Arquidiocese de Braga -

9 junho 2022

Hans Zollner: “Cuidar das vítimas é o coração do nosso ministério”

Fotografia ACI

DACS com La Croix International

O jesuíta alemão que é um dos maiores especialistas da Igreja Católica em abuso sexual e a sua prevenção deu uma grande palestra em Paris a convite dos bispos franceses.

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“Vou escandalizar-vos”, alertou o padre Hans Zollner a uma audiência em Paris esta semana.

“«A Igreja» não existe. Não é um bloco monolítico”, disse o jesuíta alemão na terça-feira durante a importante palestra na capital francesa.

“Pelo contrário, na mesma sala, na mesma paróquia e na mesma diocese, vocês têm vítimas e agressores – pessoas responsáveis ​​e irresponsáveis”, continuou.

Zollner, que é director do Instituto de Antropologia da Universidade Gregoriana de Roma e membro da Pontifícia Comissão para a Protecção dos Menores, foi convidado pelos bispos franceses para falar sobre a crise dos abusos sexuais no clero.

Encerrou um ciclo de quatro conferências que as três universidades católicas de Paris (o Centre Sèvres, o Collège des Bernardins e o Institut Catholique) organizaram em torno do tema “Depois do CIASE, pensr juntos sobre a Igreja”.

A CIASE, é claro, é a Comissão Independente sobre Abuso Sexual na Igreja, que em Outubro passado publicou um relatório devastador sobre décadas de abuso sexual do clero em França.

E o padre-psicólogo de 55 anos partilhou a sua obsessão sobre o assunto – certificando-se de que as pessoas estejam claramente cientes de quão mal os oficiais da Igreja lidaram com casos de abuso no passado, para que esses erros nunca mais sejam repetidos.

 

O mesmo erro foi cometido

Zollner observou que os primeiros casos de abuso sexual surgiram há cerca de 40 anos nos Estados Unidos e na Austrália, e depois na Holanda, Grã-Bretanha, Europa Central e agora no sul da Europa.

“Agora o mundo inteiro ouviu falar do horror do abuso e das falhas da hierarquia na gestão do problema”, disse.

“E agora estão a ser feitas perguntas sobre o porquê de os responsáveis ​​reagirem da maneira que reagiram, incluindo os «intocáveis»: bispos, cardeais e o próprio Papa”, continuou o jesuíta.

“O mesmo erro foi cometido, o de não ouvir as vítimas”, sublinhou.

“E a experiência desta ou daquela Conferência Episcopal não foi transferida para as outras”, lamentou.

Mas também reconheceu que, como há “1,4 biliões de católicos, 24 Igrejas, 5.300 bispos, 2.900 dioceses e um número desconhecido de congregações religiosas, é muito difícil ter uma estratégia única”.

Afirmou que isto é ainda mais difícil por causa das diferenças culturais de uma região para outra.

“Em África, nas famílias, aldeias, tribos, a sexualidade é tabu. Ainda mais quando se trata de figuras de autoridade, como padres. Na Ásia, salvar a face é vital para viver em conjunto. E criticar uma figura de autoridade era impossível até há bem pouco tempo”, apontou Zollner.

 

Os paradoxos da Igreja

Também sublinhou que existem muitos paradoxos na Igreja Católica.

Em primeiro lugar, há o paradoxo de um sistema de governo marcado por uma “estranha tensão entre autoritarismo e falta de regras claras, falta de responsabilidade pessoal”.

Disse que o processo sinodal iniciado pelo Papa Francisco nos deve ajudar “a sair desse vai e vem entre os altos e os baixos”.

Mas Zollner também insistiu que não se trata de abrir mão de todo o poder.

“A questão é, acima de tudo, como controlamos o poder. Quanto maior o poder que se tem, mais essa pessoa deve ser responsabilizada”, afirmou.

Um segundo paradoxo é que, apesar da exortação apostólica de João Paulo II de 1992, Pastores dabo vobis, de que “a formação humana (é) a base de toda a formação sacerdotal”, a Igreja parece investir mais na formação intelectual dos seus clérigos do que na formação humana.

“Leva mais de seis anos a formar um professor do Antigo Testamento e seis semanas para um superior de um seminário”, destacou Zollner.

“Qual é o foco da nossa atenção: as nossas instituições e a nossa reputação ou a vítima, o vulnerável, o outro e o Totalmente Outro?”, questionou.

O padre e psicólogo jesuíta de Roma disse que não basta mudar as normas. Em vez disso, deve haver uma verdadeira conversão que envolva espiritualidade e teologia.

“Aguardo o momento em que entendamos que cuidar das vítimas está no centro do nosso ministério”, disse à sua audiência em Paris.

 

Artigo de  Vincent de Féligonde, publicado no La Croix International a 9 de Junho de 2022.