Arquidiocese de Braga -
26 setembro 2022
Assim é o primeiro mosteiro ecossustentável
DACS com Vida Nueva Digital
Quatro Clarissas italianas dão vida à encíclica “Laudato Si’" em Lecce.
Olhando para elas hoje, à sombra da bandeira da paz que ondula em frente à igreja de madeira de abeto, a imagem das Clarissas de Lecce é quase icónica. São a imagem de uma escolha de vida sustentável num momento em que a necessidade de proteger o meio ambiente parece estar suspensa diante de um ambiente agressivo alimentado por guerras e violência.
São a imagem de uma vocação religiosa que se deixou interpelar pelas questões que a vida vai suscitando; de uma habilidade muito feminina que é lançar-se nos caminhos imaginativos da Providência.
Estamos a falar do primeiro mosteiro da Itália que respeita totalmente o meio ambiente, localizado nos arredores de Lecce, a três quilómetros do centro histórico. É todo branco e abriga as celas das freiras, uma casinha para hóspedes, uma oficina, um salão e dois refeitórios com vista para a igreja, lembrando a arquitectura das casas da região, num terreno de nove hectares, entre árvores jovens e caminhos de pedras brancas e plantas de lavanda.
Quatro freiras vivem aqui: Celeste, Marilu, Ilenia e Romina, todas na casa dos cinquenta. São vocações nascidas na Igreja da Apúlia, dentro da Acção Católica. Há vinte anos, nunca imaginariam estar aqui, neste lugar onde o claustro é uma porta aberta para a Criação que também acolhe os peregrinos que vêm em busca de um espaço de silêncio e oração.
A história das Irmãs de Santa Clara neste local é marcada pela instalação de uma central de distribuição de metano. “O nosso mosteiro nasceu no século XVII, em Soleto. Desde então sempre tivemos vocações. Até há vinte anos, muitas meninas pediram para entrar, incluindo algumas albanesas”. No final do ano 2000, “a central de metanização foi instalada no perímetro do mosteiro. E em pouco tempo muitas fendas apareceram nas paredes.”
As freiras que ali estavam há 60 anos, algumas até com 90 anos, foram obrigadas a fazer as malas às pressas e procurar “alojamentos temporários em poucos dias”, explica Celeste, a líder da comunidade. A expressão não é escolhida ao acaso. De facto, é uma das expressões mais famosas de D. Tonino Bello, santo bispo da Apúlia, que sorri numa fotografia nas paredes do mosteiro e que Celeste teve como pároco quando era criança em Tricase.
Na sala iluminada, onde o calor do exterior é mantido afastado graças às paredes de madeira, a história continua com um sumo de morango e limão na mão, produto da pequena horta. “Após o abandono apressado do mosteiro, fomos acolhidas numa casa de repouso na Diocese de Otranto. De seguida, os frades franciscanos ofereceram-nos um antigo convento desabitado, em San Simone, diocese de Nardò-Gallipoli. Mas sentimos falta da diocese de origem, onde a nossa comunidade era a única presença monástica”.
O vínculo com a cidade é forte porque os mártires de Otranto, canonizados em 2013, subiram ao altar graças à cura milagrosa de uma das suas irmãs, gravemente doente, e por quem a comunidade rezou em 1980 durante uma peregrinação à urna dos Mártires. Eles concederam-lhe a graça da cura.
Em Lecce
Assim, em 2008, depois de seis anos, regressara à sua diocese de origem em Otranto, a um convento dos Frades Mínimos. “Há algum tempo que pensávamos em estabelecer pequenas comunidades noutros lugares. Em 2003 nasceu a primeira em Shkoder, com quatro irmãs albanesas e três italianas. Estávamos à procura de uma casa para outra fundação na Apúlia. Não tínhamos pensado em Lecce, mas, no fim, a cidade ofereceu-nos todas as condições para a realização deste projecto”.
Em 2010, D. Domenico Umberto D'Ambrosio colocou à disposição das Irmãs Clarissas uma parte de um edifício do século XVI no centro histórico da cidade. “Foi um empréstimo gratuito no local onde ficava a Cáritas diocesana. Um grande desafio”. Sem espaços verdes, entre os esplendores do barroco e as idas e vindas dos turistas, as freiras que para ali se deslocaram perguntam-se como será a sua vida de oração e silêncio no coração da noite de Lecce. Numa zona onde, como noutros centros históricos, convivem “as casas de pessoas muito ricas e os barracos de pessoas muito pobres de todas as origens”.
