Arquidiocese de Braga -
7 março 2022
Focolarina na Ucrânia planeia ficar porque “acredita em milagres”
DACS com Crux
Donatella Rafanelli viveu 25 anos em Moscovo e mudou-se para a Ucrânia em 2019. Agora, pede orações por um milagre.
Ela e os seus companheiros Focolarini, como os membros do movimento são conhecidos em italiano, foram acordados por um telefonema a dizer que as bombas estavam a 56 quilómetros de distância e que eles precisavam de encontrar um refúgio.
“As orações são muito necessárias, porque apenas um milagre nos pode salvar aqui”, disse ela ao Crux. “Parece que as coisas estão a ficar cada vez piores. A oração é indispensável e importante”.
Uma vez tomada a decisão de deixar Kiev – “não fazia sentido permanecer sob os bombardeamentos”, disse Rafanelli – o seu primeiro instinto foi conseguir passagens de comboio para o oeste, mas á estavam esgotadas. O aeroporto estava fechado. Acabaram por decidir sair de carro com a ajuda de um padre, que se ofereceu para levá-los a uma paróquia onde pudessem estar seguros. A viagem durou 29 horas.
A guerra, disse a uma agência de notícias italiana no início da semana, “é pura loucura”. Os ucranianos sacrificaram-se para comprar uma casa, poupar algumas economias, mas a guerra “arruinou todos os planos para o futuro, muitos sonhos foram destruídos”.
As estradas de Kiev foram bloqueadas. Na estrada, podiam ser vistos tanques ao longo do caminho, bem como pessoas a pedir boleia. No carro, os telemóveis tocavam constantemente, fornecendo actualizações sobre quem planeava ficar, quem estava a sair e quem precisava de ajuda.
Isso não mudou: uma das principais coisas que Rafanelli tem feito desde a mudança é ajudar a colocar as pessoas que querem sair, fugindo das cidades sob o ataque mais forte ou da Ucrânia, em contacto com membros da comunidade dos Focolares que vivem nas cidades ou países para onde as pessoas querem ir.
“O que temíamos, mas não esperávamos, aconteceu”, disse Rafanelli ao Crux de um local não revelado no oeste da Ucrânia.
Nos dias que antecederam a ordem do presidente russo, Vladimir Putin, de bombardear a Ucrânia, muitos falaram sobre a possibilidade de um ataque a Kiev.
“Quando aconteceu, a primeira coisa que fizemos foi olhar uns para os outros nos olhos. Dissemos: «É agora, estamos em guerra». E então rezamos... Era tudo o que podíamos fazer”.
Nascida numa pequena cidade na região da Toscana, na Itália, esta leiga do movimento fundado por Chiara Lubich após a Segunda Guerra Mundial planeia ficar na Ucrânia.
“Falei com um jornalista talvez na terça-feira [dois dias antes do ataque começar], e ele disse-me: «Não, eles não chegarão a Kiev; não é possível, porque geraria uma insurreição por parte da Europa»”, afirmou. “Não imaginávamos que um ataque dessa magnitude fosse possível, esperávamos que não acontecesse”.
Rafanelli mudou-se para a Ucrânia quando os Focolares abriram uma casa em Kiev em Setembro de 2019. Ela veio de Moscovo, onde passou 25 anos. Chegada à Ucrânia, ela sabia que o país estava num ponto crítico com uma guerra em andamento na região leste. No entanto, parecia que estava tudo muito longe da capital – Donbass, por exemplo, onde uma declaração de autonomia por duas repúblicas separatistas leais a Moscovo desencadeou o conflito actual, fica a 500 milhas de Kyiv.
“Eu não esperava uma guerra destas dimensões”, disse Rafanelli. “Sabia que já havia uma guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Sabia que a situação era difícil e experienciei isso, porque, tendo vindo da Rússia, muitas pessoas me disseram que era difícil ter um diálogo com a Rússia”.
“No entanto, mesmo nos dias que antecederam a escalada, não esperávamos algo assim”, observou. “Ninguém começou a preparar-se para um ataque iminente na quarta-feira. Todos nós tínhamos esperanças de que os esforços de diálogo levassem à paz, não a isto”.
Reflectindo o sentimento de surpresa, disse Rafanelli, os esforços humanitários de ONGs no terreno foram organizados em grande parte na altura. Da Cáritas às muitas ordens e movimentos religiosos presentes no país, ninguém se preparou para o que veio.
Apesar da situação terrível, muitos dos que restaram permanecem de bom humor. Rafanelli disse que as pessoas que conhece “amam este país. Eles não cederam e não vão desistir, porque amam a Ucrânia. Este é um povo de uma coragem incrível, acolhedor e hospitaleiro, o que posso atestar pessoalmente”.
Entre aqueles que a receberam quando chegou, explicou está uma mulher chamada Galia. Tem hoje 75 anos e decidiu permanecer em Kiev. Durante um momento de oração via Zoom realizado com Focolarini de outros países, incluindo Itália, Polónia e Hungria, Galia falou sobre o que estão a passar aqueles que ainda estão na capital.
“A força com que ela falava, parecia que ela estava a falar de outra pessoa, quase como se não fosse ela a passar as noites num abrigo antiaéreo e depois a ir para casa descansar quando as sirenes estavam desligadas, que estava a tenta cozinhar para quem não tem comida entre as sirenes”, disse. “E eu tenho uma lista interminável de exemplos e histórias como esta”.
Apesar dos valentes esforços do exército ucraniano e das negociações de paz, é difícil saber o que o futuro trará, observou Rafanelli.
“É muito difícil planear com antecedência”, admitiu. “Tenho um projecto, que é ficar aqui, continuar a ajudar. E eu tenho um sonho: voltar para Kiev. É um grande sonho, eu sei, porque significa que as coisas vão melhorar. Se for realista, este é um sonho que ninguém pode realmente esperar. Mas, bem, eu acredito em milagres”, concluiu.
Artigo de Inés San Martín, publicado no Crux a 5 de Março de 2022.
Partilhar