Arquidiocese de Braga -

5 setembro 2022

Igreja alerta sobre violência recorde contra indígenas no Brasil

Fotografia Amanda Perobelli/Reuters via CNS

DACS com Crux

O número de suicídios, 148, foi o maior já registado, segundo o relatório.

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A violência contra os povos indígenas no Brasil cresceu em 2021, atingindo o seu nível mais alto desde 2013, segundo uma agência da Conferência Episcopal.

O Conselho Indigenista Missionário (CIMI) informou que existiram 355 casos de violência física contra indígenas no ano passado, incluindo 176 assassinatos, 20 casos de homicídio involuntário, 12 tentativas de homicídio e 14 actos de violência sexual.

O número de suicídios, 148, foi o maior já registado, segundo o relatório.

“A violência contra os indígenas atingiu um nível de extrema crueldade. Tornou-se algo banal. Já tínhamos denunciado a crescente violência em 2020, mas nada foi feito pelo governo”, disse Antonio Eduardo de Oliveira, secretário-executivo do CIMI, ao Crux.

O principal motivo do aumento foi o aumento das incursões em territórios indígenas. O relatório do CIMI afirma que houve 305 casos de entrada de intrusos em terras indígenas com a intenção de assumirem o controlo do território ou explorarem os seus recursos. Este foi o sexto ano consecutivo em que as incursões em terras indígenas cresceram no Brasil.

O número de ocorrências em 2021 foi quase três vezes maior do que em 2018, um ano antes da tomada de posse do presidente conservador Jair Bolsonaro. Na sua campanha eleitoral, alegou que os povos indígenas tinham demasiadas terras no Brasil e prometeu que não lhes concederia “um centímetro quadrado a mais” de território.

Também apoiou exploradores de minerais ilegais e fazendeiros que invadiram as terras indígenas. Segundo o CIMI, todas estas políticas acabaram por intensificar a ocupação ilegal de reservas indígenas.

“O apoio a esses criminosos também aconteceu na forma de projectos de lei que visam flexibilizar a protecção às terras indígenas e permitir actividades económicas dentro delas”, acrescentou Oliveira.

O projecto de lei 191 foi apresentado por Bolsonaro em 2020 com o objectivo de abrir territórios indígenas a empreendimentos mineiros e de perfuração de petróleo. A proposta provocou diversas manifestações de grupos indígenas e organizações ambientalistas. Ainda está a ser debatido no Congresso.

“O actual presidente também enfraqueceu os órgãos ambientais do governo e a Fundação Nacional Indígena, por isso o número de operações de monitorização e controlo foi bastante reduzido. Estamos completamente desprotegidos”, disse Adriano Karipuna, do povo Karipuna de Rondônia.

Adriano disse que o território do seu povo foi invadido pela primeira vez em 2017. A situação deteriorou-se rapidamente quando Bolsonaro assumiu o poder em 2019. Agora, mais de um terço das suas terras estão ocupadas por fazendeiros ilegais. Porções da floresta amazónica foram substituídas por pastagens para o gado.

“Já denunciamos esta situação várias vezes às autoridades, mas nada foi feito”, disse.

Pesadas máquinas podem ser ouvidas dia e noite. Não familiarizados com ambientes ruidosos, os Karipuna têm dificuldades para dormir devido ao equipamento. Também temem que os intrusos possam atacar a aldeia.

“Recebemos várias ameaças deles por denunciarmos as suas actividades. Dizem que nos vão atacar no rio ou na estrada. Uma invasão em massa ou um assassinato pode acontecer a qualquer altura”, afirmou.

As dispendiosas máquinas que são manobradas por esses invasores mostram que não são pequenos agricultores ou trabalhadores, como Bolsonaro afirmou em várias ocasiões, observou Adriano.

“Eles fazem parte de grupos poderosos com dinheiro para realizar os seus projectos”, disse.

Procurando a reeleição, Bolsonaro disse a 22 de Agosto à maior rede de TV do Brasil, a Rede Globo, que os equipamentos agrícolas dos fazendeiros não podem ser destruídos por agentes ambientais durante as incursões.

“Isso é muito cínico da parte dele. Ele obviamente está a proteger estas pessoas”, disse Adriano Karipuna.

A 12 de Agosto, membros do grupo indigenista souberam que os ocupantes ilegais de terras planeavam incendiar grandes territórios para acelerar a desflorestação. No dia 15 de Agosto começaram os incêndios florestais – que têm destruído grandes áreas do território Karipuna.

“Este tipo de acção orquestrada mostra-nos que os invasores são apoiados por pessoas poderosas. A actual administração incentiva esse comportamento”, disse a Irmã Laura Manso, agente do CIMI e membro da Conferência Eclesial Amazónica.

Manso trabalha com os Karipuna há vários anos e viu como os invasores se apoderaram aos poucos de uma grande extensão de terra do grupo.

“Eles estão sob grande pressão. Receberam várias ameaças. Mas não têm para onde ir”, afirmou.

A freira já recebeu várias ameaças de morte e diz que teme pela sua vida, mas isso não vai impedi-la de continuar.

“Somos parte de uma Igreja que acredita na vida. Sabemos que a vida continua sempre, apesar de tantas circunstâncias de morte. Estamos esperançosos na vida e temos que continuar a lutar por ela”, observou Manso.

A escalada de violência forçou os agentes do CIMI a terem cuidado redobrado nos últimos anos. Segundo Oliveira, territórios que sofrem com grandes incursões de exploradores ilegais, como a terra Yanomami, também viram o aparecimento de cartéis de droga do Sudeste do Brasil, o que tornou a área ainda mais perigosa.

“Eles aproveitaram da atmosfera desregulada e ganharam o controlo da mineração ilegal em diferentes áreas da Amazónia. Tivemos que tirar os nossos agentes desses territórios”, disse.

O CIMI também recomendou cautela aos activistas indígenas de todo o país. Oliveira afirmou que o número de indígenas mortos em 2021 poderia ter sido muito maior.

“Estamos a passar por um momento de violência”, explicou.

Muitos dos trabalhadores do CIMI temem que as coisas possam ficar caóticas durante os últimos meses de 2022. O Brasil terá as suas eleições presidenciais em Outubro, colocando Bolsonaro contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera todas as sondagens.

“Se Lula for eleito, os invasores de terras podem tentar intensificar as suas acções antes de Bolsonaro deixar o seu cargo a 31 de Dezembro. Esta pode ser uma situação muito perigosa para grupos indígenas em todo o país”, disse Oliveira.

Adriano Karipuna disse que o seu povo não verá uma mudança repentina, mesmo que Lula vença.

“Não sabemos como é que estes invasores vão reagir a uma mudança de poder político, mas sabemos que não vão deixar as nossas terras no dia seguinte”, afirmou.

Manso destacou que a disputa pela terra no Brasil é um problema estrutural que esteve sempre ligado ao poder político e económico.

“Por isso, a violência contra os povos indígenas é sistémica. Sabemos que eles terão sempre que lutar pelos seus territórios”, concluiu.

Artigo de Eduardo Campos Lima, publicado no Crux a 29 de Agosto de 2022.