Arquidiocese de Braga -
29 junho 2023
Um testemunho de amor a Jesus Eucarístico
DACS
"Padre Abílio não é de todo uma figura de museu, nem de história, nem é isso que pretendemos. Se formos capazes de perceber e entender a Eucaristia como ele o fez, estaremos muito mais preparados para estes desafios pastorais que se colocam à comunidade."
Neste dia 29 de junho, 56º aniversário de falecimento Servo de Deus, padre Abílio Gomes Correia, conhecido como “Apóstolo da Eucaristia”, trazemos uma entrevista com Cónego Avelino Amorim, pároco de São Mamede de Este, para conhecermos um pouco mais desta história de vida.
Padre Abílio nasceu em Padim da Graça, a 9 de Fevereiro de 1882. Ordenado sacerdote a 24 de setembro de 1904, começou como auxiliar em Padim da Graça e capelão da Irmandade do Senhor dos Passos de Cabreiros, sendo nomeado a 21 de Julho de 1907 pároco de S. Mamede de Este, onde permaneceu (com duas interrupções), até à data da sua morte, a 29 de Junho de 1967.
No início de junho, o Igreja Viva, por ocasião da Solenidade do Corpo de Deus, trouxe uma entrevista com o Monsenhor Mário Rui de Oliveira, Postulador da Causa de Beatificação e Canonização do Servo de Deus.
Como surgiu o título de “Apóstolo da Eucaristia”?
O nome ou este epíteto de apóstolo da Eucaristia é exatamente o título do primeiro livro que foi dedicado ao servo de Deus, Padre Abílio, escrito pouco tempo após a sua morte, portanto, na década de 70, pelo padre Fernando Leite, que era um sacerdote jesuíta que o conheceu muito bem (ele mesmo um sacerdote com fama de santidade entre nós, sobretudo pelo trabalho muito próximo com os mais os mais desfavorecidos e na pastoral prisional).
O livro que hoje está esgotado, mas ainda é grande referência, como o dos escritos da vida do Servo de Deus, do padre Abílio. O título desse livro é “Apóstolo da Eucaristia” . Pessoalmente gosto também de um outro, que é anterior a este, da década de 40, dado pelos seus paroquianos e que está num quadro presente na sacristia de São Mamede de Este. No aniversário do Padre Abílio, a 9 de fevereiro de 1943, é colocado um quadro com a figura do padre Abílio, onde ele é chamado de Apóstolo do Santíssimo Sacramento, inspirado no trabalho que ele já vinha fazendo desde meados da década de 1910.
Isso traduz ainda melhor toda a ação pastoral do Padre Abílio, porque não se centra apenas na celebração da Eucaristia, mas em toda a devoção e adoração do Santíssimo Sacramento.
A partir de 1914, o Padre Abílio começa a publicar O Mensageiro Eucarístico, revista mensal. Era o apoio para a adoração eucarística mensal nos movimentos e nas comunidades que fundou ou motivou este culto, a adoração ao Santíssimo Sacramento, que procurou espalhar por todo o país e mesmo fora de Portugal.
Não era uma coisa comum para as comunidades, certo?
Padre Abílio se inspirou muito no espírito dos Padres do Santíssimo Sacramento, como o Padre (São) Julião Eymard - que fundou a Congregação do Santíssimo Sacramento-, do qual ele tinha uma relíquia, conservada em São Mamede.
O princípio era a renovação pastoral a partir da Eucaristia. Portanto, também no sentido de todo o movimento litúrgico, e, nesse espírito, depois o Concílio Vaticano II traduz nessa célebre expressão: “A Eucaristia é a fonte e o cume da vida da Igreja”.
Alguém tem a informação de como aconteceu esse primeiro esse amor, como ele se aproximou da Eucaristia nesse sentido?
Não temos a informação de como ele chega aos Padres do Santíssimo Sacramento. Já contactamos a França, e não há qualquer registo. Neste momento, o Padre Pedro Daniel, que está a estudar em Roma, está também a perceber um pouco esta ligação para perceber se nos arquivos em Roma existe alguma ligação.
Que ele é pioneiro em Portugal sim, porque os Padres do Santíssimo Sacramento nunca tiveram uma presença em Portugal. A única presença que é referida, apenas de passagem, alguns meses em Lisboa, como preparação, como um momento de aprender e aperfeiçoar a língua portuguesa de de sacerdotes que iam a caminho de Moçambique, para para fundar lá também uma missão deles.