Encarnar a oração
O edifício onde vive a pequena comunidade está localizado atrás da catedral, na mesma rua onde há habitações municipais para famílias desfavorecidas. “Assim que chegamos, tornamo-nos numa referência. Muitos pensaram que o serviço da Caritas tinha sido reactivado naquele prédio. Assim, começamos a estabelecer relações com os vizinhos da área”. Uma das salas comunitárias foi convertida em centro de acolhimento e outra foi utilizada como capela.
“Certamente, viver o nosso dia monástico enquanto as famílias nos prédios opostos penduravam as suas roupas, discutiam ou comiam, ajudou-nos a encarnar a oração”. Eram as situações quotidianas que as freiras meditavam na sua oração. Também outras terríveis, como o caso de dois jovens suicidas, a desgraça dos alcoólicos ou o drama dos jovens com problemas de drogas. Ou aos imigrantes a quem abriram as suas portas e os ajudaram a regressar a casa, na outra margem do Mediterrâneo, graças à sua mediação com as instituições.
Um casal curioso
No meio desse quotidiano, a comunidade viveu dois acontecimentos surpreendentes. “Duas pessoas bateram à nossa porta certa noite. Apresentavam-se como um casal, eram uma polonesa e um italiano com deficiência. Contaram-nos que faziam parte de uma família nobre e que as suas malas e todos os seus pertences tinham sido roubados. Queriam que os alojássemos”. As freiras concordaram sem mais perguntas. Disseram-lhes que o seu sonho era viver num convento noutro local, em contacto com a natureza.
Depois de uma semana, o casal deixou o convento muito agradecido, mas não antes de deixar às irmãs um grande cheque, um suposto presente da mãe do homem. Em todo o caso, as freiras não tinham ilusões e estavam certas. O cheque não tinha fundos. No entanto, apenas dois dias depois, um amigo banqueiro aposentado deu-lhes uma notícia incrível:
“Ele disse-nos que duas irmãs ricas de Lecce queriam fazer uma doação em forma de terra e dinheiro. A quantia do primeiro cheque das benfeitoras, Dolores e Teresa Magliola, correspondia à soma do cheque falso deixado pelo estranho casal. O terreno ficava na periferia da cidade, numa zona rural, na estrada do Adriático que leva à Torre Chianca. As monjas pensaram imediatamente “num projecto em sintonia com o que o Senhor nos pedia e, de acordo com a simplicidade das casas de madeira da Albânia, sentimos a necessidade de ter uma casa que cuidasse da Casa Comum”.
Para construirem o seu novo convento, recorreram a um escritório de arquitectura em Verona recomendado por um frade missionário franciscano da Albânia, onde as Clarissas viviam em edifícios pré-fabricados de madeira na cidade de Shkoder. “Foi o lugar mais franciscano em que já estivemos”. Dessa experiência nasceu a ideia do actual mosteiro. “Queríamos traduzir o nosso modo de vida – oração, trabalho, fraternidade, hospitalidade – numa estrutura que pudesse dizer algo às pessoas de hoje. Em sintonia com o que diz o Papa Francisco na Laudato si'”.
Lenha, energia fotovoltaica, sem instalação de gás e muito pouco aquecimento, nem ar condicionado. Os antigos terrenos baldios albergam agora alfarrobeiras, azinheiras, ciprestes, choupos, pinheiros, acácias, tílias e matos mediterrânicos, alguns deles dedicados aos falecidos ou recém-nascidos graças à campanha “Dá-te uma árvore”.
Ao ar livre
Há também um jardim de romãs, marmelos e outras frutas. É pequeno, dizem as irmãs, “porque queremos evitar a mentalidade de exploração das árvores, que se concentra no seu aspecto produtivo e lucrativo, e não na beleza e saúde gratuitas que elas nos dão”. E enquanto esperam o crescimento das árvores, chegam frutas doadas pelos habitantes locais para fazerem compotas que depois vendem, além de licores.
Os grandes espaços ao ar livre são perfeitos para as vigílias da tarde de Agosto dedicadas a Santa Clara, para orações pela paz ou para reuniões de grupo. Ou apenas para respirar um pouco de ar fresco e depois mergulhar na oração pessoal. “É um lugar que oferece o oxigénio da Palavra e da Criação”, explica Celeste. Sim, porque o claustro de hoje substituiu as grades por alfazemas e arbustos. Um espaço verde em nome da convivência entre a pessoa e o meio ambiente, na tentativa de restabelecer a harmonia da Criação.
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