Arquidiocese de Braga -
24 março 2022
Especialista sobre a Rússia diz que pressões políticas forçam Kirill a apoiar a guerra de Putin
DACS com CruxNow
É essa pressão que força Kirill a justificar a guerra, diz um padre italiano que é professor de história e cultura russa.
Esta sexta, o Papa Francisco e os bispos católicos de todo o mundo vão consagrar a Rússia e a Ucrânia ao Imaculado Coração de Maria. A pedido do seu patriarca, os ortodoxos russos também vão invocar a mãe de Deus.
Nas palavras do padre Stefano Caprio, um professor de história e cultura russa no Pontifício Instituto Oriental em Roma, há uma “grande ambiguidade” já que um lado vai estar a rezar à Virgem para garantir paz, e o outro para que a mãe de Deus lhes garanta a vitória nesta guerra.
Caprio, que foi missionário na Rússia entre 1989 e 2002, disse que o anúncio do Vaticano sobre a intenção de Francisco consagrar ambos os países a Maria veio no dia a seguir à videoconferência com Kirill. Dois dias depois, o patriarca pediu aos membors da Igreja Ortodoxa Russa para também rezar pela intercessão da Virgem Maria.
O padre italiano conhece a igreja russa bem, tanto como ex-missionário assim como académico, e encontrou-se com Kirill muitas vezes quando este ainda era um arcebispo metropolitano. Na verdade, Caprio foi o seu motorista durante algumas visitas do prelado russo a Roma.
Ostpolitik, a política da contradicção
Desde que a guerra começou, realçou o sacerdote, o Papa Francisco tem tentado “de várias formas” exprimir a proximidade com aqueles com que sofrem, e também disse que a invasão não era uma “operação militar especial”, como diz o governo russo, mas uma guerra.
“Mas tem evitado chamar as coisas pelos nomes”, disse Caprio sobre uma das controvérsias à volta da atitude do Vaticano em relação à guerra. “A posição do Vaticano tem um nome histórico: Ostpolitik, e nasceu na década de 1900”.
Na sua origem, explicou, o termo referia-se à política pró-soviética na Alemanha. Hoje, também se aplica à relação do Vaticano com o Kremlin e com a China: manter as portas do diálogo abertas, na esperança que “aqueles que podem ser salvos serão salvos” de actividades anti-cristãs sob os regimes comunistas.
“Com o Papa Francisco, esta relação foi reiniciada. No século XX, os cristãos perseguidos também acusaram o Vaticano de traição, mas a Santa Sé insistiu que era a única forma de os salvar. E esse é o mesmo discurso que têm com a China”, disse.
Caprio também apontou que o Vaticano tem hoje relações “muito boas” tanto com a Igreja Ortodoxa alinhada com Moscovo como com a Igreja Ortodoxa de Constantinopla, liderada pelo Patriarca Bartolomeu e que, de acordo com a Rússia, está em “cisão”.
“O que vai a Santa Sé fazer? Manter as portas do diálogo abertas”, afirmou Caprio. A versão “latino-americanizada” de Francisco da Ostpolitik apimenta a questão, já que o Papa tem “uma personalidade muito particular, indo às vezes numa direcção e, noutras vezes, noutra direcção”.
“A Ostpolitik significa entrar em contradicção”, disse. “Como apoiamos os ucranianos? A quebrar todas as relações com o russos? Alguns acham que isto seria o melhor, mas não é fácil”.
Apesar da posição do Vaticano sobre a guerra ser clara – a paz deve sempre prevalecer –, a mistura religiosa na Ucrânia torna as coisas mais desafiantes. De uma forma, virtualmente todas as jurisdisções eclesiásticas cristãs coexistem: Roma, Moscovo, Kiev e Constantinopla. E há a forte influência a Igreja Católica Greco-Ucraniana em conjunto com o Rito Latino.
Mas não é apenas a diversidade de Igrejas cristãs que torna o elemento religioso da crise importante. Estima-se que 30% da população ucraniana pré-guerra ia à missa todos os fins-de-semana, e o número cresce para 50% durante as grandes festas.
Em Itália, “somos sortudos” se 10 a 15% dos católicos vão à missa num qualquer domingo, e na Rússia o número de ortodoxos praticantes é de 3 a 5%.
Reconhecendo uma margem de erro, Caprio argumentou que, em valor nominal, 20 milhões de ortodoxos ucranianos “valem mais do que 80 milhões de ortodoxos russos, que são religiosos no papel, mais por razões políticos do que fé real”.
Na verdade, pode-se argumentar também que a Rússia perde a maioria na Ortodoxia se os ortodoxos cristãos de origem ucraniana – incluindo a “grande proporção de padres na Rússia” – deixassem o Patriarcado de Moscovo.
A questão Kirill
De acordo com Caprio, o patriarca russo deu a conhecer o seu desagrado com a invasão da Ucrânia quando demorou 10 dias a falar sobre a guerra, que começou a 24 de Fevereiro. Relembrando-se de uma conversa que teve quando Kirill era metropolita em 2000, durante um encontro ecuménico de jovens em Kiev, o padre italiano disse que o prelado russo pediu a ajuda da Igreja Católica para “afastar” russos ortodoxos radicais, que se alinhavam com a ideia soviética da Rússia dominar o mundo.
Caprio disse que foi pressão de Putin e da ala mais extremista da Igreja que lidera que acabou por instigar Kirill a publicar um documento a justificar a guerra como uma tentativa de afastar os valores ocidentais não alinhados com os valores e cultura russos, como a homossexualidade.
“Kirill não pode opôr-se abertamente à guerra porque ele sabe que seria morto”, disse Caprio.
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