Portanto, o que sabemos é que, já na década de 1910, o culto e estes movimentos eucarísticos estão presentes em São Mamede. Sabe-se também que o Padre Abílio acompanhou D. Manuel Vieira de Matos ao primeiro Congresso Eucarístico e, portanto, está já muito presente. Padre Abílio foi ordenado em 1907. É muito da sua génese, da sua vida sacerdotal, é uma convicção muito profunda.
Estamos a trabalhar e esperamos em breve, pelo menos no horizonte do próximo Congresso Eucarístico (em Braga, 2024), tê-los muito bem definidos. Há o fato da proximidade do padre Abílio a outras grandes figuras - o frei Bernardo Vasconcelos e a Beata Alexandrina de Balasar (que também pertenceu a estas associações eucarísticas que o padre Abílio fundou).
São Mamede tem nos seus azulejos, colocados pelo Padre Abílio, as figuras do Santo Cura d' Ars, São Julião, e tem muitas expressões que eucarísticas, também gravadas à letra.
É por isso que ele ficou conhecido como o cura de Portugal?
De facto, ele passava horas e horas, dia e noite, diante do Santíssimo Sacramento. Nunca o deixou escrito, mas deixou partilhado com aqueles que foram os seus colaboradores mais próximos, as graças e certamente alguma visão beatífica que ele teve, mas que se recusou sempre a revelar, guardava como uma graça particular.
Mas quem o acompanhava afirma, ainda hoje, com toda a convicção, que sim, que o padre Abílio teve esta proximidade muito grande com com o Santíssimo Sacramento
Tudo isso ganhou uma outra dimensão na comunidade …
Ainda pouco terminei de fazer uma relação das paróquias. São 1124 que ele tinha registadas, pelo cujo dele, quando iniciaram, como foram agregadas… E estamos a falar só da agregação do Santíssimo Sacramento. Mas há depois os pajens do Santíssimo Sacramento (sobretudo para as idades mais jovens), os Padres do Santíssimo Sacramento (sacerdotes que se comprometiam e se identificavam neste movimento). As paróquias tinham adoração noturna (algumas). Havia a adoração cotidiana, que ele fundou no início da década de 1920, em que as paróquias se comprometeram à adoração contínua do Santíssimo Sacramento. Chegou a ter 3000 assinantes da revista Mensageiro Eucarístico e estamos a falar do início do século XX, não hoje, com as capacidades que temos. Isso com todas as dificuldades, não só na expedição, mas, como por exemplo, os custos dos materiais.
Na altura era uma paróquia rural, pequena e, portanto, tudo parte dali não só para o nosso país, mas para Angola, Moçambique. Há estes registos e também da pertença de diversos seminários, portanto ele chegou ao coração pastoral de Portugal, sem dúvida alguma.
Ele deixou frases que estão gravadas na paróquia como a “Eucaristia ser trasladada à terra para fazer da terra um céu”…
O padre Abílio dizia que a única possibilidade que temos de saborear um pouco aquilo que viveremos depois, de forma plena e definitiva, na eternidade, é de facto a Eucaristia, porque é a presença real de Jesus, é o próprio Jesus que aí está. Ele dizia isso mesmo - tomai o vosso tempo de adoração eucarística como vossa experiência do céu. As palavras não são textuais, mas é esta ideia. Este tempo da celebração da Eucaristia, da adoração eucarística é o tempo que temos, a oportunidade e a experiência que temos para viver desde já a comunhão com Deus, daquilo que vamos viver na eternidade, por todo o sempre.
Ele tentou explicar isso em dezenas de pequenas frases. São os escritos que temos dele. Não temos escritos extensos, até porque, após a morte dele, lamentavelmente, perderam-se alguns. Procuramos depois, sobretudo através da revista Mensageiro Eucarístico, muitas expressões dele relacionadas à Eucaristia. Pequenas frases que hoje procuramos também tomar, por exemplo, para os nossos momentos de Adoração Eucarística na comunidade, porque nos parecem que são facto muito expressivas, muito fortes, muito verdadeiras.
Porque é que adoramos a Eucaristia? Porque nela está Jesus. É a presença real de Jesus. Não é simbólica, nem figurativa. É o próprio Jesus. Portanto, é neste diálogo e neste ‘tu a tu’ com Jesus, que a Adoração Eucarística permite fazer esta experiência do céu. Era isso que ele dizia, e é verdade. A fé cristã não é uma esperança adiada, é para o hoje.
