os vossos pais, em nome do povo santo de Deus, trazem ao altar o cálice para cada um de vós. Que belo gesto!
Conscientes de que a Igreja vive da Eucaristia, a assembleia do povo santo de Deus congregado em nome da Santíssima Trindade e com “o Livro e o Cálice”, auguramos que floresça uma renovada pastoral juvenil, universitária, vocacional e nunca faltem os verdadeiros servidores do admirável sacramento do Mistério pascal.
Caríssimos irmãos e irmãs: «A vida pastoral não é um manual, mas uma oferta diária; não é um trabalho preparado abstratamente, mas “uma aventura eucarística”. É repetir com a vida, em primeira pessoa: “Isto é o meu corpo, entregue por vós”» (Papa Francisco). Cada Presbítero não deve ter o desejo de oferecer no exercício do seu ministério, o seu próprio corpo, isto é, toda a sua vida pelo povo a si confiado?
Arder e iluminar – foi o lema profético e pastoral do Arcebispo bracarense São Bartolomeu dos Mártires. A sua inspiração e intercessão façam de nós chamas ardentes que iluminam para “incendiar” no sonho de sonhar levar Jesus a todos e todos a Jesus.
Confiamo-nos esperançosamente à Senhora do Sameiro, conforme frisou aqui o Cardeal José Tolentino de Mendonça: «como transportaste Jesus no teu seio, transporta a Igreja nesta hora de relançamento e esperança».
Juntos, somos um povo peregrino de esperança, no caminho de Páscoa, para sermos cada vez mais Igreja sinodal, samaritana, eucarística, mariana e missionária!
+ José Manuel Cordeiro
Arcebispo Metropolita
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