Arquidiocese de Braga -

18 março 2022

Cardeal Tagle sobre a guerra na Ucrânia: nenhuma arma pode matar a esperança

Fotografia DR

DACS com Vatican News

Entrevista com o presidente da Cáritas Internacional sobre a guerra na Ucrânia, o grande teste de solidariedade da Europa e os testemunhos de humanidade que dão esperança, mesmo numa época marcada pelo sofrimento e pela dor.

\n

Debaixo de bombardeamentos, mas a trabalhar sem parar. É assim que os operadores da Cáritas estão a levar ajuda aos necessitados na Ucrânia devastada pela agressão militar russa. Apesar das dificuldades no terreno, a Cáritas Ucrânia e a Caritas-Spes Ucrânia continuam a servir a população.

Desde o início do conflito, atenderam mais de 160 mil pessoas. O atendimento vai desde a distribuição de alimentos até ao fornecimento de alojamento, mas também assistência psicológica.

Extraordinário é também o empenho de todos os gabinetes locais da Cáritas na Europa, e em particular naqueles países – como a Polónia, Roménia, Moldávia, Hungria e Eslováquia – que receberam o maior número de refugiados fugidos da guerra.

Pedimos ao Presidente da Cáritas Internacional e Prefeito da “Propaganda Fide”, Luis Antonio Tagle, que se debruçasse sobre este compromisso num mundo estrangulado por pandemias e conflitos e que tem dificuldade em olhar o futuro com confiança.

 

Cardeal Tagle, há dois anos que a humanidade luta com a pandemia de Covid-19. Agora a guerra na Ucrânia, desencadeada pela Rússia e o medo – de muitos – de um novo conflito mundial. Onde encontrar esperança diante de um tempo que parece tão angustiante?

Como cristãos, devemos confiar que a esperança está sempre em Deus. Neste tempo de Quaresma, a Igreja – através das Escrituras – convida-nos a renovar a nossa esperança em Jesus Cristo. E esta esperança significa o triunfo do amor, da misericórdia. Vemos agora sinais concretos desta esperança. Nenhuma arma pode matar a esperança, a bondade do espírito na pessoa humana. Há tantos testemunhos disso. A esperança em Jesus Cristo e na Sua Ressurreição é verdadeira e vê-se precisamente no testemunho de tantas pessoas.

 

O Papa Francisco no Ângelus do último Domingo falou de “uma agressão militar inaceitável”. A 6 de Março, tinha dito que “é uma guerra”, não “uma operação militar especial”. O Cardeal é Filipino, não Europeu; que emoções é que uma guerra no coração da Europa desperta em si?

Em primeiro lugar, a tristeza. Fico triste ao ver as imagens, ao ouvir as notícias e ao estar perto desse lugar onde há guerra. Sinto-me triste e também um pouco confuso porque a humanidade não aprendeu as lições da história! Depois de tanta guerra e destruição, continuamos com o coração tão duro! Quando ouço as histórias dos meus pais que viveram a Segunda Guerra Mundial, não consigo imaginar – nem sequer imaginar! – a pobreza, o sofrimento que suportaram. Essa geração continua a carregar as feridas da guerra nos seus corpos também, e ainda têm um estado de espírito ferido. Quando, quando é que vamos aprender? Estes são meus sentimentos. Esperamos sinceramente que aprendamos com as lições da história.

 

A Cáritas Internacional nasceu há 70 anos para atender às necessidades humanitárias que emergiram da Segunda Guerra Mundial. Hoje, qual é o maior desafio da rede Cáritas em relação ao conflito na Ucrânia?

Parece-me que o maior desafio da rede familiar Cáritas é o que está precisamente inscrito na sua missão. A missão de lembrar sempre ao mundo que todo o conflito, todo o desastre tem um rosto humano. A resposta da Cáritas é sempre humanitária. Por exemplo, a guerra na Ucrânia e os conflitos noutros países do mundo são geralmente apresentados como conflitos políticos, militares, mas as pessoas são esquecidas! Com a nossa missão, a Cáritas lembra ao mundo que a guerra não é uma questão militar, política, mas é, antes de tudo, uma questão humana.

 

O povo ucraniano está a dar um testemunho incrível de coragem, enquanto os seus países vizinhos – pensamos, em particular, na Polónia, Roménia – estão a oferecer um testemunho de solidariedade excepcional. Que lição podemos aprender, nós que estamos “perto” mas ainda longe desta guerra na Ucrânia?

Devemos ser gratos pelo testemunho das pessoas na Ucrânia e nos países vizinhos e mesmo daqueles mais distantes que estão a enviar ajuda e a oferecer assistência. A lição para mim é esta: no deserto da violência, a pessoa humana tem a capacidade de ser boa. A lição para mim é que mesmo numa situação má como a guerra, uma humanidade melhor pode surgir. Mas há um desafio: a formação do coração, da mente. Os conflitos, como é que eles começam? No coração, na decisão das pessoas. A lição está na forma como as famílias formam os seus filhos nos valores do respeito ao próximo, da escuta, da compaixão, da escolha do caminho da justiça, do diálogo em vez da vingança, da violência.

 

Existe alguma história, uma imagem desta guerra – ouvimos e vemos tantas – que o atingiu de forma particular, que representa um pouco a dor, mas também a força, a bondade das pessoas?

É difícil escolher, mas – talvez como cristão e como bispo – as imagens que mais me impressionaram são as de pessoas a rezar. Esta fé das mães ajoelhadas diante do Sacramento. A oração, a rede de oração que une a humanidade, para mim, é um sinal de esperança apesar da guerra. O Senhor está connosco. O Senhor ama a sua família.

Entrevista de Alessandro Gisotti, publicada em Vatican News a 18 de Março de 2022.