Padre Abílio deu início à renovação eucarística em Portugal? O primeiro Congresso Nacional se deve a ele?
Não só a renovação eucarística, mas na linha dos Padres do Santíssimo Sacramento, era mais do que a renovação eucarística litúrgica, era a renovação pastoral. A Igreja em Portugal tinha sofrido um duro golpe com a implantação da República, com a perseguição, uma situação muito difícil para a Igreja.
Ele sempre defendeu que o caminho era este, através do culto católico, não só da Eucaristia, mas também da Adoração Eucarística. O padre Abílio vai em 1922 a Roma, ao Congresso Eucarístico Internacional, acompanhando o Arcebispo.
No regresso, manifesta o desejo de realizar um congresso em Portugal. Mas havia a dificuldade económica, não só pela situação da Igreja e do país, mas também porque a diocese estava muito empenhada na renovação dos seminários. Nesse contexto, o Padre Abílio oferece para, com os seus assinantes, prover o necessário para realizar um Congresso Eucarístico diocesano em 1923.
Na sequência desse primeiro, surge esta ideia de realizar o Congresso Eucarístico Nacional, em 1924. Aliás, a maior parte dos Congressos Eucarísticos foram realizados em Braga, não só este, mas depois, em 1957, depois mais tarde em Fátima, que julgo que na década de 70 e depois em 1999, de novo, em Braga. Agora, o próximo, em 2024, novamente em Braga. Há essa presença muito forte, um contributo, mas também muito escondido, do Padre Abílio.
Como ele era?
Era uma pessoa muito simples. Isso também revela muito o sentido eucarístico da sua vida. O importante não era que o nome dele aparecesse.
Hoje falamos novamente desta importância da renovação pastoral. Vemos imensos projetos de renovação pastoral, certamente inspirados em muitas vertentes. Mas o padre Abílio inspirava-se na Eucaristia. Se a Eucaristia é presença real e se a evangelização leva ao encontro com Cristo, a Eucaristia dá um enorme contributo. Evangelização é levar cada pessoa ao encontro com Cristo, que transforma e dá sentido à vida. Esse encontro com Cristo aparece privilegiadamente na Eucaristia.
Todo este movimento, que não se reduz à celebração da Eucaristia, lógico, mas do conhecer a Eucaristia, do adorar, do viver estava nessa linha de uma renovação que ainda hoje julgo possível e que procuramos nós, enquanto paróquia, redescobrir. O próximo Congresso Eucarístico poderá reforçar um pouco isso. Neste tempo em que voltamos a falar de renovação pastoral, qual o lugar da Eucaristia, nesta mesma renovação pastoral?
Como o exemplo dele pode despertar a comunidade? Como vivem isso?
A comunidade tem ainda o privilégio de poder contar com o testemunho de pessoas que privaram com o padre Abílio. Não esqueçamos fez agora, dia 29 dia de junho, dia de São Pedro, 56 anos que ele faleceu. Algumas pessoas privaram muito de perto com ele e, ainda hoje, podemos conversar, escutar e ver aquele ‘brilhozinho’ nos olhos de quem esteve com ele. Alguns acompanharam-no muito de perto.
Lembro de um caso concreto, uma pessoa que frequentou o seminário ainda no tempo dele, que o acompanhava nas férias por todas as deslocações que fazia, e ainda hoje nos dá esse testemunho.
Para além disso, temos procurado trazer aos poucos também a Eucaristia para o coração da nossa vida, não só na Eucaristia celebrada, mas na dinâmica pastoral de toda a comunidade, que é um longo caminho.
Se calhar precisamos é redescobrir o sentido e a importância da Eucaristia na vida de cada um. Penso que é também o grande tributo que podemos dar, reconhecendo o contributo que ele deixou.
Padre Abílio não é de todo uma figura de museu, nem de história, nem é isso que pretendemos. Se formos capazes de perceber e entender a Eucaristia como ele o fez, estaremos muito mais preparados para estes desafios pastorais que se colocam à comunidade.
Isso sim é o que pretendemos com o processo de canonização que foi iniciado e que só assim fará sentido. Não queremos mais uma estátua na Igreja, não nos diria absolutamente nada, mas reconhecemos que aquilo que nos deixou como legado ainda hoje é muito importante para vivermos a nossa fé cristã e por isso o tomamos como modelo.
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