Arquidiocese de Braga -
23 junho 2022
Série de Arquivos Históricos “Judeus” da Secretaria de Estado publicada online
DACS com Vatican News
Um património documental especial que se distingue de outras séries arquivísticas, já pelo nome que lhe é atribuído: “Ebrei” (Judeus).
Consiste num total de 170 volumes, ou cerca de 40.000 arquivos. Apenas 70% do material total estará inicialmente disponível, mas posteriormente será complementado com os volumes finais actualmente em preparação.
“Se lhe estou a escrever hoje, é para pedir que me ajude de longe”. Milhares de documentos arquivados que dão voz a pedidos desesperados de ajuda. Como este, de um estudante universitário alemão de 23 anos “de origem israelita”, que foi baptizado em 1938, e que, a 17 de Janeiro de 1942, fez um último esforço para se libertar da detenção num campo de concentração em Miranda de Ebro, Espanha.
Finalmente teve a oportunidade de se juntar à mãe, que havia fugido para a América em 1939, “para preparar uma nova vida”, escreveu. Estava tudo pronto para a partida de Lisboa. Só faltava a intervenção “de alguém de fora” para que as autoridades consentissem a sua libertação.
“Há pouca esperança para quem não tem ajuda externa”, explica com poucas, mas eloquentes palavras. Escreve então a um velho amigo italiano, pedindo-lhe que peça ao Papa Pio XII que intervenha a seu favor o Núncio Apostólico em Madrid, sabendo que: “com esta intervenção de Roma, outros puderam sair do campo de concentração”.
Nos dois documentos seguintes, descobrimos que a Secretaria de Estado tratou do caso em poucos dias, levando-o “recentemente” ao conhecimento do Núncio em Madrid. Em seguida, a correspondência em papel é interrompida. É silenciosa sobre o destino deste jovem estudante alemão.
Quanto à maioria dos pedidos de ajuda testemunhados por outros casos, o resultado do pedido não foi reportado. Nos nossos corações, imediatamente esperamos um resultado positivo, a esperança de que Werner Barasch mais tarde tenha sido libertado do campo de concentração e tenha conseguido alcançar a sua mãe no estrangeiro.
Neste caso específico, o nosso desejo foi atendido: uma procura na internet revela vestígios dele em 2001. Não só há uma autobiografia que relata as suas memórias como “sobrevivente”, mas entre as colecções online do Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos há ainda um vídeo com uma longa entrevista, em que Werner Barasch conta a sua incrível história pessoalmente, aos 82 anos.
Aprendemos assim que foi libertado do campo de Miranda no ano seguinte ao seu apelo numa carta ao Papa e que, em 1945, conseguiu finalmente juntar-se à mãe nos Estados Unidos. Lá, continuou os seus estudos na Universidade da Califórnia, Berkeley, MIT e na Universidade do Colorado. Trabalhou então como químico na Califórnia. Graças a recursos online cada vez mais ricos, desta vez podemos respirar aliviados.
Os documentos
Um património documental especial que se distingue de outras séries arquivísticas, já pelo nome que lhe é atribuído: “Ebrei” (Judeus). Um património que é precioso porque reúne os pedidos de ajuda enviados ao Papa Pio XII por Judeus, baptizados e não baptizados, após o início da perseguição nazi e fascista. Um património que, a pedido do Papa Francisco, agora é facilmente acessível a todo o mundo graças a um projecto destinado a publicar a versão digitalizada completa da série de arquivos.
É a série “Ebrei” do Arquivo Histórico da Secretaria de Estado – Secção de Relações com Estados e Organismos Internacionais (ASRS). A série de 170 volumes no total faz parte da Colecção Assuntos Eclesiásticos Extraordinários (AA.EE.SS.) relativa ao Pontificado de Pio XII — Parte 1 (1939-1948), e já disponível para consulta desde 2 de Março de 2020 na Sala de Leitura do Arquivo Histórico, por estudiosos de todo o mundo.
A então Sagrada Congregação para os Assuntos Eclesiásticos Extraordinários (da qual deriva o nome do acervo arquivístico), equivalente ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, encarregou um minutante diplomático (D. Angelo Dell’Acqua) de gerir todos os pedidos de ajuda enviados ao Papa de toda a Europa, com o objectivo de fornecer toda a ajuda possível.
Podiam ser feitos pedidos para obtenção de vistos ou passaportes para expatriados, asilo, reunião de famílias, libertação de detenção e transferências de um campo de concentração para outro, receber notícias sobre pessoas deportadas, suprimentos de alimentos ou roupas, apoio financeiro, apoio espiritual e muito mais.
Cada um desses pedidos constituiu um caso que, uma vez processado, foi destinado a armazenamento numa série documental intitulada “Ebrei”. Contém mais de 2.700 casos com pedidos de ajuda quase sempre para famílias inteiras ou grupos de pessoas.
Milhares de pessoas perseguidas por serem membros da religião judaica, ou simplesmente por terem ascendência “não ariana”, recorreram ao Vaticano, sabendo que outros haviam recebido ajuda, como escreve o próprio jovem Werner Barasch.
As solicitações chegariam à Secretaria de Estado, onde os canais diplomáticos tentariam prestar toda a ajuda possível, levando em conta a complexidade da situação política no contexto global.
Depois de o pontificado de Pio XII ter sido aberto para consulta em 2020, essa lista especial de nomes recebeu o nome de “lista de Pacelli”, (Papa Pio XII), ecoando a conhecida “lista de Schindler”.
Embora os dois casos sejam diferentes, a analogia expressa perfeitamente a ideia de que pessoas nos corredores da instituição ao serviço do Pontífice trabalharam incansavelmente para fornecer ajuda prática ao povo judeu.
Publicação online da Série de Arquivos
A partir de Junho de 2022, a série “Ebrei” estará disponível para consulta na internet na sua versão virtual, de livre acesso a todos no site do Arquivo Histórico da Secretaria de Estado – Secção de Relações com Estados e Organismos Internacionais.
Além da reprodução fotográfica de cada documento individual, também estará disponível online um arquivo com o inventário analítico da série, incluindo todos os nomes dos beneficiários de ajuda relatados nos documentos. Setenta por cento do material estará inicialmente disponível online, que será seguido com os últimos volumes que estão a ser trabalhados.
Quanto ao pedido de Werner Barasch, a maioria dos mais de 2.700 casos que chegaram à Secretaria de Estado, que hoje narram as muitas histórias de tentativas de fuga da perseguição racial, deixam-nos com receio, e nem sempre é possível encontrar fontes com mais informações. Disponibilizar na internet a versão digitalizada de toda a série “Ebrei” permitirá que os descendentes daqueles que pediram ajuda encontrem vestígios dos seus entes queridos de qualquer parte do mundo. Ao mesmo tempo, permitirá a estudiosos e a qualquer interessado, examinar livremente, à distância, esse património arquivístico especial.
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